Cenário externo ajuda a antecipar debate eleitoral, mas sem perspectivas de ajuste fiscal, apontam pesquisadores do FGV IBRE em seminário
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Depois de um início de ano com fortes turbulências provocadas pela política comercial do governo de Donald Trump, o fim do primeiro semestre parece trazer alguma calmaria. Estados Unidos e China chegaram a um acordo sobre suas tarifas de importação, acomodando parte do embate tarifário travado pelos Estados Unidos - ainda é preciso equacionar a situação com outros parceiros comerciais aos quais impôs a chamada “reciprocidade tarifária”. O conflito entre Israel e Irã, por sua vez, chegou a um cessar-fogo, ainda que frágil. Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, lembra que em menos de um mês do embate Israel x Irã, o preço do petróleo passou a cair, “ficando 20% mais baixo do que um ano atrás”.
O dólar, por sua vez, chegou esta semana ao menor nível em três anos - medido pelo índice DXY, que compara o valor da moeda americana em relação a uma cesta de seis moedas entre as principais globais, colaborando para a contenção da pressão inflacionária no Brasil. “A tendência é que o dólar continue enfraquecendo. A perspectiva de que Trump antecipe a indicação do novo presidente do Fed tem ajudado a sinalizar uma política monetária mais dovish e uma posição confortável do governo com esse dólar mais fraco”, afirma Castelar, lembrando que essa perspectiva é positiva para os países emergentes, servindo de âncora inflacionária. “Vemos agora um cenário externo com projeção de desaceleração de crescimento não tão dramática, concentrada nos EUA.”
Esse panorama traçado por Castelar no II Seminário de Análise Conjuntural de 2025, promovido nesta quinta-feira (26/6) pelo FGV IBRE em parceria com o Estado de S. Paulo, não é desprovido de incertezas. Por exemplo, diante da tendência de aumento do endividamento americano, ao mesmo tempo em que os ativos do país perdem atratividade como reservas de segurança no mercado global. “Devemos ver em breve a aprovação do orçamento americano, que pode adicionar US$ 5 trilhões em dívida, o que implica viabilizar uma demanda por títulos americanos que precisarão ser emitidos para financiar esse déficit”, cita, indicando mudanças na regulação bancária nos EUA e a tentativa de aprovar legislações para stable coins, que se tornaram grandes compradores de títulos americanos. “Tem muita coisa se movendo, e as incertezas continuam”, diz, mas o cenário mais dramático de uma grande crise internacional parece ter saído, a princípio, do radar.
Para o Brasil, a redução dos holofotes para os riscos externos pode significar uma antecipação do debate eleitoral de 2026, afirma Castelar. E, com as fichas do Banco Central já postas em uma política monetária contracionista por um período prolongado, restará o debate fiscal que, para o pesquisador, tenderá a concentrar-se em sobre o que fazer a partir de 2027. “Os economistas parecem estar razoavelmente tranquilos em aguardar até lá, apesar do aumento da dívida e do desafio cada vez maior de se operar um ajuste”, afirma, ilustrando a difícil conjuntura entre Legislativo e Executivo com a recente derrubada pelo Congresso dos decretos editados pelo governo sobre o aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). “Há um um forte debate retórico entre o governo e a maioria do Congresso sobre quem está correto quanto ao fiscal, e a tendência é vermos mais episódios como esse.”
Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, reforçou no webinar - que teve moderação do jornalista Luiz Gerbelli, repórter do Estadão -, o diagnóstico de que medidas de ajuste, especialmente no campo de controle de gastos, dificilmente serão tomadas com as próximas eleições se aproximando do radar. “Deveremos continuar tendo déficit público, com uma dívida bruta que este ano já poderá ultrapassar 80% do PIB. Até poderemos pensar quais são as melhores soluções para nossos problemas fiscais, mas certamente não iremos enfrentá-los nem este ano, nem no ano que vem.”
Em sua exposição, Matos destacou os desequilíbrios provocados por um contexto de atividade que cresce acima do potencial, destacando recente relatório do banco central que aponta um hiato do PIB de 1,4% no primeiro trimestre de 2025. “O principal desajuste, com esse quadro, é o da inflação. E não se trata de inflação de alimentos ou até de bens duráveis, sobre a qual vemos até uma moderação com o enfraquecimento do dólar. O que nos preocupa é a inflação de núcleos, principalmente de serviços. No dado de maio, a inflação de serviços em 12 meses rodava mais próximo de 6%, e a média de núcleo da inflação de serviços, próximo de 7%. É um número muito alto”, afirmou. Outro elemento citado por Matos como preocupante é o do crescimento dos salários acima da produtividade, pressionando a atividade em diversos setores, como a construção civil - que ainda registra restrições como a escassez de mão de obra qualificada. De acordo ao Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) do FGV IBRE, a inflação da mão de obra no setor alcançou 9,97% em 12 meses encerrados em junho.
Matos apontou sinais de desaceleração em atividades mais dependentes de crédito, como o varejo e a indústria de transformação. “A Sondagem da Indústria de junho confirma essa revisão mais negativa”, afirmou, destacando a queda de 2,1 pontos no Índice de Confiança do setor medido pelo FGV IBRE, a maior retração do ano. A economista considera que o crédito consignado privado, que teria potencial de mitigar o impacto da alta de juros na oferta de crédito ao consumidor - não conseguirá mitigar o efeito da política monetária nas concessões. “Até agora, houve a liberação de cerca de R$ 15 bilhões, com uma taxa mais elevado do que se esperava. Em contrapartida, vemos outras linhas recuando, diante do aumento da inadimplência e dos juros”, cita.
A coordenadora do Boletim Macro ressalta que a parte cíclica da economia - da qual fazem parte as atividades sensíveis à política monetária - deveria apresentar resultados negativos no segundo semestre. Mas reconhece que, diante da agenda eleitoral, é difícil prever se novas medidas de estímulo chegarão para frear essa tendência. “Em julho já teremos a liberação de precatórios, quase R$ 70 bilhões”, diz, destacando as incertezas quanto a seu impacto sobre a economia. “Temos esse conflito entre política monetária e política fiscal,. No FGV IBRE, tem-se destacado o papel dos governos subnacionais, estados e municípios, para o aumento do gasto público (leia mais), mas também vemos medidas do governo federal tentando, direta ou indiretamente, acelerar a atividade. Isso faz com que, no fim do dia, a gente tenha menos desaceleração do que é necessário para controlar essa situação.” A projeção do Boletim Macro do FGV IBRE para o PIB de 2025 é alta de 2%.
José Júlio Senna, chefe do centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, destacou no seminário a necessidade de o Banco Central, ao interromper o ciclo de alta da Selic - depois de aumentá-la em 0,25 ponto percentual, para 15% ao ano -, reforçar que mantém o compromisso de perseguir a meta de 3% ao ano para o IPCA, ainda que não necessariamente no horizonte relevante, de um ano e meio. “Para chegar à meta nesse período, seria preciso elevar a taxa básica de juros entre 17% e 18% ao ano”, afirmou, destacando que o compromisso da autoridade monetária é calibrar a política de juros de forma a evitar um quadro recessivo significativo. “Mas o BC deixou claro que manterá os juros no território restritivo por um período prolongado, e, para ter segurança, afirmou que não hesitará em aumentar o juro adiante caso considere apropriado”, afirmou, destacando a natural pressão do mercado financeiro, “comprado em relação à dívida pública”, por um breve horizonte de corte de juros, visando à valorização desses títulos.
Reveja o II Seminário de Análise Conjuntural de 2025.
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