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“Leilão da Cedae consolida perspectiva favorável para as concessões de saneamento no país”

Edson Gonçalves, pesquisador do FGV Ceri

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), promovido no dia 30/4, é considerado uma das maiores concessões em infraestrutura do país tanto pelos valores de outorga envolvidos – R$ 22,6 bilhões, com um ágio médio de 140% – e estimativa de investimentos, de R$ 27 bilhões, como por sua cobertura. Sozinha, ela amplia em 40% a participação da iniciativa privada no setor de saneamento no país, abrangendo cerca de 11 milhões de pessoas.

Como toda grande operação, não faltaram tentativas para barrá-la. A última, na véspera do leilão, foi um decreto aprovado pela assembleia legislativa do estado (Alerj), determinando seu cancelamento. Decisão que careceu de sustentabilidade jurídica, já que a titularidade desses serviços é municipal e os municípios fluminenses tinham sua decisão tomada desde o ano passado, quando o BNDES preparava a modelagem do leilão. “Foi uma tentativa de tumultuar o ambiente que não intimidou os consórcios candidatos aos blocos leiloados”, diz Edson Gonçalves, pesquisador do FGV Ceri, coordenador do MBA em Saneamento da FGV, que elogia o resultado. “Em termos de arrecadação, sem palavras. Em termos de atrair bons investidores e operadores, sem palavras. Quem apresentou proposta, apresentou competência”, diz.

Dos 64 municípios atendidos pela Cedae, 35 aderiram ao leilão e foram distribuídos em quatro blocos, dos quais três foram arrematados pelos consórcios liderados por Aegea e Iguá (ver quadro), que cuidarão da distribuição de água e esgoto por um período de 35 anos. Pelas regras da licitação, os investimentos para universalização dos serviços de saneamento nessas áreas deverão ser feitos nos primeiros 12 anos. Tal como a companhia de Alagoas (Casal), concedida à BRK Ambiental em setembro de 2020, a modelagem escolhida pelo BNDES manteve a atividade de captação e tratamento da água sob o comando da Cedae. “Não é um modelo único. Por ser uma companhia grande, entretanto, me pareceu uma alternativa adequada, pois afastou o risco de tornar o projeto de concessão complexo e de difícil execução. Da forma como foi feita, a modelagem permitiu que a bola rolasse mais rapidamente”, afirma Gonçalves.

Leilão da Cedae
Resultado, por blocos ofertados


Fonte: Resultado do leilão.

 

Investimento previsto


Fonte: Dados da licitação.

Para o pesquisador, o resultado traz ótima perspectiva para os demais leilões de saneamento previstos para até meados do ano que vem no Amapá, Rio Grande do Sul e Ceará. “Dentro desse panorama, vale destacar o trabalho da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico na definição das normas de referência e procedimentos mínimos de governança que deverão ser obedecidos pelos reguladores subnacionais (estados e municípios), para um trabalho mais uniforme e menos politizado”, complementa, destacando que o FGV Ceri, junto a outros acadêmicos, consultores e ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), estão colaborando com a ANA e o Ministério da Economia na criação desse arcabouço novo para a autarquia, que antes da nova lei de saneamento tinha sua atividade restrita à regulação dos recursos hídricos do país.

Ainda que a perspectiva positiva prevaleça, o resultado do leilão da Cedae também ilustrou alguns dos desafios nesse caminho da universalização do saneamento. Mesmo privilegiando o modelo “filé e osso” na composição dos blocos – o que resultou, por exemplo, no desmembramento dos bairros da capital carioca entre os quatro grupos, para equilibrar regiões mais e menos atrativas em cada um –, o bloco 3 acabou não sendo licitado, com a retirada da proposta da Aegea, única candidata, ação permitida dentro das regras do leilão. Gonçalves lembra que questões como inadimplência e áreas dominadas por milícias são possíveis entraves para a entrada da iniciativa privada. “Na cidade de Seropédica, por exemplo, a inadimplência chega a quase 70%”, cita. Para o pesquisador, foi ilustrativo o fato de a BRK Ambiental, candidata natural ao bloco 3 por já operar em uma concessão de esgoto na zona Oeste do Rio, onde fica o mencionado bloco, não ter apresentado proposta para arrematá-lo.

“Daqui em diante, será necessário que consórcios e poder público caminhem juntos em prol da expansão da cobertura de saneamento”, diz Gonçalves. “Hoje o poder público parece mais sensível à relevância do saneamento. As empresas do setor, por sua vez, sabem que, além do retorno para os acionistas, sua atividade também envolve ganhos sociais.” As licitações da Cedae preveem ações de despoluição, bem como o investimento mínimo para infraestrutura de saneamento em favelas. “Os consórcios terão de se empenhar em conscientizar a população de áreas carentes sobre os benefícios de ter sua casa conectada à rede de água e esgoto. E, de outro lado, construir junto ao poder público uma estrutura tarifária adequada à condição socioeconômica dos moradores”, diz.

Para o pesquisador, a resposta positiva da iniciativa privada na semana passada poderá estimular alguns dos 29 municípios fluminenses que em 2020 não quiseram participar do leilão a aderir ao modelo de concessões. “Isso poderá permitir, inclusive, um redesenho do bloco 3 com mais cidades, para uma nova licitação”, afirma. Ele ainda lembra a intenção do BNDES em entrar com investimento direto no setor – em torno de R$ 18 bilhões – além de financiar, a taxas de mercado, até 55% dos investimentos e 30% da outorga. Na próxima quarta-feira (5/4), às 14h, Gonçalves participará de um webinar junto a Laura Matos e Guilherme Albuquerque – respectivamente, chefes do departamento de crédito para saneamento ambiental e do departamento de parcerias público-privadas do BNDES – para discutir formas de financiamento para o setor. O evento é promovido pela FGV Educação Executiva e as inscrições podem ser feitas em: https://evento.fgv.br/aguaesaneamento/

Leia também:

- No Blog:

“Leilão da Cedae mostra caminho possível para a universalização do saneamento”

- Na revista:

“Crise da Cedae: como chegou até aqui”

“O desafio da ANA”

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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