Por que o baixo desemprego não colabora para a aprovação do governo?

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A inflação de alimentos tem sido apontada como fator crucial para a queda da aprovação do governo. Um contraponto pertinente, entretanto, seria o bom momento do mercado de trabalho, com a taxa de desocupação medida pela PNAD Contínua fechando 2024 no menor nível da série histórica, iniciada em 2012.

Em artigo na Conjuntura Econômica de março, o economista Nelson Marconi, professor da FGV Eaesp, aponta que uma “precarização” das remunerações, em termos relativos, pode ser parte da explicação para o panorama laboral não colaborado para conter a piora na avaliação da gestão Lula 3.

Marconi identificou esse decaimento das condições salariais comparando microdados da PNAD de 2024 com os de 2012, quando a taxa de desemprego também estava baixa – 7,4% em média. “Em geral, os estudos sobre mercado de trabalho abordam as condições de oferta, como nível de escolaridade e qualificação profissional, que são importantes, mas neste caso a ótica de análise foi orientada pela demanda, buscando identificar quem contrata e para que tipo de ocupação, apontando às habilidades requeridas no mercado de trabalho”, explica Marconi no texto.

Em seu exercício, Marconi identificou tendências interessantes, como a de que os salários relativos para um mesmo grupo de ocupações registraram diferenças a depender do setor contratante. Ou seja, a depender do setor que contrata um profissional com determinada habilidade, este pode ser mais valorado ou não. O professor da FGV Eaesp considera que essa diferença “pode estar associada aos distintos patamares da produtividade média do trabalho (valor adicionado por trabalhador) em cada setor”, destacando que entre 2012 e 2024 “os salários relativos que aumentaram estão nos setores que mais prosperaram nos últimos anos, como finanças, tecnologias e serviços digitais e agropecuária (ainda que, neste último, os patamares salariais permaneçam muito baixos)”, afirmou no texto.

Marconi dá sequência ao estudo estruturando uma classificação que combina setores e ocupações, para identificar melhor as principais mudanças entre os períodos analisados. Diz ele:

“A classificação resultou em 600 combinações entre 30 grupos de setores e 20 categorias ocupacionais. Para identificar as mudanças relevantes, foram estimadas as variações no número de pessoas ocupadas entre 2012 e 2024, sendo que os resultados trazidos para o texto correspondem à média dos trimestres de cada um dos anos analisados. Foram segregados os trabalhadores do setor público e privado, pois estão associados a mercados de trabalho que operam sob lógicas distintas. As variações mais relevantes, dentre estas 600 combinações, estão destacadas nas Tabelas 1 e 2. São 27 combinações para o setor privado, que correspondem a 75% da variação do número de ocupados neste grupo no período entre 2012 e 2024, e são 9 combinações para o setor público, cujo percentual correspondente atinge 96%.”

O estudo aponta que as principais variações no número de pessoas ocupadas se deram nos extremos, ou seja, “nas atividades que requerem elevada qualificação – profissionais de nível superior nos setores de saúde e técnico-científicos –  e em grupos que requerem menor qualificação, sem desmerecê-los – vendedores do comércio, condutores de veículos (a chamada uberização), serviços pessoais, cuidados pessoais e vendedores de alimentos”. Já atividades que requerem habilidades medianas, aponta, não apresentaram variação significativa.

O dado mais destacado por Marconi, entretanto, é que 65% da variação do número de pessoas ocupadas se deu em combinações de setores/grupamentos ocupacionais em que se observam salários relativos baixos. “Nota-se também uma redução razoável dos salários relativos mais altos, nas combinações que os praticam, ao longo do período considerado”, completa. Em resumo, comparado a 2012, o panorama de 2024 foi o de mais pessoas empregadas em atividades de salários mais baixos, e uma redução do salário relativo daquelas em ocupações mais bem-remuneradas. O primeiro caso, afirma o economista, pode estar relacionado à reduzida participação de setores mais dinâmicos na estrutura produtiva do país. Para o segundo, por sua vez, pode ter colaborado um aumento de trabalhadores com ensino superior, bem como a chamada “pejotização”.

O gráfico abaixo reproduzido ilustra a distribuição dos salários em relação ao número de pessoas ocupadas em cada setor/categoria do setor privado. O resultado é uma concentração no quadrante esquerdo superior, indicando a concentração do aumento de pessoas ocupadas nos setores que praticam salários relativos menores, quando o ideal seria que esse acúmulo acontecesse no quadrante superior direito, que aponta ao crescimento de empregados em ocupações com maiores salários relativos.  

A conclusão do estudo é de que, apesar de estar tão ou mais aquecido que em 2012, hoje o mercado de trabalho brasileiro apresenta características menos virtuosas – ao menos quando se considera como critério de análise o salário relativo praticado.

Salário relativo em 2024 (média geral no ano = 1) e variação absoluta do número de pessoas ocupadas entre 2012 e 2024
Para as combinações de setores e grupamentos ocupacionais em destaque no setor privado


Fonte: PNAD Contínua, com cálculos do autor.

Leia a íntegra do artigo na Conjuntura Econômica de março.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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