IPGF: mesmo considerando a substituição de produtos mais caros, inflação de alimentos corre muito acima do IPCA
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Em meio à preocupação com as implicações da inflação de alimentos para os consumidores-eleitores o presidente Lula foi protagonista de um momento polêmico ao declarar, em entrevista a rádio da Bahia no início de fevereiro, que o Brasil precisa passar por um “processo educacional” para que os consumidores aprendam a se desviar de preços mais altos no supermercado. Algo que as famílias historicamente fazem, e que mais recentemente é ilustrado pela substituição das carnes pelo consumo de ovos.
Mesmo com essa estratégia para fazer as necessidades básicas caberem no orçamento, que para o presidente também representa uma forma de pressionar os vendedores para que baixem o preço de produtos sob o risco de que se percam, a inflação de alimentos ainda foi alta em 2024, conforme identificado pelo Índice de Preço dos Gastos Familiares (IPGF) do FGV IBRE. O IPGF calcula a inflação agregada considerando as mudanças de comportamento do consumo das famílias e seu impacto no peso de cada item de forma mais tempestiva do que no IPCA. Com isso, o IPGF consegue capturar quando há uma redução da inflação forçada pelo corte ou substituição de um produto ou serviço que, pelo aumento de preço, já não cabe no bolso das famílias.
No ano passado, entretanto, a inflação de alimentos captada pelo IPGF em 2024 foi ainda mais alta do que a observada no IPCA (7,69% para o grupo alimentação e bebidas), com variação de 11,1%. Em relação ao IPGF total, que fechou 2024 em 7,05%, a variação dos alimentos ficou 3 pontos percentuais acima, diferença semelhante à observada no IPCA entre o valor cheio (4,83%) e a inflação de alimentos no domicílio (8,2%). André Braz, coordenador de Índice de Preços do FGV IBRE, afirma que esse resultado reflete o aumento da importância relativa dos alimentos no custo de vida da população. “O IPGF tem uma cesta menor, que abarca 80% da estrutura de ponderação do IPCA, sendo mais objetiva nos alimentos mais importantes no consumo das famílias e sua revisão de pesos”, afirma. Depois da alimentação, os outros itens que observaram maior variação foram vestuário (9,48%), despesas pessoais (8,67%), educação (6,94%) e habitação (6,93%).
Mesmo considerando tendência de substuição de produtos caros, alimentação pesa em 2024
Índice de Preços de Gastos Familiares (IPGF) de 2024 - variação %
Fonte: FGV IBRE.
Em janeiro, o IPCA de alimentos e bebidas registrou variação de 0,96%, indicando desaceleração em relação a dezembro (1,18%), mas ainda em nível alto. Em conversa para o Blog na semana passada (leia aqui), o economista do IBRE destacou, entretanto, que as perspectivas para os próximos meses são de mais redução do preço de alimentos para o consumidor. O sinal para isso foi dado pelo IPA de janeiro, que apontou retração de preço de alguns produtos que no acumulado de 12 meses têm registrado uma alta significativa. O óleo de soja, por exemplo, que em 12 meses fechados em janeiro registra uma inflação de 41,98%, em janeiro marcou -6,48%, apontando perspectiva de queda de preço nos supermercados. A carne bovina, que em 12 meses aumentou 35,79% na medição do IPA, em janeiro retraiu 2,58%. “Os alimentos processados, por sua vez, que por estarem na categoria de bens finais são os mais próximos das gôndolas, registraram queda de 0,64%, o que leva a uma alta de 16,25% em 12 meses” descreve. A manutenção dessa tendência, afirmou, dependerá do resultado das safras e do comportamento do câmbio.
Sobre o IPGF
Para realizar o cálculo do IPGF mensalmente, os economistas se valem da estrutura de ponderação da tabela de recursos e usos das Contas Nacionais, sobre a qual se aplica a variação de preços observada no IPCA. No caso do IPCA, essa revisão só acontece quando a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE é atualizada, o que tem acontecido, em média, a cada seis anos. A última POF é de 2017-18, e uma nova coleta entrou em campo em novembro de 2024, com os primeiros resultados estimados para meados de 2026. O IPGF não tem função de indexador, já que sua metodologia prevê revisão do resultado no mês seguinte, com a confirmação dos dados oficiais.
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