Pesquisadores do FGV IBRE analisam as perspectivas para o comércio global em evento do Valor Econômico
-
Postado por Conjuntura Econômica
Solange Monteiro, de São Paulo
Os pesquisadores do FGV IBRE Lia Valls e Livio Ribeiro participaram nesta segunda-feira (24/3) do evento Rumos 2025, promovido pelo jornal Valor Econômico, no painel que tratou das perspectivas para o comércio global. Junto a ao conselheiro internacional do Cebri Marcos Caramuru e Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) – ambos foram embaixadores na China, respectivamente em 2016-2018 e 2004-2008 – Valls e Ribeiro destacam o momento de transição da ordem internacional, intensificado pela política externa do presidente americano Donald Trump, e a necessidade de o Brasil definir sua estratégia nesse novo cenário em construção.
“Em política externa, estamos acostumados a compreender o câmbio como uma variável global, e os operadores aprenderam a lidar com isso. Mas ninguém pensou em volatilidade nas regras tarifárias”, comparou Valls, ilustrando o grau de incerteza provocado pelo governo americano nesse início de mandato de Trump. “Se na primeira guerra comercial de Trump havia um claro enfoque econômico, desta vez as tarifas são usadas como instrumentos de pressão geopolítica em temas que não estão relacionados diretamente com o comércio. Isso torna virtualmente impossível você se planejar e você entender qual é o próximo passo”, afirmou Ribeiro.
Para o pesquisador, tal estratégia joga contra a única direção que pode ser reconhecida como mais clara da atual gestão Trump – “em que os primeiros 45 dias parecem ser 4 anos” –, que é a de apostar na industrialização como vetor de crescimento. “No curto prazo, o industrial tem dúvidas se deve levar uma fábrica para os Estados Unidos, porque ele não sabe se a tarifa de hoje no fim do dia será a mesma daqui a 1 mês”, ilustrou, destacando que ainda não é claro o real horizonte dessa estratégia. “O protecionismo tarifário que vemos, pela forma como tem sido feito – ressuscitando legislações da década de 1960, 1970, que aumentam o poder do Executivo na imposição tarifária – parece vir não para reduzir o déficit americano, mas ser parte de um plano maior de reformatação de como os Estados Unidos se relacionam com o mundo, de forma econômica, geopolítica, militar, e isso que eu acho que é o tema mais delicado no momento. Estamos começando a tentar entender o que está acontecendo, e por enquanto é difícil”, afirmou.
No curto prazo, entretanto, prevalece o viés inflacionário das políticas comercial e migratória adotadas até o momento, com queda da confiança do consumidor e de empresários, e retração na intenção de consumo e de investir.
Em sua apresentação, Marcos Caramuru ressaltou que as consequências da desorganização da cultura do comércio internacional em curso ainda são imprevisíveis, assim como os impactos para as cadeias de valor. “Até muito recentemente, discutimos as medidas tomadas pelo governo Biden e por governos anteriores sobre como trazer elementos políticos à organização das cadeias de valor, o nearshoring, friendshoring. Mas esses conceitos de repente estão desaparecendo, com os Estados Unidos querendo se tornar um grande país manufatureiro e atrair as cadeias de valor para si”, descreveu, lembrando que os passos para chegar aí, até o momento, parecem inseguros.
Caramuru apontou, em contrapartida, o sucesso que a Ásia tem registrado no adensamento das cadeias de valor. “De 2020 a 2024, a comércio total entre o Asean e a China aumentou de US$ 680 bilhões para US$ 980 bilhões, consequência do fortalecimento dessas cadeias de valor. O problema é que estas se destinam em larga medida à economia americana, e agora é difícil saber se conseguirão prevalecer”, afirmou. Para Caramuru, o único alívio hoje para essa realidade seria a retomada do crescimento do consumo na China, com um aumento da participação deste no PIB do país. “Europa e China terão que reduzir a dependência dos Estados Unidos, e a única forma que vejo de isso acontecer é exatamente com a retomada do consumo chinês”, afirmou, indicando que as políticas que o governo chinês tem tomado vão na direção correta, mas ainda são insuficientes.
Luiz Augusto de Castro Neves defendeu que, no atual momento de transição geopolítica coloca uma série de desafios e oportunidades para o Brasil, mas que é preciso ter estratégia clara para avançar. “Qual será a modalidade de inserção do Brasil na economia mundial? Nosso posicionamento em relação a essas mudanças tem muito mais a ver com a agenda interna brasileira do que apenas com a reação a medidas externas” afirmou.
Valls, do IBRE, reiterou a mensagem de Neves, destacando em especial as agendas na América do Sul e do Brics. “Hoje, com a fragilidade do multilateralismo, da OMC, o mundo está em uma grande encruzilhada. Reorganizar esse sistema é uma tarefa na qual o Brasil pode cooperar”, defendeu, destacando o reconhecimento do país como um ator historicamente capaz de dialogar com todos.
Reveja o painel sobre comércio global do evento Rumos 2025.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.