EUA podem reduzir seu déficit na balança de bens, mas a custo de baixo crescimento, avalia Samuel Pessôa

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na coluna Ponto de Vista publicada na edição de abril da Conjuntura Econômica, disponível a partir de amanhã (15/4) no Blog, Samuel Pessôa, pesquisador associado do FGV IBRE, analisa a essência da estratégia econômica do governo Donald Trump que sustenta o Maga (da expressão “Torne a América grande novamente”, na sigla em inglês) e suas chances de sucesso.

O ponto de partida é extraído de um texto publicado por Stephan Marin, da assessoria econômica do presidente, “A user’s guide to restructuring the global trade system”, em que Marin defende dois problemas principais. O primeiro é o de que a abertura dos Estados Unidos para o comércio mundial observada desde o pós-Guerra Fria não teve uma reciprocidade adequada. Além disso, o assessor considera que a alta demanda por títulos da dívida soberana americana torna o câmbio mais valorizado, tirando a competitividade da indústria de transformação. Dessa forma, os instrumentos identificados para combater o que Marin classifica como distorções que reduzem a competitividade da indústria americana são tarifa e câmbio.

Pessôa considera que os equívocos da estratégia de Trump começam pelo diagnóstico. Ele recorda que o padrão de especialização da economia americana hoje é de serviços tecnologicamente sofisticados, que consolidam marcas relevantes e a produção de patentes. Em coluna publicada na Folha de S. Paulo (acesso restrito a assinantes),  Pessôa ilustra essa característica apontando que, se nos últimos 15 anos a média dos déficits da balança comercial de bens foi de 4,3% do PIB – de bens duráveis, 2,9% do PIB – a balança de comércio de serviços é superavitária em 1,2% do PIB, e a balança de rendas, que consolida juros e dividendos, é superavitária em 1,1% do PIB. Diz ele na Conjuntura: “É possível que esse padrão de especialização produtiva gere uma maior desigualdade, e é possível que a ausência de um Estado de bem-estar tenha pesado particularmente sobre algumas comunidades em função do comércio com a China. Mas não parece haver um problema macroeconômico”, reforçando que o problema americano não está na concorrência chinesa. Em entrevista ao jornal O Globo (acesso restrito a assinantes do jornal), Pessôa destacou que, se bem-sucedida, a atração de indústrias de volta aos EUA hoje daria emprego a robôs, e não mais à classe média que se valeu dessa atividade no passado em regiões que, pelo alto nível de especialização, sofreram mais com a concorrência chinesa.

Em outra entrevista, para O Estado de S. Paulo (acesso restrito a assinantes do jornal), Pessôa reforçou a percepção de que o uso da política tarifária como instrumento de arrecadação e atração de investimento é antiquada. Em sua coluna, identifica, entretanto, que essa estratégia, em doses devidamente medidas, tende a se manter, citando estudos que embasam essa elevação. “Se a economia americana, em função de seu poder, conseguir aumentar as tarifas sem que haja retaliação, cálculos de Costinot e Rodriguez-Clare (2014) indicam que 30% seria muito próximo da tarifa ótima. Geraria um ganho de 1% no consumo em relação à tarifa zero. Os autores consideram modelos com cadeias globais de valor e competição imperfeita. Mesmo se houver retaliação, o poder de barganha da economia americana é muito elevado. No mesmo texto, os autores calculam que uma tarifa de 40% entre todos os países gera uma perda de bem-estar para todos. No entanto, as perdas são assimétricas: de 10% a 20% para a China, por exemplo, enquanto os EUA perdem 1%”, compara. “Se considerarmos que a tarifa, adicionalmente, gera receita para o setor público, parece que há fundamento para a elevação de tarifas, portanto, este item da trumpnomics veio para ficar”, diz.

No caso do câmbio, Pessôa avalia que seriam necessárias políticas que afetam a cotação americana em relação aos principais parceiros. O arranjo que envolve esse objetivo – acumulação de reservas, troca dos títulos para elevar o prazo médio de vencimento das reservas internacionais, e cobrar uma tarifa pelo uso das reservas –, é o acordo conhecido como Mar-a-lago. Desse conjunto de medidas, pessoa avalia que a única que faria sentido é a de acumulação de reservas. Para funcionar sem pressionar o mercado de dívida pública, entretanto, seria preciso uma elevação da poupança pública,e haver uma redução da poupança chinesa. “Difícil imaginar uma ação do governo americano que possa induzir os consumidores chineses a consumirem mais. Por outro lado, difícil imaginar que Trump pratique uma política fiscal apertada com vistas a elevar a poupança pública”, afirma, avaliando que, nesse campo, não haverá bons resultados.

Com esse plano de voo, diz Pessôa, o possível resultado é que uma redução de déficit externo chegue de forma pouco virtuosa, a partir do baixo crescimento.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir
Ensino