Economistas reunidos no IX Seminário de Política Monetária defendem manutenção de meta de inflação e seu intervalo

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Em meio às expectativas da divulgação da ata da última reunião do Copom, em que se decidiu a manutenção da Selic em 13,75% ao ano, economistas reunidos no IX Seminário de Política Monetária do FGV IBRE, promovido dia 23/6 em parceria com o jornal Valor Econômico, apresentaram suas perspectivas sobre o horizonte da política monetária no Brasil e nos Estados Unidos. Em linhas gerais, ressaltaram a expectativa de novos aumentos da taxa básica de juros nos EUA e a alta probabilidade de uma recessão no país, o que terá reflexos no restante do mundo. No Brasil, defenderam a importância da manutenção da meta de inflação em 3% para os próximos anos, e indicaram preocupação com a sustentabilidade do novo arcabouço fiscal. Com perspectiva de crescimento de gastos públicos, afirmaram, a tendência é de que a queda da Selic seja menor, comprometendo o crescimento do país. 

José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, diretor do BC na década de 1980, resgatou a análise feita no Boletim Macro de junho, em que questiona a decisão do banco central americano de manter a taxa dos Fed Funds inalterada, mesmo com indicadores como de PIB, emprego e núcleo da inflação demonstrando resiliência. “O FED reconheceu que o cenário que projetou em março mudou, mas ainda assim decidiu pausar. É difícil de compreender”, afirmou no evento, moderado pelo repórter especial do Valor Alex Ribeiro.

Entre os dados relevantes para esse questionamento, Senna citou a diferença entre a disponibilidade de trabalhadores em relação às vagas ofertadas, indicando um hiato de cerca de 4 milhões de trabalhadores. “Já foi maior, mas ainda é muito expressivo”, disse. Também lembrou que os salários, mantendo a composição do emprego constante, crescem a taxas entre 5% e 6% ao ano. E o non-farm payroll, ou geração líquida de vagas no setor privado e governo, está em torno de 340 mil vagas mês, enquanto em outros períodos de desinflação expressiva nos EUA esse indicador apresentou números negativos. “O hiato do produto, que voltou a ser divulgado pelo FED, está em 4%, ainda muito elevado”, acrescentou. Senna ainda ressaltou que, na média móvel trimestral anualizada, o índice oficial de inflação cresce acima da meta de 3,1%, com o núcleo superando 4%.  

Eduardo Loyo, do BTG Pactual, diretor do Banco Central brasileiro entre 2003-05, destacou as sequentes tentativas do mercado de operar uma engenharia reversa, alimentando contextos que justifiquem um ciclo de alta de juros mais curto nos Estados Unidos. “Apesar de ser cético a esses argumentos, diante da sequência de falências bancárias naquele país respeitei a ameaça de instabilidade financeira pelas possíveis consequências sobre o desempenho macroeconômico, ou simplesmente por confiar que uma contração de crédito por conta dessa instabilidade financeira faria o trabalho sujo que o aperto monetário adicional deveria fazer”, afirmou. “Mas o que aconteceu até agora foi um desapontamento dessas expectativas, e isso traz uma lição: de que mesmo manchetes destacadas relevantes não devem levar a uma conclusão açodada pelos formuladores de política monetária. Eles devem avaliar com mais calma e rigor quais os verdadeiros impactos desses choques”, disse.

Affonso Celso Pastore, da A.C. Pastore & Associados, presidente do BC no período 1983-85, classificou a recente onda de quebra de bancos nos Estados Unidos a uma corrida bancária clássica, comparando-a à crise de 1907. Para ele, episódios assim devem ser neutralizados através da garantia dos depósitos, e não com alteração do ciclo de juros. Também reconheceu uma superestimação do efeito contracionista do episódio pelo canal do crédito. “Se tivesse o (Paul) Volker na presidência do FED, o ciclo de subida teria continuado”, afirmou, indicando convergência com o descontentamento de Loyo e Senna com a recente decisão do FED. Pastore comparou o atual momento com crises anteriores do país, e apontou que a chance de recessão é alta. “O mercado de trabalho está apertado como jamais vi.  A inflação, extremamente resistente. Houve um abuso de estímulos fiscais e da hipótese de que inflação não era de demanda – discussão que também acontece aqui no Brasil (Leia mais sobre o debate inflação de demanda x de oferta). Na verdade, inflação é inflação. É excesso de demanda agregada sobre PIB potencial e oferta”, defendeu.

Senna, por sua vez, citou o artigo de coautoria de Frederic Mishkin Managing Desinflations, que aborda a administração de períodos de desinflação significativa desde 1950 nos EUA, Alemanha, Reino Unido e Canadá. “A conclusão corrobora a de trabalhos anteriores que haviam estudado o caso dos Estados Unidos, indicando que não houve desde o pós-guerra um episódio que tenha evitado quadro recessivo. Pode ser diferente desta vez? Acho difícil”, disse, indicando que uma recessão na principal economia do globo terá repercussões sobre a economia brasileira. “É pouco provável que o risco país não seja afetado negativamente e passemos ilesos.”

Brasil: quando e quanto se poderá cortar de juros?

Por ora, entretanto, Senna destacou que o Brasil surfa ventos favoráveis, beneficiados por números como as expectativas Focus para a inflação em 2025/26 /27, estabilizadas abaixo de 4%. Senna também cita os juros reais de prazo mais logo (da NTN-B), que recuaram quase 100 pontos base, de 6,5% para 5,60%. E o risco brasil refletido pelo CDS de 5 anos caiu para menos de 180, saindo de 260 pontos em março.

Tal como no II Seminário de Análise Conjuntural, Senna atribuiu esses resultados ao sucesso da política monetária operada pelo BC, “além da reversão do choque de bens físicos, ajudando a baixar a inflação, e as primeiras reações quanto à tramitação do arcabouço fiscal no Congresso”, enumerou.  Mas destacou que o trabalho do BC ainda não está terminado, com preocupações que ainda persistem quanto à inflação corrente. “Tomando a leitura da média móvel trimestral anualizada, a média de cinco núcleos ainda está perto dos 6% (5,7%), com a de serviços em torno de 6,5%.” Ainda que seja um trabalho em processo, Senna considera que se for ajudado pela manutenção da meta de inflação para os próximos anos em 3% - decisão que será tomada dia 29 de junho na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) – poderá contribuir para uma definição, pelo BC, do início do corte de juros, que poderia acontecer em agosto ou setembro.

Para Loyo, o comunicado da última reunião do Copom dá margem para que esse corte comece no terceiro trimestre. No caso da meta da inflação, entretanto, ele lembra que as discussões começaram de forma ruidosa, devido ao tom dado pelo governo quanto à direção da política monetária, e que ainda há dúvidas quanto ao seu encaminhamento. “Parece que há probabilidade alta de que o centro da meta não vá ser modificado, mas ainda se cogitam mudanças no intervalo de tolerância da meta, que também tem seus problemas. Quanto a isso, estamos num regime de completa cacofonia ou silêncio, situação atípica no nosso ambiente de debates”, afirmou. Para Loyo, o ideal seria manter a meta em 3%, até para que o país fique alinhado com a meta de outros emergentes. “Caso se opte pelo fim da revisão anual da meta, será uma melhora, desde que seja bem-feita”, afirmou. Para Loyo, é importante livrar o regime de metas da obrigação de rediscuti-la anualmente, ganhando credibilidade, “desde que não se crie a sensação de que o horizonte para cumpri-la é a perder de vista”. Para isso, manteria um rito de prestação de contas do BC à sociedade, com periodicidade anual que tem hoje.

Quanto a uma possível mudança do intervalo – atualmente em 1,5 ponto percentual acima e abaixo do centro – tema que lhe preocuparia menos se convicção de que vamos perseguir o centro. “Seria menos relevante sobre o quanto viveremos de volatilidade ao longo do temp. mas se discussão sobre banda é focada em onde a inflação vai estacionar porque a verdadeira meta é o topo da banda, como alguns podem pensar, aí é ruim, porque nesse caso se estaria aumentando a meta.”

Pastore, por sua vez, afirmou não acreditar que o início do ciclo de corte de juros se dê em agosto – “mas uma hora começa, assim que o BC se sentir confortável a fazê-lo”, afirmou. Mais do que preocupar-se com essa data, entretanto, o ex-presidente do BC se mostrou mais interessado em projetar qual a taxa terminal possível para a Selic, destacando o papel da ancoragem fiscal para um corte mais ambicioso, que colabore positivamente para a atividade econômica.

Pastore comparou o atual ciclo timoneado por Campos Neto com o de 2016, com Ilan Goldfajn à frente da presidência do BC. “Em ambos, a Selic chegou a um nível próximo de 14% – no primeiro caso, um pouco acima e, agora, um pouco abaixo. Em ambos a taxa real de juros ex-ante de um ano – que é melhor medida para aferir eficácia da política monetária através do canal da demanda agregada – estava em 8%, mas quando terminou o ciclo do Ilan foi para 2% ao ano”, descreveu, apontando que não espera que se chegue ao mesmo nível desta vez, devido à escolha da política fiscal do atual governo. Pastore descreveu que em 2016, o presidente Michel Temer focou-se em uma política de contenção dos gastos públicos, com emenda constitucional que instaurou o teto de gastos. No início do governo Bolsonaro houve a aprovação da reforma da Previdência, que foi um passo adiante no campo das reformas para conter o crescimento das despesas. “O que aconteceu com a curva de juros real, que reflete o prêmio de risco associado à política fiscal? Antes de Temer aprovar o arcabouço, as taxas reais de NTN-B, que é de onde se tira a curva de juros reais, estava em 7% a 8% ao ano. No final de 2019, começo de 2020, a taxa de NTN-B de um ano estava em 1%, e de 10 anos, em 3%. Isso possibilitou que Ilan levasse os juros para baixo, porque a taxa neutra de juros caiu”, descreveu Pastore.

Para ele, como o atual arcabouço que tramita no Congresso prevê crescimento de gastos, que dependem da concretização da expectativa de aumento de receitas, isso implicará necessariamente uma taxa neutra mais alta, minando as expectativas daqueles que esperam uma queda mais acentuada da Selic. “Além da taxa neutra de juros ter sido posta para cima devido a uma política fiscal expansionista, também existe um prêmio de risco que tende a ser maior na colocação de títulos públicos”, completa. O que, dependendo da situação, pode significar redução de prazo de médio da dívida, retroalimentando a pressão sobre o risco. “Acho curiosa essa posição do governo, batendo no BC. A autoridade monetária está fazendo o seu trabalho. Em quando tiver terminado, o juro ainda estará alto, mas por conta de uma questão fiscal. E quero saber como o Brasil crescerá com essa política fiscal, que é quem gera juro alto.”

Senna também sinalizou preocupação com o novo arcabouço fiscal. “Ele é calcado numa variável que o governo não controla, que é a receita tributária. Depende do crescimento do PIB, da composição desse PIB, do preço de commodities... Chegar a números de resultado primário, perspectivas de comportamento da dívida dessa forma é insustentável, afirmou. “Tenho receio do futuro desse arcabouço fiscal. E o BC tem que ser cauteloso para não jogar o juro para baixo demais, e lá na frente a coisa não se sustentar”, disse, questionando quanto tempo levará até que se tenha uma perspectiva clara da viabilidade do novo arcabouço se sustentar.

Para Pastore, no curto prazo é possível que as perspectivas ainda sejam calmas, especialmente para o câmbio. “As razões são várias. Se o arcabouço não eliminou o risco, tirou ao menos o risco de cauda. Nossa taxa de juros pode cair, mas ainda será maior que a dos EUA, então atrairá capitais. Além disso, estamos fazendo superávits comerciais gigantescos – viramos até exportadores de petróleo – isso traz fluxo cambial. Também estamos no caminho de um déficit em conta corrente mais baixo em 2024” enumera, indicando que esses elementos devem colaborar para manter o câmbio abaixo de R$ 5. “Até 2024 teremos Campos Neto no BC, que vai seguir o livro-texto na política monetária. E a pergunta que fica é qual será a reação do governo diante de uma desaceleração do crescimento. Devemos assistir o acionamento de bancos públicos, e um aumento de gasto real que pode alcançar o teto estipulado no novo arcabouço. Na medida em que se fizer isso, a taxa neutra de juros fica mais alta e o crescimento econômico do país fica comprometido”, reforçou Pastore, indicando que esse momento poderá coincidir com uma desaceleração mais acentuada da economia dos EUA. “Isso é um tema que estremos discutindo daqui 8 meses, 1 ano. São desafios importantes que teremos adiante, que trarão dificuldades e precisamos pensar sobre elas”, concluiu.

Reveja o IX Seminário Anual de Política Monetária.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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