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O que Haddad levou na bagagem

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Em sua chegada a Davos, na Suíça, para o Fórum Econômico Mundial, o ministro da Fazenda Fernando Haddad levou na bagagem três recados: um político, um econômico e outro ambiental.

Na seara política, depois dos lamentáveis acontecimentos de Brasília no último dia 8 de janeiro, a questão democrática deve permear boa parte das discussões do ministro e da equipe brasileira que foi para Davos. Há uma preocupação com a escalada de movimentos extremistas em várias partes do mundo, ameaçando regimes democráticos. Os acontecimentos no Brasil acenderam mais um sinal de alerta entre líderes das grandes potências.

Apesar dos estragos, da surpresa, da insegurança e incerteza logo após a invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo, as medidas tomadas foram rápidas, sinalizando que as instituições reagiram em defesa à Constituição. Logo após os ataques, pesquisa DataFolha mostrou que 93% das pessoas entrevistadas reprovaram os atos de vandalismo. Essa, sem dúvida, é a mensagem que o ministro Haddad levou para o Fórum Econômico.

Mas, como já mencionei neste espaço, os ânimos ainda não estão apaziguados. Os casos relatados na imprensa de pessoas que se envolveram, financiaram e participaram das manifestações mostram uma organização e planejamento que, infelizmente, parecem não ter terminado, sendo um dos grandes problemas do governo eleito. Vai demorar um tempo, e muito trabalho, para desarmar os ânimos e tentar unir o país em busca do crescimento e do combate à desigualdade que não cresceu só aqui, mas mundo afora. Crises como a que estamos envolvidos, geralmente, tendem a travar as ações do governo e a agenda do Congresso. No entanto, Lula saiu fortalecido com os planos de “melar” o resultado das eleições, como mostrou a pesquisa DataFolha e a reação das principais lideranças do país, bem como da sociedade, em sua grande maioria.

Voltando à questão da desigualdade, tema caro para Lula, seguidamente mencionado em seus pronunciamentos, relatório da Oxfam International deste mês aponta que a pandemia da COVID-19 ampliou ainda mais o fosso entre ricos e pobres no mundo. Segundo o estudo, que defende a tributação de 5% dos super-ricos, o que geraria uma arrecadação de US$ 1,7 trilhão por ano, retirando 2 bilhões de pessoas da pobreza, além de possibilitar a criação de programas de combate à fome, a desigualdade se ampliou:

• O 1% mais rico do mundo ganhou cerca de 63% da nova riqueza gerada entre 2020/2021

• Os 99% restantes ficaram com os outros 37% da nova riqueza gerada no período

• Os 90% mais pobres ganharam apenas 10% da nova riqueza que foi gerada durante os dois anos de pandemias fortunas bilionárias estão aumentando em 2,7 bilhões de dólares por dia, mesmo com a

Releia: Que país queremos?

Se há explicações a serem dadas na seara política, um dos pontos mais sensíveis para que o investidor se sinta seguro em aportar recursos no Brasil, a questão econômica é outro elemento-chave que o ministro buscará esmiuçar. Vai bater na tecla da retomada do crescimento com sustentabilidade fiscal, depois que o mercado ficou ressabiado com a PEC da Transição, aprovada pelo Congresso.

Do lado fiscal, um dos calcanhares de Aquiles para qualquer país, o ministro Haddad apresentou um pacote de medidas, no último dia 12, focadas em ganhos de receitas que, segundo seus cálculos, deverão reduzir o déficit fiscal, ou até mesmo, num cenário mais otimista, gerar um pequeno superávit primário. Mas ainda está em aberto qual será o novo arcabouço fiscal que o ministro prometeu enviar ao Congresso ainda neste primeiro semestre do ano. Se a nova regra for bem desenhada pelo governo, abriria espaço para uma redução na taxa de juros, retomada do crescimento, com controle da inflação. Mas, quanto a isso, teremos que aguardar alguns meses e, possivelmente, também será uma das questões que serão perguntadas ao ministro e equipe.

Ver: Três análises sobre o pacote fiscal do Ministério da Fazenda.

 Como temos dito neste espaço, pouco se fala em cortes de gastos, só em aumento de receitas. Mas isso só vai acontecer se a economia deslanchar. O que, mantidas as atuais condições, está longe do radar.

Temos muitos desafios internos, como a baixa produtividade, mercado de trabalho fragilizado, inflação e juros elevados. O cenário externo, como mostraram os Barômetros Globais calculados pelo FGV IBRE, e que medem o comportamento da economia, continuam sinalizando uma forte desaceleração da economia mundial no início de 2023. Tanto o indicador antecedente quanto o coincidente registram queda em janeiro, atingindo níveis que - excluindo o pior momento da crise da COVID-19 - não eram observados desde 2009.

O Banco Mundial reviu suas projeções de crescimento no mundo. Este ano o crescimento global deve ficar na casa de 1,7%, 1,3 ponto percentual abaixo da previsão anterior. Para 2024, a previsão é de que o PIB mundial avance 2,7%.

As previsões para o crescimento do PIB brasileiro este ano são muito ruins: não passam de 1%, por enquanto. O Banco Mundial está prevendo um crescimento de 0,9%, enquanto o Boletim Macro FGV IBRE vem projetando um avanço bem mais modesto, de apenas 0,2%.

O último item da bagagem do ministro Haddad, o de sustentabilidade ambiental, terá forte apoio da ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas Marina Silva também em Davos, reconhecida internacionalmente. E deve ser esse veio que poderá trazer benefícios ao Brasil, já que a questão ambiental ganhou grande relevância no mundo desenvolvido. A imagem do país ficou bastante comprometida nos últimos anos com relação à proteção do meio ambiente. Voltar a ganhar a confiança dos investidores é outro trabalho de formiguinha que o novo governo vai ter que se empenhar.

Com uma matriz energética limpa, de causar inveja, o Brasil pode se beneficiar ao se comprometer a retomar seu compromisso histórico de não desmatar, ampliar seus esforços para uma energia cada vez mais renovável. O que pode voltar a carrear investimentos para o país. É algo que ainda pode demorar. Mas o caminho pode ser esse.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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