Novo consignado privado: “medida é estruturalmente positiva, mas não colabora com o combate à inflação”, afirma Katherine Hennings
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
As dúvidas sobre a disposição do governo em aceitar uma desaceleração da atividade econômica em 2025 foram acentuadas esta semana, com o anúncio da liberação do FGTS para quem usou o saque-aniversário e de uma nova versão de crédito consignado para trabalhadores do setor privado. No caso deste último, ainda que faltem detalhes sobre como será operacionalizado, Katherine Hennings, pesquisadora associada do FGV IBRE, avalia que a direção dessa medida é estruturalmente positiva, condizente com uma agenda de ampliação de acesso e barateamento do crédito, mas que chega em um momento complexo, no qual prover liquidez para as famílias pode significar um estímulo contrário à necessidade de conter a trajetória da inflação.
“De fato, há um diagnóstico claro de que o consignado para trabalhadores do setor privado ainda era um canal que precisava ser desobstruído”, afirma. Hennings destaca que, entre as modalidades de consignado vigentes – para servidores públicos, beneficiários do INSS e trabalhadores do setor privado – este último é o de menor participação no total da carteira. Em dezembro de 2024, essa modalidade representava 5,9% do total do consignado e 1% do total do crédito livre para pessoa física do Sistema Financeiro Nacional, somando R$ 39,7 bilhões.
O crédito consignado é reconhecido como mais vantajoso por oferecer a garantia de ser descontado do salário ou benefício recebido, o que reduz risco e possibilita a cobrança de juros mais baixos. No caso do trabalhador do setor privado, entretanto, há a chance de demissão do tomador, desvinculando este da empresa conveniada com um banco para oferecer esse crédito descontado em folha. Tal problema se reflete nos juros e índices de inadimplência, que são os maiores das três categorias, e é identificado como parte do motivo da baixa adesão a essa linha.
Em dezembro de 2024 o crédito consignado representava 17,1% da carteira de crédito a pessoas físicas do Sistema Financeiro Nacional, sendo:
Fonte: BCB.
O novo modelo, que o governo pretende divulgar após o Carnaval, prevê uma ampliação do público-alvo, incluindo empregados domésticos e trabalhadores autônomos, já que a contratação passa a ser feita a partir do e-Social. As garantias nesse novo modelo, que são base para possibilitar juros 50% inferiores às de “empréstimos comuns”, como sinalizou o ministro da Fazenda Fernando Haddad, ainda não estão claras, destaca Hennings.
A pesquisadora aponta que, se bem-sucedida, essa linha poderá trazer um problema conjuntural para o Banco Central, tornando menos eficaz a política de aumento de juros no combate à inflação. “Do ponto de vista estrutural, trata-se de uma iniciativa positiva. Mas hoje vivemos um momento em que é preciso deixar que a economia volte a crescer dentro de seu potencial, e essa decisão vai no caminho contrário”, afirma a pesquisadora. “Medidas para desenvolver o mercado de crédito fazem parte de uma agenda do Banco Central (BC) de muito tempo, sobre a qual não há oposição. Mas, além de não termos detalhes sobre a forma como será operacionalizado, também é preciso considerar que é um momento do ciclo ruim para a autoridade monetária”, reforça. “Além disso, esse crédito bancário pode contribuir para a necessidade de elevação dos juros, o que contaminará outras formas de crédito que sofrerão com essa alta.”
Hennings também destaca a necessidade de que esse crédito seja acompanhado de medidas de educação financeira. Apenas com campanhas de orientação do uso consciente do crédito, salienta, as pessoas poderão tomar decisões conscientes e usar o consignado para substituir opções mais caras como o rotativo do cartão de crédito – que em dezembro de 2024 somava saldo de R$ 61,4 bilhões, com taxa de juros de 450% ao ano e inadimplência de 55,1%. “Se com o novo consignado as pessoas saírem de dívidas como essa, será um ganho importante. Contudo, se acumularem mais um endividamento, a situação se agrava, com grande risco de aumento da inadimplência” alerta, lembrando que o comprometimento de renda do consumidor brasileiro com dívidas já é alto. Em janeiro, 26,3% da renda das famílias estavam comprometidos com o pagamento do serviço da dívida junto ao Sistema Financeiro Nacional, o que inclui financiamento imobiliário. Esse número não é muito menor ao pico registrado em meados de 2023, de 27,8%. “É preciso conscientizar os consumidores de que crédito é uma antecipação de renda, não um aumento, e que o inimigo na atual conjuntura não é a taxa de juros, mas a inflação”, completa Hennings.
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