FGV IBRE e Umane lançam painel de indicadores da Atenção Primária à Saúde no Brasil
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Dia 2 de junho, o FGV IBRE e a organização de saúde pública Umane lançaram em webinar um painel de pesquisa a informações da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil. O painel interativo integra dados públicos como os do DataSUS, do Ministério da Saúde, do Ipea e do IBGE, a partir dos quais foram construídos indicadores de qualidade da APS nos 26 estados e Distrito Federal, subdivididos em 450 regiões. O painel contempla dados de 2018 a outubro de 2024. O objetivo desse serviço, apontam o IBRE e a Umane, é contribuir para a melhoria contínua do sistema de saúde, facilitando o acesso a dados por gestores de saúde, pesquisadores e a população em geral. “O painel oferece um amplo potencial de diagnóstico de cada região, e nossa expectativa é de que possa contribuir para a saúde pública”, reforçou Erika Lopes, especialista em Monitoramento e Avaliação da Umane. A ferramenta está disponível no Observatório da Saúde Pública.
A seleção de atributos essenciais que constam do painel foi feita com base na literatura de referência (ver quadro). “A esse grupo, somamos outro pilar, do contexto socioeconômico, uma vez que condições como de renda, de habitação, acesso a saneamento básico e violência impactam significativamente na saúde e nos serviços de saúde”, afirmou no webinar Marcella Abunahaman, médica de família e comunidade, coordenadora técnica do projeto. “Em regiões de maior vulnerabilidade, a APS pode enfrentar desafios adicionais que influenciam diretamente nos resultados.”
Pilares da Atenção Primária à Saúde (APS)
Fonte: Umane/FGV IBRE, a partir de atributos definidos por Barbara Starfield.
A partir dos dados do painel, identifica-se, por exemplo, que entre janeiro e outubro de 2024 quase todas as regiões brasileiras (99%) atendiam à referência de cobertura de médicos e não médicos, de 1 para cada 3,5 mil habitantes. No caso da cobertura de serviços essenciais, apenas a região Norte não atendia a meta de ao menos 45% das gestantes com no mínimo 6 consultas até o parto, tampouco a de realização de mamografias, de 70% da população alvo. Também pode-se observar, por exemplo, que a média de internações evitáveis com uma boa atenção primária foi de 20,6% no Brasil, sendo que Sul, Sudeste e Centro-Oeste registraram percentuais abaixo dessa média, com o Sul registrando o menor valor, de 17,8%.
Um dos destaques no primeiro levantamento feito pela equipe que elaborou o painel foi o da rotatividade de profissionais, que em nível alto pode comprometer a continuidade do cuidado em uma unidade primária de saúde. Entre 2022 e outubro de 2024, a média de desligamentos médicos no Brasil foi de 33,9%, sendo de 31% entre médicos da estratégia de saúde da família. Por outro lado, a saída de agentes comunitários de saúde (18,5%) é uma das mais baixas entre os profissionais considerados. Uma correlação identificada pela equipe é a de que cidades com PIB mais alto tendem a registrar menor rotatividade, mostrando que o dinamismo da economia local pode estar entre os fatores que influenciam na estabilidade da equipe de saúde.
Dados extraídos do no painel da Umane/ FGV IBRE
Fonte: Relatório Indicadores APS FGV IBRE, com dados do DataSUS e IBGE.
“A APS é total totalmente apoiada em relações humanas, no acolhimento, na escuta. Para conseguir isso, é importante reter profissionais”, ressaltou Abunahaman no evento, destacando a necessidade de se compreender as razões de desligamentos para o desenvolvimento de políticas de valorização dessa força de trabalho. “Há 20 anos, esse assunto sequer era de interesse dos gestores da atenção primária”, afirmou Ana Maria Malik, doutora em medicina preventiva pela USP, pesquisadora da FGV Saúde, mencionando dissertação sobre o tema de Claudia Valentina de Arruda Campos, que deu origem a artigo de sua coautoria (link), publicado em 2008. Na época, afirmou Malik, identificaram-se fatores como falta de treinamento adequado e de segurança física. “A rotatividade média era maior em regiões mais periféricas, principalmente em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Observou-se que muitas vezes a população chega a esse atendimento achando que é a última esperança, cansada de buscar ajuda em outras unidades, e isso com muita frequência coloca em risco a integridade física de quem está trabalhando.”
Na literatura recente, afirmou Abunahaman, estresse e esgotamento físico estão entre os principais motivos para mudanças. “Quando há metas arrojadas de atendimento, a cobrança do trabalho do profissional da saúde se concentra nessas metas, dificultando o desenvolvimento de qualquer outro trabalho que não esse”, disse. “Quando se pensa em cenários sem tecnologia, esse atendimento é ainda mais comprometido”, afirmou, citando ainda outras restrições possíveis, como problemas no acesso a exames, comuns em cenários de desequilíbrios entre recursos e demanda.
Lacunas a superar
Pedro Ximenez, estatístico pesquisador do FGV IBRE, destacou no evento as dificuldades ao consolidar as bases de dados para a confecção do painel, “que em sua versão bruta somavam 10 GB, passando a 503 MB após a consolidação”, com a identificação de “buracos” no preenchimento das informações. Abunahaman conta que alguns indicadores inicialmente idealizados tiveram que ser desconsiderados, e que em certos indicadores incorporados ao painel foi preciso assumir algumas limitações. “Iniciamos as análises a partir de 2018, e ter uma pandemia no meio afetou a normalidade dos serviços”, disse, citando ainda a dificuldade de muitos municípios pequenos em gerir seus sistemas cadastrais. “Há unidades básicas de saúde que ainda não foram informatizadas, ou que informatizaram recentemente, ainda sem recursos humanos treinados, retardando o cadastro de informações”, destacou a médica, explicando por que, apesar da existência do prontuário eletrônico e da demanda de dados pelo Ministério da Saúde, o país ainda não alcançou um nível perfeito de coleta de informações para a geração de estatísticas. “Apesar dessas limitações, o painel é uma ferramenta importante para orientar gestores e formuladores de políticas públicas”, afirmou. “Ao conseguir fazer melhor pelo paciente, por sua família, acabo sendo mais eficiente, economizando para o sistema de saúde, e gero uma melhor taxa de satisfação com o serviço”, complementa Abunahaman.
Para Malik, a iniciativa colabora para que os próprios agentes de saúde responsáveis pelos dados se sintam incentivados a aprimorar esses registros. “Se as pessoas que estão na ponta preenchendo relatórios souberem por que estão fazendo isso e o que pode ser feito com esses indicadores, talvez se sintam menos irritadas com essa tarefa.”
Reveja o webinar.
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