COP 27: é preciso grande articulação que endosse a vocação nacional no campo da energia limpa, defende Fernanda Delgado
-
Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
No mesmo dia em que o presidente eleito Lula discursou na COP27, declarando a disposição do Brasil de “se juntar novamente aos esforços para a construção de um planeta mais saudável”, especialistas do setor de energia reunidos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) defenderam a necessidade de pensar essa indústria de forma integrada, para potencializar suas capacidades e aprimorar a comunicação internacional em torno do papel do país na agenda de descarbonização. “Falta para o Brasil educar e se posicionar para fora de suas fronteiras de forma a permitir que o mundo não fique só olhando para o que fazemos de errado – e que de fato temos que combater, como o desmatamento ilegal, que é crime –, mas para nossa capacidade de suprimento de energia limpa e de alimentos, que é incomparável”, afirmou Paula Kovarsky Rotta, vice-presidente de Estratégia, Meio Ambiente e Sustentabilidade da Raízen.
No evento Dia da Indústria (assista aqui), que a CNI transmitiu diretamente do Egito, Fernanda Delgado, diretora executiva Corporativa do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), articulista da revista Conjuntura Econômica, também defendeu uma grande articulação “que endosse a vocação nacional e promova uma política transversal para o setor”. Para ela “o Brasil tem um problema bom, que é contar com uma miríade de fontes de energia – hidrocarbonetos, energia eólica, solar, biomassas, biocombustíveis – que precisam ser olhados de forma transversal”, que garante ao país as condições para se posicionar como ator de relevância no campo da descarbonização. “E a indústria de óleo e gás tem muito a contribuir, com expertise, fontes de financiamento, tecnologia, e com toda a parte de P&D”, completou.
Julio Meneghini, diretor Científico e Executivo do Centro de Pesquisa em Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI FAPESP-Shell), ressaltou que a indústria de óleo e gás tem um amplo caminho nessa agenda, a começar pela redução a pegada de carbono de sua própria produção, e para além dela. Entre elas, citou a solução patenteada pelo RCGI para separar e reter CO2 em cavernas moldadas na faixa de sal – entre bolsões de petróleo e o solo marinho, usando os mesmos equipamentos com os quais se injeta água do mar nos poços de petróleo. “Somando o potencial que temos agora com a exploração de produção eólica offshore com esse armazenamento nas cavernas de sal, o Brasil poderá se tornar líder em armazenamento de carbono”, afirmou.
No evento, Meneghini também citou a primeira planta piloto patenteada e construída pelo RCGI para produção de hidrogênio a partir do etanol, com custo competitivo e possibilidade de garantir o hidrogênio na ponta do consumo, aproveitando a infraestrutura já instalada de distribuição do etanol. “O início de funcionamento dessa planta está previsto para junho do ano que vem, com capacidade para produção de 5 kg de hidrogênio por hora, que serão fornecidos para três ônibus com célula a combustível”, afirmou. Paula, da Raízen, apontou que esse projeto poderá levar a jornada brasileira de eletrificação de automóveis a saltar etapas, diretamente para a célula de combustível a hidrogênio. “Se juntarmos a despoluição promovida pelo etanol de 1ª geração e de 2ª geração com a do hidrogênio, tudo colocado em uma célula de combustível, terei um processo três vezes mais eficiente. Sem contar em uma tecnologia menos pesada que a bateria”, compara.
“Exemplos como esse reforçam a tecnologia em torno do uso da cana-de-açúcar como um dos melhores exemplos de economia circular, e sem aumentar o uso da terra”, diz. “E precisamos informar isso melhor ao mundo, para contrapor a ideia alimentada pela Europa de que essa cultura compete com a produção de alimentos, afetando a segurança alimentar”, disse
Bárbara Rubim, vice-presidente de Geração Distribuída da Associação Brasileira de Energia Fotovoltaica (Absolar), também ilustrou as vantagens de projetos transversais citando a atividade agrovoltaica desenvolvida no país. “Trata-se de estudar tipos de cultura que se beneficiam de um sombreamento causado pela instalação do sistema fotovoltaico. Ou seja, usar esses locais sem ocupar a área do solo que poderia ter outra destinação, favorecendo a produção de alimentos, gerando melhor esses recursos. É uma tendência na qual Brasil está se tornando líder na América Latina”, disse.
No evento, Bárbara reforçou que o desenvolvimento de energias renováveis no Brasil tem se dado de forma fragmentada, mas que a atual discussão em torno do impacto das mudanças climáticas – em que é preciso conciliar segurança e transição energética –, precisa de um novo foco que garanta uma equação justa. “É preciso conversar sobre uma transição que seja inclusiva, o que inclui o mercado de trabalho, em uma transição também na geração de postos de uma atividade a outra. Precisaremos começar, internamente, a discutir políticas públicas e planos de expansão setoriais que sejam multissetoriais e permitam que essa visão agregadora”, disse. Outro ponto defendido por Bárbara foi o de se aproveitar a oportunidade da discussão de um novo marco legal para o setor elétrico para promover uma abertura de fato no mercado – seja para o consumidor, seja para a indústria –, casada com um projeto de desenvolvimento para o país. “No setor fotovoltaico, a grande oportunidade que temos hoje é a de diversificar a cadeia produtiva, que hoje é 80% concentrada na China. Sendo um dos maiores fornecedores de silício do mundo, o Brasil tem a chance de se posicionar melhor nesse mercado, chamando a indústria para cá também”, disse.
Fernanda, do IBP, defendeu que o sucesso dessa mudança passa por compreender que não há uma única solução para todas as economias, que há espaço para todas as fontes, e que é preciso atrair a sociedade para o debate desse grande projeto para o país. “Não podemos perder de vista que no final de qualquer sistema econômico existem famílias, que precisam ser protegidas, para que ninguém fique de fora. Afinal, estamos falando de um futuro que tem que ser sustentável, mas também caber no bolso da população”, afirmou.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.