Especialistas debatem desafios de mobilidade e saneamento nas cidades do Nordeste
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Postado por Conjuntura Econômica

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Mobilidade urbana e universalização do saneamento foram os destaques em webinar do projeto Carta Nordeste – etapa Salvador (BA), promovido nesta quinta-feira (2/10) pelo Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste do FGV IBRE, com moderação de Gervásio Santos, professor da UFBA, pesquisador do Centro. O projeto busca reunir contribuições de especialistas em diferentes áreas, que servirão como base para a elaboração de um documento com reflexões sobre como acelerar o desenvolvimento socioeconômico da região. “A ideia é que, em 2026, esse texto seja entregue a candidatos aos governos Federal e dos estados nordestinos, bem como a cargos legislativos”, afirmou Flavio Ataliba, coordenados do Centro do IBRE.
No evento, o secretário de Mobilidade de Salvador Pablo Souza, que também preside o Fórum Baiano de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana, destacou as mudanças sofridas pelo transporte coletivo desde a pandemia, quando a opção pelo transporte individual se ampliou, impactando a sustentabilidade de modais como o ônibus coletivo. Como destaca o economista do BNDES Marcelo Miterhof no Blog da Conjuntura Econômica (leia aqui), outro elemento que intensificou essa tendência foi o aumento da oferta de motoristas por aplicativo, atraindo passageiros de curto trajeto, fundamentais para financiar o transporte coletivo. “Não há solução para o trânsito nas cidades sem um bom sistema de transporte de alta e média capacidade, inclusive pelo impacto que um deslocamento facilitado traz para a atividade econômica”, declarou. Para Souza, a eficiência do transporte público coletivo depende de apoio da União, tanto do ponto de vista regulatório quanto de instrumentos para seu financiamento. “É uma decisão de país caminhar para outro patamar de qualidade nessa oferta e o transporte público não seja uma escolha por falta de alternativa e mesmo a classe média e média-alta o adote, assim como vemos em outros países”, afirmou.
Com renovação de frota de ônibus, expansão de ciclovias e estímulo a maior integração de modais, Salvador quer tornar a mobilidade sustentável também do ponto de vista ambiental

Fonte: 3º Inventário de Gases do Efeito Estufa de Salvador.
Souza ilustrou tais desafios com o exemplo da capital baiana, cujo fluxo médio de passageiros de transporte público alcança 1,8 milhão nos dias úteis. Em Salvador, recente esforço de renovação da frota de ônibus quebra um jejum de 40 anos. Para isso, a prefeitura conta com financiamento via Novo PAC, de R$ 264 milhões para a aquisição de 225 ônibus dedicados ao sistema principal, e outros R$ 100 milhões para mais 180 ônibus voltados ao sistema complementar. “Também firmamos uma operação de crédito junto ao Banco Mundial para avançar na eletromobilidade. Nosso plano é adquirir 100 novos ônibus elétricos para fortalecer tanto os sistemas de BRT e BRS quanto o tradicional”, disse Souza. A meta do governo municipal é que, até 2032, 40% da frota seja movida por veículos mais limpos e eficientes, e a cidade alcance a neutralidade em emissões de poluentes até 2049.
Outras frentes de ação destacas pelo secretário foram a ampliação de ciclovias, com o objetivo de alcançar 500 km até 2028; a ampliação de veículos compartilhados como bicicletas e patinetes elétricos; e a valorização de trajetos pedestres perto de creches e escolas, tornando-os mais seguros. Diante de uma topografia complexa, cuidar da eficiência do serviço de elevadores e planos inclinados também faz diferença no caso de Salvador. “O que buscamos é cada vez mais uma integração multimodal”, citou.
Para Souza, “essas são agendas desafiadoras em qualquer cidade, desde o ponto de vista jurídico-regulatório para conciliar aquisições em contratos já existentes, bem como para lidar com diferentes modelos de operação, permissionários e concessionários”, cita, reforçando a necessidade de novos desenhos que garantam o financiamento de um serviço de qualidade. “Municípios de portes diferentes naturalmente têm que equacionar seus desafios de maneira distinta. No Fórum Baiano, um exemplo que tem sido muito debatido é o caso de Caucaia, no interior do Ceará, que implementou a gratuidade nos ônibus”, citou. “A própria cidade tem enfrentado desafios para manter o sistema, já que o aumento da demanda com a tarifa zero implica a necessidade também de aumentar a oferta do transporte. Sem infraestruturas adequadas, estações, integrações intermodais, acaba-se estrangulando o serviço, punindo muito mais as pessoas que o usam por necessidade, não opção.”
Saneamento: avanços significativos, desafios também
No campo do saneamento, outra infraestrutura imprescindível para garantir o bem-estar e a produtividade nas cidades, foi destacado no evento o aumento do investimento desde o Novo Marco Legal do Saneamento, em 2020, que facilitou a entrada do investimento privado em diferentes arranjos, como concessões e PPPs. “As lacunas para se chegar à universalização ainda são muitas”, ressaltou Gesner Oliveira, coordenador do Centro de Estudos em Infraestrutura e Soluções Ambientais da FGV, sócio da GO Associados, no evento.
Lacunas para universalização do saneamento são maiores no Nordeste

Fonte: Indicadores Sinisa 2025.
Oliveira lembrou que os índices de abastecimento de água e acesso à rede de esgoto no Nordeste estão abaixo da média nacional. Dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), do governo federal, indicam que enquanto a cobertura de água alcança 83,13% na média brasileira, esse percentual cai para 74,03% no Nordeste. Em esgoto, os percentuais são, respectivamente, de 59,7% e 33,79%. “No caso de soluções para drenagem e manejo de águas pluviais, quase a totalidade (98,6%) dos municípios nordestinos declaram ter um plano”, destaca Oliveira, ressaltando que se trata de uma agenda muito atrasada em todo o Brasil.
Concessões / PPPs de saneamento no Nordeste estruturadas pelo BNDES

Fonte: BNDES.
“Apesar de os maiores déficits se concentrarem no Norte e Nordeste, os investimentos ainda estão concentrados no Sul e Sudeste”, afirmou Luciana Capanema, chefe de Estruturação de Projetos em Saneamento do BNDES, destacando os esforços do banco em viabilizar consultoria e instrumentos financeiros que permitam impulsionar mais arranjos público-privados na região. Capanema lembra que um ponto favorável do Novo Marco do Saneamento foi o estímulo à regionalização desses serviços, permitindo soluções que garantam ganhos de escala, viabilizando investimentos. “A regionalização, não veio por acaso, mas do diagnóstico de que a grande maioria dos municípios brasileiros não se viabiliza isoladamente. Em municípios pequenos, de baixa densidade demográfica, que demandam infraestruturas mais longas para atender menos pessoas, a regionalização, ela se torna quase que impositiva como forma de viabilizar o acesso de toda a população”, afirmou. A especialista destacou que o trabalho de estruturação envolve diversos aspectos, que vão de uma governança simplificada à segurança jurídica, visando a isonomia no tratamento dos usuários, e respeito á regulação. “Por exemplo, em nossas modelagens contemplamos uma estimativa da população que terá direito à tarifa social, visando a combinar modicidade com realismo tarifário de forma a viabilizar a prestação do serviço.”
De 11 projetos estruturados pelo BNDES que já foram leiloados, quatro foram no Nordeste, em Alagoas Ceará e Sergipe. “O primeiro de todos foi o de Alagoas, de concessão em Maceió e região metropolitana, que começamos a estruturar antes mesmo da promulgação do Novo Marco”, contou. Somados, esses projetos abarcam uma população de 8,8 milhões, com investimentos estimados de mais de R$ 18 bilhões. Entre os nove projetos estruturados pelo banco envolvendo concessões plenas ou parciais e PPPs de água e esgoto ou só esgoto, com leilões previstos até o ano que vêm, cinco são do Nordeste, nos estados da Paraíba, Pernambuco, Maranhão, Rio Grande do Norte e Alagoas. Juntos, abrangem 18,6 milhões de pessoas, e investimentos estimados em R$ 46,6 bilhões.
Para Gesner, além das concessões em grandes cidades e desenhos regionais, também é importante considerar o caso de municípios que não demandam estruturas complexas, que podem ser atendidas por companhias de médio porte. “São empresas com boa capacidade de atendimento – isso sem eliminar a possibilidade de soluções vindas de empresas municipais que funcionem bem”, afirmou, lembrando que essa tarefa exige boa governança, caráter técnico “sem interferência política inadequada” e capacitação de gestores e reguladores.
Reveja o webinar Carta Nordeste – Etapa Salvador I.
O próximo webinar Carta Nordeste será dia 16/10, às 11h, com transmissão ao vivo no canal da FGV no Youtube.
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