Alta do déficit em conta corrente é risco para financiamento externo? Confira análise do Boletim Macro
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
De julho de 2024 a julho de 2025, o déficit em conta corrente brasileiro saltou de 2,6% para 3,5% do PIB, somando US$ 75,3 bilhões. Essa expansão, que alimenta discussões sobre a sustentabilidade das contas externas do país, foi tema de análise do Boletim Macro FGV IBRE de setembro, assinado por Silvia Matos, José Júlio Senna, Livio Ribeiro e Samuel Pessôa.
Trata-se de um valor claramente superior à média registrada desde 1999, com o câmbio flutuante, de 1,9% do PIB, e chega em meio a um momento de alta incerteza internacional, como destacou Senna ao Valor Econômico em matéria publicada nesta segunda (29/10). (acesso restrito a assinantes do jornal). Em cenários como esse, afirma Senna, quem tem elevado déficit em conta corrente costuma sofrer mais. No caso do Brasil, limita uma queda mais acentuada da Selic, para atrair mais capitais de curto prazo. Diante desse quadro turbulento, então, o diagnóstico de Senna é de que é preciso olho nas contas externas. Se por um lado hoje se observa valorização das bolsas de valores no mundo, bem como spreads de emissões privadas perto de mínimas históricas, a forte valorização do ouro – “conhecido como o ativo do caos”, destaca Senna – é sinal de preocupação dos atores do mercado, a começar pelos próprios bancos centrais. “O preço do ouro nas alturas é algo estranho. Outro elemento a se destacar é o elevado nível dos juros de longo prazo dos títulos soberanos de países como Reino Unido, França e Japão. É algo praticamente não visto há várias décadas. E porque que esses juros estão subindo tanto nesses países avançados? Porque o endividamento público deles está muito alto e não têm conseguido conter os desequilíbrios fiscais”, descreve. Senna afirma que essa situação pode se estender por mais tempo sem que nada grave aconteça. “Mas quem administra a macroeconomia de um determinado país tem que estar esperto.”
A elevação recente desse déficit aconteceu principalmente por causa de uma queda no saldo da balança comercial – apesar de um ano com recorde de safra agrícola e boas perspectivas para a indústria extrativa. Como analisado no Icomex do FGV IBRE, para esse resultado contribui uma queda maior do preço dos bens exportados (-2,2%) do que nos importados (-1,3%), observando os resultados até agosto, mas especialmente um aumento maior do volume de importações 8,3%) comparado ao das exportações (2,8%). Os pesquisadores apontam que “até agosto, o saldo comercial acumulado em 12 meses foi de US$ 63,5 bilhões, quase US$ 27 bilhões a menos que o acumulado até o mesmo mês de referência de 2024”. Matos, coordenadora do Boletim, atenta que esse quadro é reflexo dos desequilíbrios de uma economia doméstica aquecida, que absorve mais produtos importados.
A apreciação cambial alimentada pelos impactos da política econômica do presidente Donald Trump também contribuiu para esse resultado, destaca Ribeiro. “Em um país com taxa de poupança baixa, como é o caso brasileiro, tipicamente repiques de absorção doméstica estão associados ao aumento do déficit externo”, diz. Isso, em linhas gerais, é algo até desejável, quando se trata de um déficit impulsionado majoritariamente pelo investimento, o que não tem sido o caso. “Isso significa consumir hoje ao invés de preparar o crescimento de amanhã, como é o caso dos quando você tem o ciclo puxado por investimentos”, compara, reforçando a defesa de que, no curto prazo, o ponto de atenção na análise das contas externas é o aumento da absorção doméstica.
Diferentemente de Senna, Ribeiro defende cautela ao sentenciar que esse quadro reflete risco ao financiamento externo no curto prazo. Ao Valor, o pesquisador analisou que a tradicional conclusão de um investimento estrangeiro direto – reconhecido como mais estável – que não cubra o débito em conta corrente demanda uma avaliação mais criteriosa, que considere as mudanças de metodologia de contabilização do balanço de pagamentos no Brasil e no mundo desde 2017. “Cito alguns exemplos. Hoje, se a compra de uma máquina representa um investimento inferior a 10% do capital social da empresa construída no Brasil, ele é lançado em renda variável – mesmo representando um investimento visando ao longo prazo. Por outro lado, dentro do investimento direto líquido, há duas separações: o investimento em participação de capital e empréstimos intercompanhia. Empréstimos intercompanhia têm uma característica histórica de estarem muito associados ao diferencial de juros, portanto, terem uma componente carry trade que não é necessariamente produtivo. O que eu quero mostrar é que são vários itens que andam em conjunto e a gente deveria olhá-los de maneira mais ampla.”
Para Ribeiro - excetuando o choque do final de 2025 que levou BC a vender reservas contribuindo para um resultado negativo entre entradas e saídas das contas externas na casa dos US$ 29 bilhões – a foto atual é de um cenário onde o aumento do déficit é coberto por um aumento do financiamento agregado. “Trata-se de um financiamento de composição eventualmente mais instável, que em equilíbrio exige que a gente tenha um diferencial de juros que ajuda a fechar a conta com fluxos mais de curto prazo. Mas sem uma carência tão grande quanto seria sugerido por esse aumento de 0,7 ponto percentual do PIB no déficit em conta corrente acumulado em 12 meses”, declara.
Quanto à parte da absorção doméstica que impulsiona as importações, os pesquisadores destacam que a desaceleração pela qual passa a economia brasileira já tem se refletido numa redução dos desembarques de bens duráveis entre junho e agosto, por exemplo. “Nossa expectativa é que a absorção doméstica avance 1,9% em 2025, para uma alta do PIB de 2%”, diz Matos.
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