A evolução da inflação brasileira observada através do IPGF
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Na semana passada, o FGV IBRE promoveu um webinar para apresentar a evolução do Índice de Preços dos Gastos Familiares (IPGF), criado em 2023 como um complemento para a análise da inflação brasileira. O objetivo do IPGF é identificar mais tempestivamente mudanças no comportamento de consumo das famílias. Essas alterações influenciam no peso de cada bem ou serviço para a inflação final, e entendê-las é fundamental, por exemplo, para o debate sobre a efetividade da política monetária.
Para produzir o IPGF, os economistas do FGV IBRE usam uma estrutura de ponderação com base nas Contas Nacionais, enquanto os índices tradicionais de Inflação – IPCA do IBGE e IPC do IBRE – têm como referência a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, cuja última atualização ainda é de 2017/2018. “Se a POF, que é uma pesquisa cara, fosse feita com mais regularidade, não se teria tanto ganho na produção do IPGF, mas a demora em sua produção e divulgação faz com que tenha sentido atualizar a estrutura de peso do IPCA pela Contas Nacionais”, afirma Juliana Trece, economista da equipe do Monitor do PIB do FGV IBRE.
André Braz, coordenador dos Índices de Preços do FGV IBRE, destacou no evento que, observando a evolução do IPGF a partir de 2000, quando começa a série anual das Contas Nacionais, a tendência é de se observar uma inflação anual 0,2% menor do que a registrada pelo IPCA. “Dentro desse resultado, cabem muitos efeitos, mas entre os que entendemos como mais importantes é o de substituição”, afirma. O período de pandemia de Covid-19, lembra, ilustra bem esse efeito. Durante o lockdown, por exemplo, em que que limitou o contato social para conter a disseminação do vírus, bloqueando diversas atividades, o peso das passagens aéreas no cálculo do IPGF foi de 0,05%, enquanto no IPCA era 0,5%. O orçamento familiar para viagens e lazer, por sua vez, migrou para bens duráveis, como a aquisição de computadores, dada a demanda por home office e aulas. O mesmo passou com alimentos, cuja escalada de preços observada na pandemia – uma alta de 37% de 2020 a 2023 – forçou as famílias a fazer mudanças na cesta de consumo, buscando os produtos menos caros. Identificar essas alterações foi fundamental, aponta Braz, para identificar como a alta dos preços atingiu de fato o consumidor.
IPGF x IPCA em 2024 - até agosto
OBS: IPGF sem aluguel= 4,05% em 12 meses; IPGF com o aluguel do IPCA= 4,79% em 12 meses. Fonte: FGV IBRE.
No período mais recente, entretanto, Braz destaca que houve uma inversão dessa tendência do IPGF de fechar atrás do IPCA, com o IPGF registrando resultados mais altos. No acumulado do ano até agosto, o IPBF marca uma variação de 4,97%, contra 2,85% do IPCA. Braz atribui essa mudança especialmente à inflação de alugueis – que é um item de consumo menos elástico, ou seja, com menor possibilidade de corte ou substituição. Na elaboração do IPGF, a variação dos alugueis é medida a partir do Índice de Variação dos Alugueis Residenciais (IVAR), também do FGV IBRE, elaborado a partir de dados de quatro capitais brasileiras, e que também visa a uma maior aderência ao que acontece no mercado real de locação. Este ano, o IVAR tem mostrado sensibilidade ao aquecimento da economia, registrando altas bem acima da inflação geral, o que também significa um peso maior no orçamento domiciliar (leia mais). No acumulado do ano, o item habitação dentro do IPGF registra alta de 8,71%, contra 1,88% no IPCA. Braz destaca, entretanto, que a trajetória recente dos preços não se limita apenas ao aluguel. “Mesmo que aplicássemos o aluguel do IPCA no IPGF, ainda teríamos uma alta maior do que a observada no IPCA: de 4,79%, contra 4,24% desde último”, destaca o economista. “Existe uma pressão inflacionária que merece atenção. Não à toa o Banco Central voltou a subir juros; há um movimento que se deve monitorar”, afirmou.
IPGF x IPCA em 2024 - variação (%) acumulada no ano até agosto
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Fonte: FGV IBRE.
No webinar, Braz destacou que a criação do IPGF se inspirou no PCE (Personal Consuption Expenditures), dos EUA. Atualmente, sua base consegue abarcar 80% da estrutura de ponderação do IPCA. O economista ressalta, entretanto, que ainda há uma agenda de aprimoramentos do índice a que os pesquisadores do IBRE se dedicam. “Uma dessas tarefas é buscar incorporar gastos com saúde e educação pública, mas ainda temos uma limitação de informações para fazê-lo. Outro ponto que temos estudado – e que faz parte também da agenda do IPC – é levar em consideração o aluguel imputado. Isso significa considerar a despesa de aluguel para uma família que comprou um imóvel, pois essa compra significa trazer a valor presente todos os alugueis que ela pagaria ao longo do tempo, e que tem uma participação importante no custo de vida.”
No webinar, Juliana Trece detalhou o trabalho até agora realizado para adequar as Contas Nacionais ao cálculo do IPGF – entre os quais, a mensalização dos dados. “A estrutura de peso das contas nacionais para o consumo das famílias, os dados da Tabela de Recursos e Usos (TRU), é anual. As divulgações trimestrais são feita de forma agregada, o que não é suficiente para o trabalho do IPGF”, diz. “O segundo desafio é que existe uma defasagem também na divulgação da Tabela de Recursos e Usos – por exemplo, em novembro do ano passado foi divulgada a tabela de 2021, então precisamos estimar um peso que seja compatível com as contas nacionais e, a cada momento que o IBGE divulga uma nova tabela, compatibilizamos essa informação arpa que sempre sigamos o mais próximo possível das contas Nacionais”, descreve.
Saiba mais sobre o IPGF.
Reveja o Webinar Inflação sob a ótica do Índice de Preços dos Gastos Familiares (IPGF).
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