Um mundo onde a incerteza é o principal agente

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

O mundo é outro depois da pandemia. As cadeias globais de valor, que depois da desestruturação provocada pela pandemia começaram a esboçar débeis sinais de estabilização, voltaram a ser impactadas com a guerra na Ucrânia. A inflação, que já vinha em escalada de alta, acelerou seu processo de disseminação pela economia mundial pela crise energética e de alimentos. Novas medidas de aperto monetária estão sendo adotadas para tentar frear o dragão inflacionário.

Este mês, depois de quase três anos, embarquei de férias para o exterior. Período de alta temporada, o receio era encontrar lugares entupidos de turistas. As restrições na China pela COVID, a guerra e a inflação, além da pandemia, que não foi oficialmente extirpada – ainda há gente morrendo, especialmente quem continua resistindo a se vacinar –, derrubaram grande parte da receita do turismo em vários países, com redução do número de turistas, especialmente chineses.

Veja: O Pinocchio extraviado

Segundo o World Uncertainty Index (WUI), medida que engloba a situação em 143 países, a incerteza aumentou no mundo, um mau sinal para a atividade econômica. Segundo os autores da pesquisa, o aumento da incerteza no primeiro trimestre deste ano poderia ser suficiente para reduzir o crescimento global anual em até 0,35 ponto percentual. 

Para o Boletim Macro FGV IBRE de julho, “não é difícil identificar as várias fontes dessa elevada incerteza. A persistência da guerra na Ucrânia, assim como das sanções impostas em reação a esta, é uma delas. O desafio que a pandemia segue impondo à economia chinesa e, por tabela, às cadeias globais de valor, é outra. A isso se somam as fortes e, até certo ponto, surpreendentes pressões inflacionárias, com os preços subindo com ritmo e grau de disseminação que não se viam há décadas. Resultam daí incertezas adicionais sobre até quanto e quando a política monetária precisará ser apertada, em praticamente todos os países, e como isso se refletirá sobre o nível de atividade, com a perspectiva de recessão se tornando cada vez mais provável em várias economias”.

Índice mundial de incerteza (WUI)


Fonte: World Uncertainty Index.

O aumento do grau de incerteza no mundo está umbilicalmente ligado à perda de tração da demanda nos países desenvolvidos no encerramento do segundo trimestre deste ano, refletindo a escalada inflacionária e a deterioração das expectativas dos produtores, em especial para a indústria.

Com esse pano de fundo de fundo, pouco animador para o futuro, o Boletim Macro destaca alguns pontos:

• As principais autoridades monetárias, reunidas na conferência anual do Banco Central Europeu (BCE), destacaram que a era da inflação e juros baixos havia terminado, após o choque inflacionário causado pela pandemia e pela guerra da Rússia contra a Ucrânia.

• Nos EUA, as pressões inflacionárias não dão trégua: em junho, o Índice de Preços ao Consumidor atingiu 9,1% no acumulado em 12 meses, com alta generalizada dos preços. O mercado de trabalho ainda está muito forte, com os salários em alta, pressionando a inflação de serviços. Esse quadro inflacionário tem preocupado os membros do FOMC, e os discursos mostram não apenas a intenção de se manter o ritmo de aperto monetário de 75 p.b., mas também que a possibilidade de um aperto de 100 p.b. não está descartada.

• Na América Latina, o ciclo de aperto monetário continua avançando, e tende a ser reforçado pelo fato de a atividade econômica vir surpreendendo para cima, o que contribui para um ambiente mais inflacionário também. A melhora na atividade deve ser transitória. Assim, mesmo que em alguns países da região o desempenho da atividade tenha sido melhor que o esperado no início de 2022 – em parte ajudado por termos de troca mais altos, pela reabertura da economia, pelo uso de poupança acumulada durante a pandemia e por mais estímulos fiscais –, as perspectivas futuras são bem negativas.

• No Brasil, o cenário não tem sido muito diferente. As previsões também sinalizam uma forte desaceleração da atividade em 2023. Mas, no curto prazo, esta tem surpreendido para cima, com destaque para o setor serviços e para a geração de emprego. Com isso, o Boletim elevou a previsão de crescimento do segundo trimestre, em relação ao primeiro, de 0,4% para 0,8% (TsT). No entanto, é importante ressaltar que o PIB do segundo trimestre foi positivamente favorecido pelas medidas de antecipação do 13º de aposentados e pensionistas e pela liberação de FGTS. Portanto, com a inflação muito elevada, e sem novas liberações de fundos, a tendência seria o terceiro trimestre registrar uma expressiva desaceleração do crescimento do consumo das famílias. 

• Dada a aproximação das eleições, tudo indicava que novas medidas para a sustentação da renda (e do consumo) seriam elaboradas. A grande questão era como desenhar essas políticas, com aumento expressivo nos gastos públicos, mas sem elevar a percepção de risco dos agentes. Como em outros momentos, apesar de o teto continuar existindo formalmente no texto da Constituição, na prática ele perdeu muito de sua credibilidade, com impactos negativos para a atividade à frente.

• Medidas de redução temporária de tributos que foram implementadas reduzem expressivamente a inflação no ano corrente, com destaque para o terceiro trimestre, mas geram uma inflação mais elevada no ano que vem, que está no horizonte relevante para a política monetária. Nesse contexto, as expectativas de inflação para 2023 continuam se deteriorando. 

• A piora do quadro fiscal e das expectativas inflacionárias pressiona ainda mais as taxas de juros de mercado. O esforço fiscal deveria estar na lista de prioridades do novo governo, pois uma das principais questões na política econômica será como garantir a sustentabilidade da dívida em um contexto em que a taxa de juros ficou mais elevada, elevando os gastos públicos com juros, e que o teto de gastos perdeu muito de sua função, mas a pressão por mais gasto do social se intensifica. 

• As perspectivas de crescimento para 2022 passaram de 0,9% para 1,7%. No entanto, foi revista para baixo a previsão de crescimento para 2023, de +0,4% para -0,3%. 

• Os índices de confiança empresarial e do consumidor encerraram o segundo trimestre em alta. Mesmo com resultados favoráveis, a prévia de julho sinaliza uma possível desaceleração no segundo semestre. Os efeitos dos incentivos são temporários, e em parte absorvidos pelas dívidas das famílias, não se revertendo em elevação mais significativa do consumo de bens e serviços. O setor de serviços, que vinha se restabelecendo, indica desaceleração e gera preocupação sobre a continuidade da recuperação do mercado de trabalho. Além do ambiente macroeconômico desafiador, a aproximação do período eleitoral deve tornar mais incerta a trajetória da confiança nos próximos meses.

Índices de Confiança Empresarial e dos Consumidores
(Com ajuste sazonal, em pontos – Em vermelho os dados prévios de junho)


Fonte: FGV IBRE.

• A redução do ICMS sobre os combustíveis imporá trégua à inflação, mas está longe de resolver todos os problemas. A elevação dos preços está disseminada. Segundo o Monitor da Inflação Oficial, o índice de difusão mostra que 70% dos componentes do IPCA ainda estão subindo. Os núcleos de inflação também mostram como os preços estão persistentemente em elevação. A economia mundial atravessa período conturbado, embalado por gargalos nas cadeias produtivas, guerra, Covid-19 e aceleração da inflação. 

Leia a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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