Políticas para lidar com a inflação poderão trazer custo alto em 2023, alertam especialistas em webinar
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
A preocupação sobre o projeto de redução do ICMS dos combustíveis que tramita no Congresso como tentativa de conter o repique de preço observado desde a guerra na Ucrânia voltou a ser a tônica do debate no II Seminário de Análise Conjuntural de 2022. Tal como no primeiro seminário - ambos promovidos pelo FGV IBRE em parceria com O Estado de S. Paulo e moderação de Adriana Fernandes, repórter especial e colunista do jornal -, os economistas do IBRE alertaram mudanças tributárias realizadas fora de uma discussão de reforma mais ampla tendem a transferir parte da inflação dos combustíveis para 2023, o que cobrará sua conta em termos de crescimento, diante de uma estimativa que já é baixa para a atividade no ano que vem. Espera-se para hoje a votação no Senado do PLP 18/22 que limita o ICMS em 17% e enquadra combustíveis, energia elétrica, transportes e telecomunicações como bens essenciais. Na semana passada o governo também apresentou uma PEC (16/22) em que oferta R$ 29,6 bilhões para os entes federados, sob condição de zerar o ICMS do diesel, do Gás Natural Veicular (GNV) e do gás de cozinha entre julho e dezembro deste ano, e outra (PEC 15/22) que propõe reposições financeiras para os entes que reduzirem o imposto no etanol para pelo menos 12%. A projeção para o PIB do ano que vem, de acordo a Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, é de 0,3%. Com um aumento de pressão inflacionária dado por medidas como essa, o viés para essa estimativa fica ainda mais negativo, diz.
“Agora, ainda temos de volta o risco político-eleitoral, que parecia fora de cena dada a melhora dos números fiscais por conta da inflação e da arrecadação com o ciclo de alta de commodities”, afirmou Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, citando, entre outros fatores, o projeto de lei enviado pelo governo ao Congresso Nacional autorizando a venda do excedente de petróleo e gás a que tem direito nos contratos de partilha, antecipando uma receita futura incerta, e desvinculando-a da saúde e educação sem destino definido, em pleno ano eleitoral. “A questão político-eleitoral agora voltou à cena, pesando sobre investimento, risco-país, câmbio, tudo aquilo que não gostaríamos que acontecesse”, afirmou.
Castelar lembrou que, independentemente da pandemia não ter chegado ao fim, a recuperação da demanda de serviços como viagens aéreas e outros serviços prestados às famílias, duramente impactados pela Covid-19, não foi interrompida, o que ajudou para que a atividade no primeiro trimestre do ano registrasse um bom resultado: 1% de alta. “É uma notícia boa não ter recessão no horizonte de 2022, mas o fôlego está acabando”, disse.
Silvia ressaltou que, com o setor de serviços e transportes crescendo 2% na margem, e a construção mantendo um desempenho favorável devido ao atraso do efeito da política monetária na economia, pode-se observar uma melhora na geração de empregos, já que são atividades intensivas em trabalho. “A gente observa que a massa de rendimento do trabalho tem performance melhor devido a uma maior criação de vagas, dinâmica que ainda deverá continuar no segundo trimestre”, diz, lembrando que a recuperação do mercado de trabalho não tem sido acompanhada de aumento de salários no mesmo ritmo. Na última sexta-feira, o IBGE divulgou que em 2021 o rendimento médio mensal domiciliar per capita foi de R$ 1.353, 6,2% abaixo do registrado em 2020 e o menor da série histórica da PNAD Contínua, que começa em 2012.
A economista reforçou, entretanto, que o resultado observado no primeiro trimestre se deu em boa parte devido a fatores que não devem evoluir com a mesma magnitude durante todo 2022. Além de o desempenho de serviços e do consumo do governo refletir uma recuperação de uma base que ainda estava retraída, Silvia cita a contribuição expressiva setor externo, com o bom resultado das exportações, favorecidas pelo preço das commodities, mas cuja demanda também contribuiu para que a indústria compensasse a desaceleração da demanda doméstica, e colaborou para manter o otimismo do setor no curto prazo. “Para o segundo trimestre, esperamos que a contribuição externa seja positiva, mas baixa, próxima da neutralidade. Com o mundo revisando continuamente as projeções de crescimento, parte desse movimento deve ceder”, afirma.
Núcleo-TF vs. IPCA em 12 meses
Variação percentual acumulada em 12 meses (%)
Fonte: Portal da Inflação FGV IBRE.
José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, ressaltou no evento online o difícil momento vivido pelos bancos centrais das principais economias do mundo para conter a inflação, com a perspectiva cada vez mais forte de alimentar-se uma recessão a partir do próximo ano, especialmente nos Estados Unidos. “O que mais preocupa não são os componentes voláteis da inflação, como os gargalos de oferta, mas a inflação nuclear, ligada ao mercado de trabalho, que está muito aquecido em função do estímulo de demanda”, descreveu, revisando alguns dos pontos debatidos semanas antes, no VIII Seminário Anual de Política Monetária do FGV IBRE. “Com o mercado de trabalho apertado, salários crescendo 6% ao ano, o comportamento das medidas nucleares de inflação oscila entre 4 e 6%, e para combater esse aumento de preços só uma política monetária robusta”, defendeu. Senna lembrou que o FED tem atacado tanto na frente de curto prazo, aumentando a taxa de juros básica, quanto nos juros longos, com a redução do balanço do BC, que começou no início de junho. “A questão é que ainda não sabemos o resultado dessas medidas, pois não se tem muito histórico de redução de balanço. O que acontecerá com os juros curtos dependerá fundamentalmente da reação dos juros longos, e as duas coisas batem nas condições financeiras”, afirmou, lembrando que se a redução de balanço resultar em aumento significativo de juros longos, o FED não terá que agir muito sobre sua Selic.
No caso brasileiro, Senna reforçou o alerta que tem feito desde meados do ano passado, de que as características do atual processo inflacionário demandam um trabalho conjunto para seu combate. “É com tristeza que vemos o que está em andamento. Executivo e Legislativo deixam claro seu desprezo por elementos tão básicos para o bom funcionamento da nossa economia, e tudo aparentemente em busca de votos”, afirmou, comparando o atual momento com o processo inflacionário de 2015, quanto o IPCA fechou em 10,67%. “Quando comparamos padrões de reversão, temos vontade de chorar. Hoje é uma inflação universal, antes era localizada; as expectativas se acomodaram graças às reformas que estavam sendo encaminhadas. E houve a criação do teto de gastos, que ajudou muito na reversão das expectativas”, enumera. “Hoje, a única âncora, o mesmo teto de gastos, está sendo dinamitada, e as reformas não estão presentes. E, finalmente, naquela época o preço do petróleo estava em movimento descendentes, com as commodities subindo levemente. Hoje o barril está a mais de US$ 120 e as commodities dispararam. Moral da história: tá tudo contra, e o BC sozinho não levará a inflação para a meta.”
O ex-diretor do BC destacou que, neste momento, concentrar esforços para aliviar o preço de combustível é uma medida na contramão do mundo, posta a necessidade de se dar os incentivos necessários para uma transformação da matriz energética global, tornando-a mais renovável e sustentável. “Isso amarra as mãos do governo amanhã se quiser por em prática discussões sobre imposto sobre carbono, como conter demanda por combustíveis fósseis”, exemplificou. “É uma escolha com prejuízos no curto prazo também. Pois é uma enorme ilusão imaginar que a redução de impostos reduzirá a inflação e levará juros para baixo. Tal como em ocasiões anteriores, como no Plano Cruzado, e guardadas as proporções, o princípio é o mesmo: consegue-se benefício a curto prazo, e depois estoura tudo novamente”, disse.
“Concordo com que medidas de caráter político-eleitoral são um desastre completo. Tudo que se está fazendo é transferir renda a curto prazo, permitindo que se consuma gasolina e diesel mais baratos hoje, para cobrar essa diferença depois das eleições”, afirmou Castelar. “As empresas, que trabalham com planejamento de mais longo prazo, veem que isso não é mudança de processo inflacionário, não afeta suas expectativas, mas quando esse benefício bater de volta perceberá que o índice de inflação está subindo. A pergunta, então, é se esse é o presente correto a se dar para a sociedade”, afirma, defendendo que a agenda de política econômica brasileira tem prioridades mais importantes, incluindo as reformas visando o aumento de produtividade. “Não tirando o mérito dos novos marcos legais de saneamento, gás natural, pouco se fez. Talvez pudéssemos ter ido mais longe.”
Silvia ressalta ainda a preocupação com a forma com que os recursos públicos serão usados, diante de uma melhora na arrecadação federal de um lado, e de outro um quadro social marcado pelo aumento da fome e pobreza. “Temos um bônus dado pelas commodities que gera pressão grande fiscal para devolvê-lo para a sociedade. O problema é como fazer isso de forma eficiente e justa do ponto de vista social”, afirma, ressaltando os riscos de má aplicação de recursos. “Não existe atalho para crescimento econômico. Precisamos voltar à discussão da necessidade de equilíbrio macroeconômico, reforçando a mensagem de que ajuste fiscal não é um bem em si, mas o caminho para garantir que o Estado cumpra seu papel”, diz. “Com inflação alta e juro real alto não há crescimento, e não haverá política social capaz de compensar efeitos danosos. Se não seguirmos políticas mais corretas do ponto de vista de eficiência - como a agenda de produtividade - não vamos gerar crescimento e acumularemos mais problemas sociais”, conclui.
Arrecadação federal mensal
(R$ milhões)
Fonte: Ministério da Economia.
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