Indústria automotiva: inflação desacelera, mas desafios permanecem
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Na lista dos setores que mais sofreram com a crise de fornecimento de semicondutores, fruto da desorganização das cadeias globais provocada pela pandemia, a indústria automotiva tem passado por um importante teste de resistência. Escassez de matérias-primas – que no período mais crítico levou à paralisação de linhas de produção – e o consequente aumento de preços desafiaram o setor, que ainda não conseguiu reequilibrar suas vendas. Dados da Anfavea indicam que, de janeiro a julho deste ano, o número de licenciamentos de autoveículos novos esteve 12% abaixo do registrado no mesmo período de 2021, ainda que nos últimos meses essa variação tenha sido positiva – em julho, por exemplo, cresceu 4,3% em relação ao mesmo mês de 2021. As exportações, por sua, vez, registaram aumento de 28% nos primeiros sete meses do ano na comparação com janeiro a julho de 2021.
Se a normalização completa da cadeia de suprimento de semicondutores ainda pode demorar mais um tempo, como afirmou Roberto Cortes, CEO da Volkswagen Caminhões, ao Blog, a inflação de matérias-primas, por sua vez, tem registrado importante desaceleração. Em webinar promovido nesta quinta-feira (31/8) pela FGVDados, André Braz, economista da área de Índice de Preços do FGV IBRE, ressaltou que o pior momento para essa indústria foi há um ano. “Em agosto do ano passado, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que é o carro-chefe do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) da FGV, acumulava alta de quase 40% em 12 meses. Nesse momento, os componentes para veículos registravam aumento de 25%. Hoje, essa variação caiu praticamente pela metade – a 12% em 12 meses –, enquanto o IPA registrou alta de 8,65% na mesma comparação, na divulgação de agosto do IGP-M”, compara. Braz atribui essa mudança à tendência de desaceleração econômica observada nas principais economias globais, para a qual colabora a virada da condução da política monetária na direção contracionista. “Na medida em que grandes economias desaquecem, a demanda tendee o ritmo de inflação, a ralentar.”
Para o consumidor, por sua vez, o maior aumento de preços tem se registrado este ano, com parte da pressão de custos das montadoras sendo repassada para o produto final. “Em agosto de 2021, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) acumulava alta em torno de 9,5% em 12 meses, e os carros acompanhavam esse mesmo ritmo. Hoje, o IPC registra alta de 6,93%, e a inflação dos automóveis, 17,5%”, afirma. “A expectativa é de que essa inflação comece a ceder, exatamente pelo comportamento atual do lado do suprimento de peças, com a dissipação de gargalos”, afirma.
No evento, Braz destacou que o comportamento dos preços é um alívio para a indústria dentro de um cenário ainda desafiador, com uma demanda que deve ser afetada pela alta dos juros básicos, que encarece o financiamento. Assim como por um cenário de mudança tecnológica, diante do gradual avanço das tecnologias voltadas à eletrificação, impondo um contexto mais competitivo para as montadoras. “É um setor que precisa cada vez mais estar atento à sua estrutura de custos, acompanhando a evolução de preços, bem como a estratégias que diversifiquem as alternativas de acesso do consumidor a um carro novo, que vão do aluguel a frotas que prestam serviços de transporte por aplicativo”, exemplifica.
Arnaldo Brito, coordenador técnico especialista em estatísticas do FGV IBRE, apresentou no webinar o trabalho da FGV Dados na produção de indicadores voltados à análise de preços, que abarca toda a cadeia produtiva do setor automobilístico. “Temos um conjunto de séries divididas em 12 categorias de produtos – que vão de tintas, artefatos de borracha, vidros a metais, motores, cabines e carrocerias, chegando até o bem final – em que separamos os insumos que são voltados especificamente a essa indústria”, descreve. Um dos exemplos citados por Brito no evento foi o do segmento de tintas, vernizes esmaltes e afins no agregado do IPA, em comparação com o de tintas e vernizes usado na indústria automobilística. Entre um e outro, a diferença de variação de preços de janeiro de 2020 a julho de 2022 supera 20 pontos percentuais.
Brito destaca que, a partir desses grupos isolados, cada segmento da indústria pode montar sua fórmula paramétrica, aplicando o peso de cada matéria-prima dentro de seu produto, e conseguir um acompanhamento da inflação de forma mais aderente à sua estrutura de custos. Tal como observado no segmento da infraestrutura, em que o uso de fórmulas paramétricas tem facilitado a negociação de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de obras públicas. “É uma ferramenta importante para cada indústria monitorar a evolução de preços de forma eficaz, reduzindo riscos e favorecendo o gerenciamento de contratos”, conclui.
Reveja o webinar sobre índices de preços e a indústria automobilística.
Leia também matéria da Conjuntura Econômica de agosto sobre reequilíbrio de contratos.
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