Crédito imobiliário: evolução dos juros e da poupança são pontos de atenção
-
Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Mesmo sob um cenário de juros altos, o mercado imobiliário brasileiro demonstrou resiliência em 2023, como mostra Ana Maria Castelo, coordenadora Projetos da Construção do FGV IBRE, em seu artigo para o especial Perspectivas 2024 da Conjuntura Econômica de janeiro (acesse aqui a edição digital da revista).
Em setembro, exemplifica, o financiamento habitacional, com taxas reguladas e referenciadas em TR, alcançou 11,76% ao ano (a.a.). Apenas dois anos antes, essa taxa era de 7,52%. Além disso, os bancos contraíram a oferta de crédito pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE): de janeiro a outubro, foram 33% menos unidades financiados do que no mesmo acumulado de 2022.
Ana ressalta que foram o mercado de alta renda e a habitação popular que compensaram parte da redução das vendas da faixa média, que depende do crédito habitacional. “O mercado de alta renda, porque compra em boa parte à vista, e o mercado mais popular por não sofrer com a elevação da taxa, já que o crédito FGTS é tabelado”, diz. “De fato, no que tange à habitação popular, o FGTS foi fundamental para assegurar o financiamento a taxas mais acessíveis, sem sofrer influência da Selic, como ocorre no SBPE. O número de contratações de crédito realizadas com lastro FGTS aumentou 28% de janeiro a novembro, sendo 93% das unidades voltadas para a habitação popular, do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV)”, ilustrou Ana. Ela lembra que “o FGTS ampliou o limite de renda atendida, abarcando rendas acima da média (até R$ 8 mil) para compensar a retração da oferta de crédito e o aumento das taxas de juros pelos bancos que compõem o SBPE”.
Para as famílias com renda acima de R$ 8 mil, atendidas pelo SBPE, entretanto, o panorama ainda demanda atenção. Ana indica que, para este ano, os juros ainda poderão ser um elemento restritivo. Apesar das boas perspectivas quanto ao ritmo de corte da taxa de juros básica da economia, “o cenário ainda vai permanecer bastante desafiador, uma vez que a redução das taxas de crédito imobiliário acontece em ritmo mais lento”.
Taxas de juros do crédito imobiliário para pessoa física (PF), a.a. em %
Fonte: Bacen.
E não é só. Do lado do funding, há também preocupações com a contínua queda no saldo da poupança, posto que 2023 foi o terceiro ano consecutivo em que as retiradas superam os depósitos. De acordo ao Banco Central, em 2023 as retiradas foram R$ 87,8 bilhões maiores que os depósitos. Em 2021, os saques foram R$ 35,5 bi maiores e, em 2022, R$ 103,2 bi. Nos últimos três anos, entre as instituições financeiras que aplicam recursos da poupança em crédito imobiliário, houve um recuo de R$ 43 bilhões no saldo, que chegou a R$ 747 bilhões no final de 2023. Mesmo com um aumento significativo na poupança
Analistas apontam alguns fatores que levam a esse declínio. Entre eles, um aperto orçamentário das famílias e a identificação de formas mais lucrativas de investimento, o que amplia a necessidade de diversificar fontes de financiamento do mercado imobiliário, para que este fique menos dependente da poupança. No final o ano passado, o próprio BC chamou a atenção para essa tendência de resgates das cadernetas de poupança, em ata da reunião do Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), e os efeitos nas concessões de crédito imobiliário.
Recursos da caderneta para o crédito imobiliário (SBPE) se reduzem
(em R$ bilhão)
Fonte: BCB.
Em seu texto para a Conjuntura, Ana avalia que:
“Considerando os ativos totais, de acordo com dados do Bacen, a poupança respondia por 49% do funding do financiamento habitacional em setembro de 2023, enquanto o FGTS representava 28%. As demais fontes (LCI, FIIs, CRIs, LIGs) podem ganhar mais espaço com a redução das taxas de juros. Muito embora seja importante destacar que o crédito habitacional ainda represente pouco lastro nos CRIs em estoque, os FII são em boa parte constituídos pelos CRIs emitidos, e não se sabe ainda quanto da captação de LIG vira lastro para novo crédito imobiliário ou outro produto bancário. De todo modo, a restrição maior desses instrumentos de conexão com o mercado de capitais é o custo maior de captação e, consequentemente, do crédito, o que os torna ainda mais dependentes da continuidade da queda dos juros na economia para promover, de fato, uma expansão no crédito habitacional.”
Ana destaca que, para 2024, as principais apostas para o mercado imobiliário estão no novo programa MCMV, que deve recuperar protagonismo. “O anúncio trouxe mais otimismo e o efeito foi percebido com o aumento de lançamentos direcionados para a habitação popular já no terceiro trimestre de 2023”, afirma.
Melhores perspectivas para a infraestrutura
No seu artigo, a economista do FGV IBRE também abrangeu as perspectivas positivas para o setor de infraestrutura, que somam investimentos das prefeituras em ano pré-eleitoral, com os da União. Com isso, o setor encerrou o ano com um nível de confiança acima da média dos demais setores, conforme as Sondagens do FGV IBRE, e a preocupação, expressada pelos empresários, com escassez de mão de obra.
Outra preocupação que está no radar é quanto à capacidade do mercado de absorver os projetos previstos no Novo PAC, bem como “aos riscos de contingenciamento de recursos da União nas obras já em andamento”. Ana conclui: “Deve-se notar que, em 2024, os investimentos municipais devem diminuir à medida que se aproximem as eleições. Assim, as obras do PAC, especialmente a retomada de obras paradas, precisam compensar esse movimento. Mesmo assim, há uma previsão de mais investimentos privados relativos ao ciclo recente dos leilões de concessões.”
Leia a Conjuntura Econômica de janeiro. Acesso gratuito aqui.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.