“Investimento cresce, mas não rompe a estagnação registrada desde 2016”
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Atualização recente da série histórica publicada no Observatório de Política Fiscal – braço de conteúdo do CPFO – mostra que, apesar de 2023 registar a segunda alta seguida do investimento público, o resultado ainda não foi suficiente para romper a média observada desde 2016, entre 1,94% e 2,63% do PIB. No ano passado, os gastos das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) somados ao das empresas públicas federais chegaram a 2,61% do PIB. Em 2000, eram 2%. Esse percentual é bem menor que o pico mais recente da série, de 4,72% do PIB em 2010 – e ainda mais distante do percentual verificado nos anos 1970, quando chegou a bater dos dois dígitos.
“Existe claramente um valor estatístico nessa série, que começa em 1947. Do ponto de vista econômico, ela também mostra como o papel do setor público mudou ao longo do tempo”, afirma Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público (CPFO). “Nos anos 1970, os investimentos eram muito elevados porque o papel do setor público era gerar crescimento de forma ativa. Com as privatizações, os investimentos das empresas estatais foram reduzidos e a mudança do papel do Estado definido na Constituição Federal de 1988, focando mais questões sociais, fez com que os governos reduzissem seus gastos com investimento”, descreve, lembrando, que, com o crescimento da demanda no campo das políticas sociais, uma solução foi delegar a gestão de alguns ativos públicos para a iniciativa privada. “Atualmente, o investimento público é bem pequeno”, diz, reforçando que no período de ajuste fiscal que se inicia em 2015 – com a criação do teto de gastos –, a média tem girado ao redor de 2,4% do PIB.
Como ponto de comparação, Pires cita estudo de 2021 que indica que, na média dos países da OCDE, tal investimento chega a 3,3% do PIB. “Esse percentual computado pela OCDE é comparável com o nosso investimento público excluindo as empresas estatais – que, no nosso caso, atualmente chega a um valor médio de 1,55% do PIB, se considerarmos sua execução desde 2015”, diz. Isso coloca o Brasil entre os países da OCDE que menos investe, perto do México, com 1,3% do PIB. Na outra ponta está a Hungria, com 6,3% do PIB.
Para o crescimento do investimento público em 2023 em relação a 2022, as maiores contribuições foram dos municípios (aumento de 0,13 ponto percentual – pp), das empresas estatais (0,11 pp) e do governo central (0,05 pp). Os Estados, por sua vez, contribuíram negativamente, com queda de 0,2 pp, “possivelmente em função da perda de caixa com as desonerações implementadas ao longo de 2022”, afirma Pires. Mesmo com essa reação do governo federal na participação no investimento público, o saldo líquido, ou seja, que desconta depreciação, desde 2010 ainda é negativo em 0,18% do PIB. Pires considera que a mudança da regra fiscal e a criação de um piso de investimentos foi importante para essa reação. Isso, entretanto, não blinda totalmente o investimento de se tornar variável de ajuste fiscal – fato que penalizou o investimento federal enquanto o teto de gastos era a regra vigente. Em entrevista à Folha de S. Paulo (link aqui, acesso restrito a assinantes do jornal), o coordenador dom CPFO reconheceu que há muitos entraves estruturais para se abrir espaço no orçamento – entre os quais os gastos com Previdência (tema de webinar nesta quarta), e os mínimos constitucionais para gastos com saúde e educação, com os quais essas despesas crescem mais do que o limite previsto no arcabouço (sobre o tema, leia repercussão de artigo de Bráulio Borges publicado no Observatório). “Uma solução é abrir espaço no orçamento, o que deve ocorrer gradualmente. A segunda é trabalhar com estados e municípios que investem atualmente um pouco mais para desenvolver bons projetos em que o governo possa compartilhar parte dos custos”, diz.
Ele lembra que as demandas adiante são crescentes. A começar pela transição energética. “Não vejo muita saída que não passe por continuar trabalhando com o setor privado. Não há um elemento que resolva tudo, mas é importante lembrar que essa transição envolve um grande volume de gastos. A notícia positiva é que vejo o governo federal mais sensível a isso”, afirmou. Pires destaca, entretanto, que no campo da infraestrutura “a participação da iniciativa privada também dependerá de investimentos governamentais, mesmo que depois a haja alguma delegação para o setor privado fazer uma melhor gestão do ativo”.
Há ainda o investimento bilionário necessário para recompor o Rio Grande do Sul do impacto das enchentes, que se configura um ponto de pressão adicional para a ampliação do investimento público neste e nos próximos anos. Neste caso, Pires considera uma oportunidade de se estabelecer uma coordenação federativa eficiente para crises climáticas. “Vejo muito compromisso do governo com o tema”, afirmou. “Mas será importante desenvolver instrumentos preventivos.” Pires afirma que será necessário obter novas fontes de recurso para esse financiamento – como a concretização do Fundo Social, como citou em entrevista anterior (veja aqui), em que destacou o esvaziamento do mesmo. “Sendo realista, dado o montante necessário, não será possível consegui-lo apenas de reformas orçamentárias de outras despesas no orçamento.”
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