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Postado por Conjuntura Econômica
O pavio está aceso
Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro
Quando sentei para começar a esboçar essas linhas, com barulho contínuo desde o dia 18 último de helicópteros sobrevoando a área onde moro – os principais encontros do G20 são no Museu de Arte Moderna (MAM), pouco mais de 4 quilômetros daqui –, o noticiário começou a fervilhar com a descoberta de uma possível trama envolvendo oficiais da reserva do exército e integrante da Polícia Federal (PF), para assassinar o presidente Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes. Com o passar dos dias, a investigação evoluiu, mostrando que mais militares estariam envolvidos.
No começo da tarde de ontem (28/11), a PF indiciou o ex-presidente Bolsonaro e mais 36 pessoas que estariam envolvidos na tentativa de um golpe de Estado. Entre alguns dos indiciados estão Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro em 2022; o general de reserva Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Valdemar Costa Neto, presidente do PL; Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), candidato derrotado à prefeitura do Rio e deputado federal; Mauro Cid, ajudante de ordem de Bolsonaro, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça.
Na semana passada, uma pessoa se suicidou depois de tentar lançar bombas contra o prédio do STF, em Brasília. Dias depois, sua ex-mulher, tacou fogo na casa e em si própria. No domingo, dia 24, fui assistir o filme Ainda Estou Aqui. Ao final, palmas, gritos de “democracia sempre” e, alguns, pedindo “anistia”. A sociedade está esgarçada, dividida, como mostrou o 8 de janeiro.
Donald Trump venceu as eleições presidenciais nos Estados Unidos por larga margem. Os efeitos disso já começam a ser sentidos. A Argentina retirou sua delegação da COP29, conferência do clima da ONU realizada em Baku, no Azerbaijão, além de relutar em assinar o documento Aliança Global contra a Fome, lançado pelo governo brasileiro. O governo argentino assinou o documento na última hora, mas firmou posição contra “à limitação da liberdade de expressão nas redes sociais”, à “vulneração da soberania das instituições de governança global”, ao “tratamento desigual perante a lei” e à “noção de que uma maior intervenção estatal é a forma de lutar contra a fome”. São alguns dos temas defendidos por Trump – que também é contra a imigração, a tributação dos mais ricos, a regulação, as mudanças climáticas – a quem Javier Milei visitou na Flórida antes de vir para o G20. O documento final do encontro que terminou essa semana no Rio, engloba grande parte desses pontos, com os países se posicionando de forma favorável. É uma outra visão de mundo sonhado por Donald Trump.
O acirramento do conflito entre Rússia e Ucrânia ganhou novas dimensões. Joe Biden autorizou que mísseis ocidentais sejam usados pelos ucranianos contra a Rússia. Segundo o noticiário, isso já teria começado o que levou Vladimir Putin a afirmar que o ato caracterizaria um ataque da OTAN a seu país, aumentando os riscos de uma guerra a nível mundial. Putin endureceu o discurso, revisando sua doutrina de uso de armas atômicas, cujo texto além de prever retaliação com esses armamentos em qualquer ataque convencional, considera países e alianças que apoiem tal ação alvos legítimos. Ontem (21/11), a Rússia disparou, pela primeira vez na história, um míssil intercontinental desenhado para uso em guerra nuclear contra a Ucrânia.
E continua cada vez mais delicada a situação no Oriente Médio, com o conflito entre Israel e seus vizinhos, em especial o Irã.
Ou seja: o pavio está aceso. Só falta encontrar a pólvora. Evidente que esse cenário impacta a economia mundial. Só não se sabe, ainda, em que proporções, já que os conflitos ainda estão regionalizados.
O Boletim Macro FGV IBRE de novembro, que foi destaque na edição de ontem (21/11), do jornal Valor Econômico, reforça que as últimas semanas foram marcadas por muita volatilidade nos mercados, tanto por motivos externos como domésticos.
No campo externo, como mencionei, o principal acontecimento foi a ampla vitória de Donald Trump, com o partido Republicano conquistando a maioria no Senado e na Câmara dos Deputados. Isso abre espaço para que as propostas de campanha possam ser aprovadas, como o aumento de barreiras tarifárias, especialmente de produtos vindos da China, redução de impostos e da regulação, combate à imigração. Não será uma tarefa fácil e, se implementadas, terão um alto custo.
“São medidas que, na sua maioria, vão pressionar os preços, gerando um aumento na inflação, que vai dificultar a queda da taxa de juros e fortalecer o dólar”, afirma o Boletim, reforçando que a eleição de Trump complica ainda mais o cenário doméstico brasileiro, já que a expectativa de um ciclo de queda de juros menor nos Estados Unidos dificulta a vida de economias que precisam de recursos, financiamentos, sem falar no aumento do protecionismo, disputa geopolítica com a China, entre outros temas da plataforma de campanha de Trump.
Relembre: As promessas e obstáculos para Trump.
Mas como toda essa incerteza que ronda o mundo tem afetado o Brasil? É bom lembrar que além do que ocorre lá fora, as nossas questões domésticas, tanto políticas como econômicas, amplificam essas incertezas.
O Boletim destaca alguns pontos
• O processo de convergência para a meta de inflação está muito mais desafiador. Os dados divulgados mostram que a inflação de serviços, com destaque para os serviços subjacentes, tem acelerado.
• Dados referentes ao mercado de trabalho e à atividade econômica continuam surpreendendo para cima. A taxa de desemprego atingiu 6,5% em termos dessazonalizados em setembro, o menor nível da série histórica da PNAD Contínua, iniciada em 2012, e potencialmente a menor taxa de desemprego desde o início dos anos 2000. As previsões para outubro apontam novo recorde histórico.
• Números de atividade têm vindo acima do esperado e revisamos a previsão de crescimento do terceiro trimestre de 0,1% para 0,7% e, para o ano fechado, de 2,9% para 3,3%, com expressiva aceleração das atividades mais relacionadas ao ciclo econômico.
• Com a atividade crescendo acima do potencial, a inflação, como esperado, não converge para a meta. Um dos motivos para essa forte aceleração é a política fiscal. De janeiro a setembro deste ano, as despesas do Governo Central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) somaram R$ 1,652 trilhão, elevação real de 6,5% sobre o R$ 1,490 trilhão registrado em igual período do ano passado. É importante destacar que, nesse período, o Tesouro e o Banco Central foram superavitários em R$ 160,634 bilhões e o Regime Geral da Previdência Social registrou déficit de R$ 265,821 bilhões.
• O ritmo de crescimento dos gastos precisa ser reduzido de forma permanente, para permitir uma desaceleração da inflação e redução do risco da economia e, mais à frente, a queda de juros. Enquanto isso não ocorrer, o quadro fiscal seguirá insustentável. Como já ocorreu no passado, o custo de uma política fiscal insustentável e excessivamente expansionista é convivermos com taxas reais de juros muito elevadas. Não há outra saída. Mas isso não resolve a questão fiscal, que piora com o aumento do custo de financiamento do governo, acelerando a alta da dívida pública.
• Esse quadro doméstico, que já se apresenta desafiador há algum tempo, tornou-se ainda mais complicado com a eleição de Donald Trump e a perspectiva de que presidente eleito dos EUA venha a implementar suas promessas de campanha. Dólar mais forte, juros externos mais altos e, potencialmente, menor crescimento na China e na Europa são todos fatores que vão pressionar preços e juros também no Brasil. Ficar adiando o urgente e necessário ajuste nos gastos públicos não vai resolver nada disso, pelo contrário.
Depois de muitas reuniões, idas e vindas, ao que tudo indica houve um acerto para que o tão esperado pacote de cortes de gastos seja anunciado: houve um acordo para que os militares entrem com sua cota no pacote que pretende recolocar as finanças públicas dentro do arcabouço fiscal. Resta aguardar o anuncio e o impacto que isso poderá ter sobre a atividade econômica e nos índices de confiança que são calculados pelo FGV IBRE.
No dia 17 de dezembro, a partir das 10h, o FGV IBRE, em parceria com o jornal O Estado de S. Paulo, realiza o IV Seminário de Análise Conjuntural onde vários desses pontos serão debatidos. O evento será on-line e as inscrições estarão abertas a partir da próxima semana.
Leia a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE de novembro.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.