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Os desafios e incertezas para o Regime Fiscal

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Vilma da Conceição Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) e ex-pesquisadora do FGV IBRE, é uma das principais economistas que acompanham as contas públicas do país. Referência para muitos de seus pares, Vilma, nova colunista da revista Conjuntura Econômica, onde irá escrever a cada dois meses, tem alertado sobre os desafios que pairam este ano sobre o Regime Fiscal Sustentável (RFS), criado por Lei Complementar em 30 de agosto do ano passado, com o objetivo de garantir a trajetória da dívida pública em relação ao PIB, preservando os investimentos públicos e alguns gastos prioritários.

No caso dos investimentos públicos, o quadro é muito ruim. Como publicado no Observatório de Política Fiscal, embora em 2022 as despesas com investimentos públicos tenham apresentado uma leve recuperação, chegando a 2,53% do PIB, ante os 2,02% de 2021, elas continuam muito aquém do necessário, oscilando em torno das mínimas históricas. Ainda não há dados para 2023, pois as informações dos Estados e municípios são muito defasadas.

Também os investimentos totais na economia permanecem muito baixos: no ano passado, foram de 18,82% em relação ao PIB, ligeiramente abaixo dos 18,90% do ano anterior. Mas houve uma recuperação, se olharmos o que aconteceu em 2020, quando os investimentos despencaram para 16,56%, em boa parte pelos efeitos da pandemia que paralisou a atividade econômica. Os números oficiais de 2023 só devem sair após a divulgação do PIB do ano passado pelo IBGE, o que vai ocorrer no começo de março. Mas a sensação de grande parte dos economistas é de que os investimentos voltaram a cair, com perspectivas ao redor dos 17% do PIB.

Investimentos (em % do PIB)


Fonte: IBGE – Contas Nacionais. Observatório de Política Fiscal.

Ter sustentabilidade fiscal e, ao mesmo tempo, ampliar os investimentos públicos é o que o governo federal persegue. Lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a Nova Indústria Brasil (NIB) – essa tem recebido críticas por resgatar velhas práticas que não deram resultados no passado recente –, ações que buscam dar musculatura ao PIB que, este ano, não terá as mesmas benesses de 2023, especialmente do setor agrícola que pode, devido a secas e chuvas, ter que amargar resultados negativos.

Relembre: Uma nova indústria ou uma volta ao passado?

Neste mês, uma série de revisões sobre o PIB passaram a sair na mídia. Os intervalos vão de 1,3% até 2,5%, em alguns casos. O Boletim Macro FGV IBRE de janeiro manteve sua projeção de um PIB de 1,4% este ano, número que pode ser revisto na próxima edição.

Não sei bem a razão dessas revisões, em muitos casos elevadas, mas é possível que o mercado esteja se penitenciando das projeções feitas no começo do ano passado, quando apontavam para um crescimento do PIB da ordem de 1% quando o PIB, na verdade, deve ter crescido por volta de 3%, o que saberemos em março agora.

Mas um elemento que parece relevante é o pagamento dos R$ 92 bilhões em precatórios que o governo Bolsonaro empurrou com a barriga e o governo Lula decidiu quitar no final do ano passado. É um dinheiro gordo que vai alavancar o consumo e, com ele, a atividade econômica.

Mas ainda é muito cedo para sabermos o que virá pela frente. Há a questão da política monetária. José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, considera que é cedo para se pensar em um afrouxamento. No Boletim Macro de janeiro, Senna destaca ainda que, embora a convergência da inflação para a meta de 3% em 2024 seja uma possibilidade, esse não é o fim do caminho. Ao Banco Central também cabe garantir que essa meta se estabilize. “Para isso, o BC não poderá prescindir de manter os juros de política monetária em território contracionista, até que todo o processo se consolide”, diz Senna.

Anote: José Julio Senna alerta para os riscos de otimismo excessivo quanto aos rumos da política monetária.

Outra frente que o governo vem trabalhando é a ampliação do crédito. O ministro Fernando Haddad tem defendido essa nova ofensiva, já que o consumo das famílias tem sido um dos principais atores para o crescimento do PIB. É bom lembrar que o nível de endividamento das famílias continua elevado, acima dos 75%.

Leia: “Tributo e crédito são pilares em que o Brasil tem espaço para melhorar”, afirma o ministro Fernando Haddad em encontro no FGV IBRE.

Mas, voltando ao grande gargalo, a questão fiscal. Como enfatiza Vilma em seu artigo, “em linhas gerais, o RFS combina metas para o resultado primário e limitações para o crescimento das despesas primárias, visando centralmente a estabilizar a relação dívida-PIB. O orçamento de 2024, conforme previsto na Lei 14.822, de 2024, foi elaborado e aprovado respeitando o RFS, ou seja, cumprindo a meta de déficit zero e demais regramentos. Entretanto, a conformidade ao RFS só foi possível devido a diversos condicionantes presentes no orçamento do ano”.

Mas, há problemas. Um deles, como diz Vilma, é que conforme estabeleceu a Lei Complementar 200, de 2023, “nos casos em que a inflação acumulada em doze meses encerrados em dezembro seja superior à observada em junho, a diferença no cálculo do limite nominal de despesa primária sujeita ao RFS poderá ser ampliada por meio de créditos suplementares durante a execução orçamentária. Esta suplementação, via de regra, não faz parte do cálculo dos limites futuros, exceto neste ano.”

Isso, segundo Vilma, adicionou incerteza ao limite de gastos para 2024, deixando R$ 32,4 bilhões condicionados à realização dos parâmetros anteriormente estimados. Neste contexto, observa-se que, na ocasião da elaboração da peça orçamentária, o governo estimava inflação de 4,85% para 2023 (janeiro a dezembro); entretanto, a inflação realizada ficou em 4,62%.

A Carta do IBRE de fevereiro, publicada na revista Conjuntura Econômica, que foi destaque do jornal Valor Econômico, também se debruça sobre o tema, com avaliação do coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, Manoel Pires, e do pesquisador associado do Instituto, Bráulio Borges.

Reveja: Os cinco desafios da política fiscal em 2024.

Outro ponto que Vilma ressalta, e que tem dominado os debates sobre a viabilidade do cumprimento das metas fixadas pelo governo, além das despesas vinculadas à abertura de crédito suplementar, “o orçamento de 2024 foi concebido com base em receitas incertas, cuja realização depende não apenas da aprovação de proposições legislativas, mas também da execução dos valores inicialmente previstos em tais projetos. Para demonstrar a compatibilidade do orçamento de 2024 com a meta fiscal estabelecida nas diretrizes orçamentárias, foram considerados R$ 168,5 bilhões em medidas incertas”, que estão no Congresso para avaliação.

Embora as principais medidas tenham se convertido em lei, ainda existem incertezas quanto à aprovação das demais. Adicionalmente, é importante observar que os projetos sofreram alterações durante a tramitação, de modo que os valores inicialmente esperados podem não se efetivar em sua totalidade. Dessa forma, os riscos associados a este ponto ainda são elevados.

Vilma enfatiza que “o cenário fiscal para 2024 apresenta uma interseção complexa entre o estabelecimento do Regime Fiscal Sustentável e a adequação do orçamento às suas regras. A introdução dos "intervalos de tolerância" nas metas para o resultado primário e nos limites para o crescimento das despesas primárias visa proporcionar maior flexibilidade à condução da política fiscal, mas também adiciona incertezas à gestão orçamentária de curto prazo”.

Leia a íntegra do artigo de Vilma da Conceição Pinto acessando, gratuitamente, a edição de fevereiro da revista Conjuntura Econômica.

 

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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