Em Foco – Uma proposta para o arcabouço fiscal

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

A primeira providência para se discutir o novo arcabouço fiscal, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se comprometeu a apresentar até o final de março deste ano, é separar o que pode do que não pode ser feito. A Carta do IBRE de março, publicada na revista Conjuntura Econômica, já em circulação, mostra, com base em estudos dos pesquisadores Manoel Pires, Bráulio Borges e Carolina Resende, possíveis caminhos para se chegar a sustentabilidade fiscal nos próximos anos.

Um dos principais pontos destacados, e que não havia sido levantado como uma alternativa nas discussões que estão estampadas na imprensa, é que o novo arcabouço fiscal poderia se ancorar na trajetória da dívida do país e em recomendações do Tesouro Nacional. Elas seriam definidas a cada ciclo de governo – ou seja, só valeriam para aquele mandato presidencial -, com metas em outros parâmetros, como receitas e despesas, o que possibilitaria uma certa previsibilidade a trajetória da dívida.  O tema mereceu destaque na edição de ontem (13), do jornal Valor Econômico.

O novo arcabouço fiscal, aguardado com grande expectativa, também é o principal tema da edição da revista Conjuntura Econômica de março. Após o teto de gastos perder sua capacidade de assegurar a sustentabilidade fiscal, cabe agora ao governo Lula, que se posicionou contra o teto, definir novas diretrizes críveis para as contas públicas, tarefa não trivial, dado os inúmeros interesses em jogo. O fechamento da revista ocorreu antes do anúncio da proposta do novo arcabouço que o ministro Haddad deve enviar ao Congresso ainda este mês. Mas para tornar o debate mais rico, a editora Solange Monteiro reuniu alguns princípios destacados por especialistas, o que pode colaborar, ainda mais, nas discussões sobre o novo arcabouço que estão por vir.

Acesse, gratuitamente, a edição de março de Conjuntura Econômica.

Antes de entrar nas propostas de como seria o novo arcabouço fiscal, os pesquisadores listam alguns pontos que podem comprometer, ou tornar menos exequível caminhar para uma quadro fiscal de sustentabilidade, e que ainda estão cercados de muita incerteza.

O governo está priorizando a reforma tributária do consumo. Um dos itens que dificulta essa pauta é a falta de compensação fiscal dos Estados que vão perder instrumento de guerra fiscal. Haverá um fundo de compensação a ser criado nesse contexto?

O governo acenou com uma nova política de reajuste do salário-mínimo. Qual será exatamente e como impactará a despesa nos próximos anos?

O reajuste da tabela do Imposto de Renda será ampliado para cinco salários-mínimos em qual horizonte de tempo?

Qual será, ao fim e ao cabo, a compensação federal à desoneração do ICMS dos combustíveis que afetou os Estados no ano passado, conforme determinado por lei?  

Haverá fundo de compensação para estabilizar o preço dos combustíveis, como defende o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates?

“Todas essas questões podem consumir espaço fiscal, talvez em grandes proporções, nos próximos anos. É muito difícil pensar em desenho de regra fiscal capaz de apresentar uma trajetória fiscal que dê sustentabilidade à evolução da dívida pública sem ter essas respostas. Nesse contexto, a tarefa da equipe econômica se torna bastante complexa”, diz a Carta.

Levando em consideração o complexo pano de fundo da elaboração do novo arcabouço detalhado acima, os pesquisadores do FGV IBRE listam alguns princípios que deveriam ser observados pela nova regra.

Entre os principais pontos defendidos pelos pesquisadores – o modelo é aplicado em países como a Nova Zelândia –, e que estão reproduzidos na Carta do IBRE, podemos destacar alguns:

• A avaliação do espaço fiscal e dos seus riscos deve determinar o tamanho dos déficits que podem ser realizados e a velocidade do ajuste, e a regra fiscal operacionaliza a forma como o espaço fiscal é percebido e utilizado. Quanto maior a abrangência da regra, melhor o controle das contas públicas, pois são evitados subterfúgios e a chamada “contabilidade criativa”.

• Exceções existirão e têm que ser levadas em conta no desenho do novo arcabouço. Há três tipos de excepcionalizações características: juros, que são muito voláteis, fazendo com que se trabalhe com as contas primárias; investimento, exceção menos comum, mas adotada por alguns países; e surge agora a discussão sobre se excepcionalizar gastos com a economia verde, mas ainda em forma mais teórica e incipiente.

• A regra fiscal deve permitir desvios para situações atípicas (como a pandemia), mas é importante que seja garantida a sustentabilidade de longo prazo. É preciso que a regra, principalmente no caso de um país (como o Brasil) no qual o ponto de partida é a insustentabilidade da dívida pública, seja acompanhada por planejamento fiscal de médio e longo prazo, possibilitando o ganho de credibilidade ao longo do tempo.

• Em relação ao espaço fiscal, a regra fiscal será tão mais apertada quanto menor ele for. O teto de gasto, criado em momento de crise fiscal aguda, é um bom exemplo, ao derivar o seu rigor da percepção drasticamente limitada do espaço fiscal no momento da sua criação. Mas é crescente a percepção de que espaço fiscal não é um conceito constante ou imutável no tempo, e pode mudar com as variações da arrecadação e os gastos estruturais que um governo pretende promover, com a taxa de crescimento da economia e com as condições de mercado que definem as taxas de juros.

“Esse tipo de arcabouço cabe tanto em governos de direita como de esquerda porque flexibiliza a parametrização do ajuste às circunstâncias de mercado e não engessa a forma como o ajuste deve ser feito para atender aos objetivos fiscais de médio prazo. Assim, também permite ao governo o cumprimento do seu projeto político escolhido democraticamente nas urnas”, diz a Carta.

Veja mais detalhes do estudo e proposta dos pesquisadores do FGV IBRE na Carta do IBRE de março.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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