“É positivo ver os estados se movimentando para tornar o ensino mais atrativo”, afirma Bernardo Baião, do Todos Pela Educação
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Postado por Conjuntura Econômica
Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
A extensão do isolamento social para conter o contágio pelo novo coronavírus afetou as crianças e adolescentes em fase escolar em diversas dimensões. Na mais direta, relacionada à aprendizagem, as avaliações demonstram que em muitas regiões ainda não foi possível retomar o nível verificado antes da pandemia. Dados mais recentes do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) mostram, por exemplo, que em 2023 a maior parte das redes municipais de ensino registraram notas abaixo das observadas em 2019. Esses casos representam 66% das matrículas nos anos iniciais e 65% nos anos finais do ensino fundamental do país. “No caso das redes estaduais, apenas seis unidades federativas avançaram em relação ao pré-pandemia nos anos iniciais e finais. No ensino médio, a melhora aconteceu em 8 dos 27 estados. Trata-se de um impacto grande e consistente”, descreve Bernardo Baião, coordenador de Políticas Educacionais do Todos pela Educação.
Quando se olha para os índices de alfabetização na idade certa, o diagnóstico também é ruim: apenas 56% das crianças até 7 anos alfabetizadas, destaca Baião. “Isso indica estagnação em relação a 2019. Ainda que haja pequenos avanços concentrados, também vemos casos alarmantes, como o de Sergipe, em que apenas 31% dos estudantes atendem a essa meta, sem avanço em relação ao pré-pandemia”, diz o especialista, citando ainda Alagoas, com 40%.
O critério de aprendizagem tampouco é o único envolvendo crianças e adolescentes em idade escolar. A frequência às aulas também é um canal para se combater a insegurança alimentar, já que entre famílias de baixa renda muitas vezes é na escola que se garante aos filhos a principal refeição do dia – outra frente impactada pelo isolamento. “Nesse campo, felizmente o Brasil apresentou boas respostas, com um avanço importante do Programa Nacional de Alimentação Escolar a partir de 2023”, diz Baião. Por outro lado, ainda se constitui um desafio o apoio à saúde mental dos estudantes. Desde a pandemia, quando as crianças se viram afastadas do convívio com colegas e professores, houve uma maior identificação de casos de insegurança emocional, ansiedade e mesmo violência, para os quais ainda não há uma resposta endereçada em termos de política pública, afirma o especialista. “Infelizmente, o que se nota a nível nacional são respostas muito frágeis para esse que é um grande desafio nas salas de aula, tanto para as crianças e adolescentes quanto para os professores.”
Baião avalia que, entre as grandes tarefas herdadas da pandemia, uma das principais é a da recomposição da aprendizagem dos estudantes – lembrando que durante o isolamento houve a decisão de aprovação mesmo sem que os alunos tivessem adquirido as aprendizagens esperadas. “Hoje existe a compreensão de que não é possível permitir que uma grande quantidade de alunos fique para trás, com grandes déficits de aprendizagem”, afirma, indicando que, desde 2021, várias iniciativas de reforço escolar foram criadas tanto em âmbito estadual quanto municipal. Não mais uma dinâmica como da tradicional recuperação de final de ano, com aulas adicionais e prova, mas programas contínuos de acompanhamento dos estudantes ao longo do ano letivo.
Outro legado importante, enumera, foi a grande mobilização – incluindo sociedade civil e instituições internacionais como a Unicef – para o combate ao abandono e a evasão escolar, com a valorização da busca ativa para que todos os estudantes garantam o acesso à educação. “Um terceiro ponto que ficou desse período, ainda muito efervescente, é a inclusão de novas ferramentas pedagógicas para o ensino e aprendizagem”, diz, indicando a necessidade não só de aprimorar o aprendizado, mas tornar o processo mais atrativo para o aluno. “Fizemos uma pesquisa no final de 2023 em que 1/3 dos estudantes expressaram o desejo de abandonar a escola porque não viam sentido”, conta, reforçando essa necessidade de se buscar novas metodologias de ensino.
“Hoje vemos iniciativas, com uso da inteligência artificial, que busca diversificar a forma de ensino promovendo um reagrupamento entre alunos não a partir da série, mas de acordo à idade ou nível e dificuldade”, exemplifica. “Será preciso um pouco mais de tempo para avaliar se o que tem sido promovido desde a pandemia vai gerar bons resultados. Mas é positivo ver os estados se movimentando para tornar o ensino mais atrativo, – especialmente quando se trata do combate às desigualdades educacionais no país, em atenção aos estudantes mais vulneráveis. Se não for assim, continuaremos patinando nos resultados”, conclui.
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