Balanços da COP 27

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Cercada de grande expectativa quanto às possibilidades de avanços da agenda climática, depois da mudança radical de conjuntura com a guerra na Ucrânia, a COP27 se encerrou tendo como destaque o acordo para a criação de um fundo de perdas e danos voltado ao apoio a países considerados mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. A promessa é de que esse fundo seja efetivado até a próxima Conferência das Partes da ONU, que será nos Emirados Árabes.

Conhecida como COP da implementação, o encontro do Egito registrou poucos avanços em relação às adaptações dos países para lidar com suas agendas de descarbonização,  especialmente quanto ao uso de combustíveis fósseis, que deveria ser um dos destaques do encontro conforme esperava Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa à Conjuntura Econômica (leia a entrevista). Os efeitos da guerra ao acentuar a trajetória inflacionária em escala global, em meio à necessidade de se garantir segurança alimentar e suprimento de energia a preços acessíveis, de fato, conturbaram o cenário para esse avanço. Ainda assim, professores da FGV destacaram alguns pontos positivos da reunião, em webinar transmitido a partir da COP, dias antes de seu encerramento oficial.

“A expectativa que tínhamos de dobrar as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, na sigla em inglês), avançar em mecanismos de monitoramento de metas, acabou não se concretizando este ano”, afirmou Luciano Rodrigues, pesquisador do Observatório de Bioeconomia da FGV, diretor de Economia da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica). Mesmo assim, Rodrigues destaca o relevante aumento da participação do setor privado – tanto produtivo quanto financeiro – no encontro, tal como observado na COP de Glasgow, em 2021, sinalizando que a implantação e financiamento de sistemas produtivos de baixo carbono é reconhecido como um movimento sem volta, ainda que seu avanço aconteça em um ritmo aquém do ideal. “A pergunta que prevaleceu, especialmente no setor privado, foi como conseguir avançar na descarbonização diante de tantas incertezas. No mesmo momento em que estamos discutindo o global stocktake (prestação de contas prevista no Acordo de Paris com o objetivo da analisar o progresso na implementação de metas), também se amplia o debate sobre segurança alimentar e a necessidade de soluções que conciliem ambos”, cita. O que, de certa forma, reforça o caráter social e de transição justa que prevaleceu na Conferência.

Essa ampliação de espectro do trabalho dos países também foi destacada por Rodrigo Lima, diretor da consultoria Agroícone. “No Grupo de Trabalho Conjunto em Agricultura Koronivia, que desde 2018 discute questões relacionadas ao carbono no solo, a segurança alimentar também foi agregada como foco de trabalho. Afinal, é preciso produzir mais para alimentar os 8 bilhões de habitantes do planeta, já temos 141 NDCs que tratam de agropecuária, então são decisões estruturantes que precisamos saber conciliar”, diz. Para Lima, o fato de esta ter sido uma COP morna comparativamente à de Glasgow não é um ponto negativo. “Nem todas as COPs são feitas de grandes decisões. Há muitos temas operacionais nos quais temos que avançar”, afirma indicando que a concretização dessa microagenda é que também determinará o sucesso da Conferência.

Annelise Vendramini, pesquisadora sênior do FGVCes, destaca a importância de se avançar nos temas relacionados ao setor financeiro. “Em Glasgow, vimos questões jurídicas importantes irem para o centro do debate, coo de que forma a questão climática está alinhada ao dever fiduciário, como certificar que a questão climática está incluída nos investimentos. Colocamos o bode na sala, mas essa questão não está pacificada”, diz. Annelise lembra que, em 2021, bancos, assets, empresas de seguros se comprometeram em alocar US$ 130 trilhões – um PIB mundial – para as finanças climáticas. A pesquisadora reconhece que montantes prometidos são sempre questionáveis – na COP16, em Cancun, países desenvolvidos prometeram mobilizar US$ 100 bilhões anuais entre 2020 e 2025, e nos dois anos que já passaram, ficaram aquém da meta. Mas lembra que, para que algo aconteça, é preciso lembrar que esses recursos são geridos de terceiros, e por isso precisam de transparência e confiança.  “O que também passa pela estabilidade econômica e política, além do fortalecimento institucional de países em desenvolvimento, para que de fato se consiga atrair capital privado com mais força”, afirma.

Tal como Fernanda Delgado, do IBP, destacou em evento da COP 27 (leia aqui a nota), Rodrigues também cita como balanço positivo da COP o reforço do diagnóstico de que, no campo da energia, não haverá solução única para a transição de baixo carbono. “Os países saíram da reunião compreendendo que é preciso explorar o que cada um tem de melhor, e de forma complementar. Nesse campo, aliás, o Brasil tem uma condição invejável, de poder desenvolver sua transição aproveitando seus recursos fósseis, combinados com uma condição invejável no desenvolvimento de outras renováveis, da fotovoltaica, solar e biomassa, chegando ao hidrogênio”, diz. Lima, da Agroícone, estende a mensagem par ao setor agrícola. “No Brasil, com o Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (ABC+), cada estado aprova seu plano, pois a agroecologia não é única”, diz.  

Para Annelise, a tarefa que fica ao Brasil após esta COP é a de conseguir sensibilizar as empresas e instituições financeiras de classe mundial que operam no Brasil a entender as particularidades dos biomas brasileiros e as fragilidades específicas do país, para colaborar no desenvolvimento de produtos financeiros adequados à nossa economia. “Isso também passa por fortalecermos a produção científica sobre a realidade dos países em desenvolvimento. Recentemente, participei da publicação no Journal of Susteinable Finance sobre o desenvolvimento do mercado de green bonds no Brasil, e acho que precisamos ampliar essa frente. Hoje as publicações de referência têm como base os países desenvolvidos, com soluções que não resolvem nossos problemas”, diz.

Rodrigues, por sua vez, reforça a necessidade de o país solucionar a questão do uso da terra – no caso, o desmatamento – sem o qual será difícil atrair o foco para as virtudes do mercado brasileiro. “E isso passa por nosso próprio aprimoramento, para provar o que são áreas de desmatamento legal ou ilegal. Temos que pensar a agenda climática como a que abre portas para o desenvolvimento econômico do país, que deve ser pensada de forma integrada. Que tem muito a ganhar – e também a oferecer, por exemplo, na cooperação com países africanos na implantação de sua agenda agro de baixo carbono”, diz Lima.

 


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