“Uma boa regra de teto de gastos pode ser convergente com a política monetária”, diz o economista Gabriel Leal de Barros

Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Qual considera ser o tema fiscal mais complexo para o novo governo em 2023?

Acho que o debate mais difícil será em torno do novo teto de gastos, pois ainda há pouca visibilidade sobre as propostas. O atual governo tem à mesa duas, da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda e outra do Tesouro. No caso de Lula, ainda não sabemos ao certo qual a proposta. Será preciso muita discussão arpa se chegar a um modelo factível.

Em sua opinião, quais princípios considera que deveriam guiar uma nova regra?

Conceitualmente, uma boa regra tem que ter algum mecanismo contracíclico para amortecer choques econômicos. Há inclusive muitas críticas de que o teto atual não possui essa válvula de escape, que considero incorretas. O crédito extraordinário esteve aí para isso, fui usado extensivamente na pandemia, em 2020 e 2021 exatamente como medida de estabilização. Mas é claro que é possível aprimorar.

Particularmente, gosto da ideia de se tirar o gasto com seguro-desemprego do teto. Porque esse gasto é contracíclico. Não faz sentido econômico estar dentro do teto, porque quando a economia vai mal e há avanço no desemprego, esse gasto tende a aumentar. É um estabilizador automático.

Outra coisa que considero interessante de ser levada em conta nas discussões de um redesenho para essa regra é que, da forma como está, ela olha para trás. É uma regra de retrovisor, que é algo que considero ruim. Gosto, por exemplo, do instrumento do Banco Central, e usaria o centro da meta da inflação como indexador de um novo teto. Isso tornaria a política fiscal convergente com a política monetária. E caso se considere a necessidade de crescimento real da despesa, pode-se adotar a mesma banda, que hoje é de 1,5%. Como disse, desenho traria consistência para a política econômica, com fiscal e monetário indo para o mesmo lugar, sob os mesmos parâmetros. Além disso, essa regra garantiria um crescimento real da despesa menor ou igual o crescimento do PIB potencial, o que é muito relevante. Caso se fixe uma regra de gasto em que o crescimento real é acima do PIB potencial, isso traria um sinal econômico muito ruim, de permitir que a despesa cresça mais que a capacidade do país de gerar riqueza. Portanto, é preciso garantir um teto que limite o crescimento real do gasto para algo menor ou no máximo igual o crescimento real do PIB, e o centro da meta mais a banda cumprem bem esse objetivo. Somado ao desconto do gasto com seguro-desemprego.

Um elemento adicional que poderia fortalecer a regra é a criação de subtetos de gasto. Gosto, por exemplo, do modelo sueco, em que as restrições orçamentárias são operacionalizadas nesses subtetos, que ajudam a endereçar o cumprimento do teto. Parece difícil, mas não é. Tome o desenho proposto aqui, de teto com reajuste pelo centro da meta da política monetária, mais 1,5% que é a banda, excetuando o seguro desemprego. Quando forem votar, os parlamentares saberão, por exemplo, que para gasto com pessoal, não poderão gastar mais que a inflação mais 1%. E isso vale tanto para o Executivo quanto Legislativo e Judiciário. Esse subteto de pessoal, inclusive, é muito relevante para os outros poderes. Como Legislativo e Judiciário não prestam serviço público – educação, saúde, segurança, proteção social –, então o grosso das despesas é com pessoal.

Este ano os estados tiveram sua arrecadação impactada pela medida que limita alíquotas de ICMS cobradas em energia, combustíveis, transportes e telecomunicações. Alguns entes, como Maranhão e Alagoas, já entraram com liminares, freando o pagamento de contragarantias de empréstimos com aval da União, como forma de compensar essa perda. Como considera que esse tema será equacionado a partir do ano que vem?

O Supremo criou uma comissão de conciliação, reunindo Governo Federal e estados, em busca de resolver essa discordância se há ou não o que compensar. E, se chegarem ao reconhecimento desse direito de compensação, ainda será preciso chegar a um acordo sobre os valores, pois hoje estados e Governo Federal têm contas distintas dessas perdas.

O ideal é que se aprove uma reforma tributária. Mesmo porque, o excesso de judicialização da política fiscal também é um problema, do qual o ICMS é apenas um capítulo. Veja o caso do crédito de PIS/Cofins na Zona Franca de Manaus. Essa região é isenta do imposto, mas decidiu-se no Supremo o direito a essa renúncia. Ou seja, decidiu-se que quem comprar insumos da Zona Franca, que não paga PIS/Cofins, terá o crédito desse imposto. Economicamente não faz nenhum sentido, pois gera uma perda fiscal de cerca de R$ 16 bilhões por ano. Portanto, do ponto de vista institucionalidade fiscal/ tributária, não é bom ter o Supremo intermediando decisões que cabem ao Executivo e ao Congresso.

Então, o melhor é resolver esse problema via reforma tributária, além da revisão de renúncias fiscais. O debate sobre esse tema tem se concentrado no âmbito federal, e fala-se muito pouco do tamanho das renúncias fiscais estaduais, que não são pequenas – em 2020, os incentivos fiscais em torno do ICMS chegavam a R$ 90 bilhões por ano, e a conta só aumenta. O caminho natural, para os estados, será rever esse volume de renúncia, boa parte sem resultado, e com isso amenizar a perda de arrecadação. E os estados também precisam entrar na discussão de uma regra fiscal para eles. Não pode ser um debate só para o governo federal. Essa medida do subteto para pessoal, por exemplo, seria positiva, pois ajudaria estados e municípios a ampliar sua capacidade de investimento no médio prazo, pois ajuda a manter uma folha de pagamento contida.

Um Executivo forte consegue emplacar a reforma tributária já em 2023?

Sim, pois esse tema está maduro. Temos discutido a reforma desde o governo Temer. Sabemos quais as propostas estão na mesa – a PEC 45 e a PEC 110, além da proposta do atual governo de uma fusão de PIS/Cofins e transformar o IPI em um imposto seletivo. Há condições, desde que o governo federal coloque energia nisso.

 

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