“Não haverá recessão na China neste segundo semestre, mas é preciso se preparar para um país que cresce menos”
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Postado por Conjuntura Econômica
Livio Ribeiro, pesquisador FGV IBRE
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
O desempenho da economia chinesa em julho decepcionou até os analistas mais conservadores, gerando uma onda de análises pessimistas. Não faltaram previsões de um segundo semestre com recessão. Somados as dificuldades de demanda externa e doméstica com questões institucionais da Country Garden – cujos problemas de rolagem de dívida acendeu sinais de alerta sobre um possível novo episódio Evergrande – e da gestora Zhongrong, alavancada em ativos imobiliários, reforçaram as preocupações sobre as dificuldades de intermediação financeira do setor imobiliário chinês. Teses de “japanização” da China emergiram, remetendo ao histórico de desaceleração econômica do Japão após o estouro de uma bolha imobiliária nos anos 1990, que estímulos do governo não foram capazes de reverter de forma estrutural.
Livio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE, afirma que de fato há uma mistura de questões estruturais e conjunturais que criam uma tempestade perfeita para a economia chinesa, mas que não pode ser entendida como um caminho certo para a recessão. “A economia chinesa vai desacelerar, mas não há uma recessão contratada”, diz.
Inflação chinesa
Índice de Preços ao Consumidor (CPI) - 12 meses
Fonte: NBS. Elaboração: BRCG.
Ribeiro destaca que a bateria de dados de agosto traz alguns sinais de alívio, ainda que não vigorosos. A inflação acumulada em 12 meses saiu do terreno deflacionário observado em julho, “mesmo que a parcos 0,1%”, ressalta o pesquisador. É um comportamento que reflete baixa demanda, mas com uma composição distinta da observada na pandemia e menos preocupante, afirma Ribeiro, posto que é mais concentrada em bens, com a evolução de preços dos serviços e o núcleo se mantendo em terreno positivo. O crédito também mostrou sinais de recuperação em agosto, sem compensar por completo a frustração de julho, quando as concessões foram metade do projetado pelo mercado. “O desempenho interanual também voltou a terreno positivo, expandindo 26,8% no mês passado, mas tampouco chega a ser sinal de retomada econômica”, afirma. Já os PMI's – indicadores que refletem a saúde de setores a partir da pesquisa com executivos –mostraram leve expansão da atividade manufatureira em agosto e manutenção da expansão em serviços, mas em menor ritmo. Com isso, as projeções de Ribeiro são de crescimento interanual da atividade de 4,5% no terceiro trimestre e de 4,7% no último tri do ano, fechando 2023 com expansão do PIB de 5%. “Será um crescimento no limite do piso da meta do governo, apontando a um 2024 ainda mais complicado. O mundo tem que estar preparado para uma China que cresce menos”, diz.
Produção industrial e vendas no varejo (%, mensal)
Fonte: BRCG.
Ribeiro lembra que os sinais de uma mudança estrutural no comportamento de crescimento da China começaram a aparecer em meados de 2021, e têm sido corroborados pelo pouco fôlego da retomada do consumo após o final das medidas de restrição sanitária. Dois sinais, principalmente, colocam a população mais cautelosa quanto ao dinamismo econômico do país e, consequentemente, seu futuro bem-estar. O primeiro é o alto nível de desemprego entre jovens, como já abordado no Blog (Leia aqui). A interrupção da divulgação de estatística de emprego entre os jovens, afirma Ribeiro, só piorou o sentimento de insegurança quanto à renda futura da população e a preferência por poupar. Outro elemento importante nessa equação é que um importante instrumento de poupança da população – o imobiliário, a tradição da confiança no tijolo –, também está em xeque, com a queda do preço de imóveis e terrenos a taxas anuais em torno nos 5%, e que já chegou ao mercado de imóveis usados. “Quem tem dinheiro passa a consumir joias, que são um ativo real, e outros bens de luxo – comportamento que o governo interpreta como aquecimento do varejo, com o mercado de luxo se aquecendo, mas que na ponta pode refletir um caminho de aumento da desigualdade”, afirma Ribeiro.
No setor empresarial, observa-se, entre as incorporadoras, uma limpeza patrimonial forçada, plataformas de investimento local paraestatais com enorme exposição ao setor imobiliário dependentes de aporte de governos locais, e produtores de bens com baixas vendas. “Tudo leva a crer que um único fator uma a todos: a carência de demanda”, diz o pesquisador do FGV IBRE. O que muitos questionam é por que as políticas de estímulo do governo continuem mirando para o lado oposto, da oferta. “Pode haver várias respostas, não excludentes. A primeira, um trauma histórico de políticas agressivas implementadas no pós-2008 (e, em menor medida, no pós-2015), que levaram a um debt overhang relevante, e o fato de que políticas de transferência de renda direta aumentariam, a médio prazo, a cobrança sobre o regime. Há também barreiras institucionais, já que uma ampliação do regime de seguridade esbarra no hukou (registro de residência dos chineses que impõe limites de direitos àqueles que migram) e na resistência das grandes cidades em abolir as restrições à livre mobilidade de pessoas. E, quem sabe, falte um diagnóstico mais claro sobre a eficiência das receitas tradicionais na atual conjuntura”, enumera Ribeiro.
Concessões de crédito (acumulado 12 meses)
Fonte: PBoC. Elaboração: BRCG.
Uma iniciativa do governo a ser monitorada, destaca, é o prometido lançamento de um plano para flexibilização do hukou, que poderia ampliar o crescimento potencial do país, ao eliminar uma importante amarra à urbanização, e de certa forma levar a uma redução da poupança precaucional, permitindo acesso a serviços como escolas e hospitais em locais que não sejam os de origem.
No campo externo, o panorama de recuperação tampouco é claro. A conjuntura é de uma demanda global mais aquecida em áreas de serviços e lazer que não necessariamente são o forte da China, pese sua participação nos segmentos de tecnologia. E, ainda, mitigar o aumento da sinofobia em contexto global. Pesquisa do Pew Research Center mostra que a população que afirma ter uma visão da China majoritariamente desfavorável se ampliou consideravelmente nos últimos anos. Entre os exemplos estão Canadá, com um percentual de respostas que saiu de 40% em 2017 para 74% em 2022; Reino Unido (37% para 69%); Espanha (43% para 63%) e Coreia do Sul, de 61% para 80% na mesma comparação.
Investimento e mercado imobiliário
(%, 12 meses, jul/23)
Fonte: NBS. Elaboração: BRCG.
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