Em seminário, pesquisadores do FGV IBRE destacam desaceleração global e perspectivas para o Brasil

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

 O aumento da incerteza global, sob influência da política externa do presidente americano Donald Trump, marcou o início de 2025 e traz um viés negativo para a conjuntura econômica brasileira, já desafiada por um quadro de juros e inflação altos, além de uma rota de ajuste fiscal que começa a ser ameaçada pelo calendário eleitoral. Esse foi o quadro traçado pelos pesquisadores do FGV IBRE no I Seminário de Análise Conjuntural de 2025, parceria do FGV IBRE com o Estado de S. Paulo, moderado por Luiz Gerbelli, repórter do Estadão. 

No evento online, José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, ressaltou a baixa probabilidade de a estratégia de Trump em “fazer a América grande novamente” a partir da reindustrialização dos EUA ser bem-sucedida. “Trump defende a ideia de que um país que não tem aço não é um país. É um olhar primitivo. Os Estados Unidos têm competitividade em produtos ligados à inovação, com tecnologia de ponta, que é onde reside sua vantagem comparativa. O aço você pode obter por meio do comércio internacional”, defendeu Senna.

O ex-diretor do BC também destacou que a atual estratégia de Trump depende não só do aumento de tarifas de importação, mas também de uma desvalorização do dólar em relação às demais moedas, o que desincentivaria importações e tornaria os produtos americanos mais atrativos no mercado internacional. O governo Trump considera que um dólar acima do equilíbrio é resultado de este ser a moeda reserva principal do mundo. “Esse status faz com que haja uma demanda inelástica por títulos do Tesouro americano e pelo próprio dólar. No entender deles, isso leva o dólar para um nível diferente do que seria o de equilíbrio, facilitando as importações e desestimulando as exportações”, descreveu. “Obviamente é um diagnóstico errado. Até admito que essa demanda por moeda segura tenha alguma influência na formação do câmbio. Mas não é essa a fonte do problema. Desequilíbrio em conta corrente no balanço de pagamento resulta de decisões atomizadas de poupança e de investimento. No caso americano em particular, o débito fiscal representa hoje algo entre 6% e 7% do PIB”, descreveu.

Senna ilustra que um realinhamento cambial como o que Trump necessita em sua estratégia só aconteceu no Acordo Plaza, em 1985, quando Japão, EUA, França, Alemanha Ocidental e Grã-Bretanha acordaram sobre uma desvalorização do dólar para ajudar o EUA a sair da recessão e reduzir seu déficit comercial. “Obviamente, isso pressupõe cooperação. Eu fico me perguntando, existe hoje espaço para cooperação entre os países, com o com toda essa agressividade dele, eu acho que não existe.”

O que prevalece, resumiu, é um alto grau de incerteza, que já inibe a decisão de gastos por parte de famílias e dos empresários do país. “O consumo em janeiro nos Estados Unidos já teve um comportamento negativo, em termos reais. Os índices de confiança revelam um desconforto gigantesco do consumidor americano. Os investimentos estão sendo retidos, adiados em função dessa incerteza. Dessa forma, será muito difícil voltar à tal era de ouro. Pelo contrário, acho que estamos caminhando para uma desassociação da economia mundial bastante importante, com prejuízos generalizados, e o Brasil não é exceção”, concluiu.

Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, resumiu a conjuntura como “desafiante para a política econômica de maneira geral, nos Estados Unidos em particular aqui no Brasil, à qual se soma objetivos políticos que vão na contramão do que a eficiência econômica e o foco na gestão da política econômica recomendaria”. Nos EUA e em outras economias desenvolvidas, pela prevalência do argumento da segurança nacional em políticas protecionistas em detrimento da preocupação com a eficiência que marcou o mundo nos últimos 50 anos, desde Bretton Woods. “O foco no desenvolvimento de cadeias globais de valor, em busca de onde é mais eficiente produzir cada bem, negociações de acordos de livre comércio foi para o espaço, e a eficiência econômica agora vai ser sacrificada”, diz. Castelar lembra que essa tendência começou, de forma mais leve, na política industrial contida no Inflation Reduction Act (IRA), de Joe Biden. “A novidade, agora, é o ritmo em que as decisões estão sendo tomadas, e a abrangência, que é completamente diferente. Hoje as tarifas de importação estão sendo usadas não apenas com foco arrecadatório e comercial, mas de negociação diplomática em outras frentes, ampliando a insegurança”, lembrou. Castelar reforçou o diagnóstico de que se trata de um cenário complicado para o Brasil que a curto prazo tende a ser de desaceleração do comércio mundial. “Por mais que estímulos fiscais na Europa e China mitiguem parte desse efeito, não mudam a tendência recessiva”, afirma.

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, destacou no encontro que os sinais de desaceleração da economia brasileira vieram mais fortes no último trimestre de 2024, ainda que o resultado do PIB no ano cheio, de 3,4%, tenha se mantido acima da capacidade da economia brasileira. Para 2025, ela destacou que a composição do crescimento tende a se assemelhar mais à de 2023, com forte impulso do agronegócio no início do ano, e menor participação do consumo das famílias. “Em 2025, a demanda interna registrou crescimento de 5,3% muito acima do PIB, enquanto em 2023 essa alta foi de 1,9%”, comparou. A previsão do Boletim Macro do FGV IBRE de fevereiro é de um crescimento de 1,8% do PIB em 2025. Para o consumo das famílias, a projeção é de 1,3% e, para o agro, de 7,3% - contra uma queda de 2,6% em 2024. “Temos riscos claros sobre esses números”, afirmou, destacando o risco de o governo investir em medidas de impulso ao consumo, como já sinalizado em políticas recentes como a do crédito consignado privado e do FGTS. Isso, lembra, vai na contramão da necessidade de ajuste fiscal e de combater a inflação.  “Hoje temos uma taxa de juros muito elevada, incertezas sobre a trajetória da economia brasileira que se soma à internacional e que prejudica as decisões de investimento”, afirmou.

Reveja o I Seminário de Análise Conjuntural de 2025.

 


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