Inflação de combustíveis: medidas de controle podem ser custosas adiante, alertam pesquisadores do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia já se reflete nas expectativas de crescimento e inflação das principais economias mundiais, e a extensão de seus impactos no Brasil foi debatida no I Seminário de Análise Conjuntural do FGV IBRE. No evento online – promovido em parceria com o Estado de S. Paulo com moderação de Adriana Fernandes, repórter especial e colunista do jornal –, os pesquisadores do FGV IBRE foram cautelosos em dosar as cores de um cenário já preocupante para o crescimento e a inflação no país. 

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, destacou no webinar que, no campo da atividade, a expectativa para o Brasil este ano já era de recuo em vários setores mesmo antes da guerra. O destaque são aqueles relacionados ao ciclo econômico, sensíveis ao aperto da política monetária. “Mesmo a atividade da construção, que este ano ainda poderá se manter em terreno positivo, será impactada. Mas a tendência geral para as atividades que dependem de crédito, geração de renda e inflação baixa é de desempenho negativo em 2022”, afirmou. 

Para Silvia, mesmo com o foco do governo em atenuar o aumento do preço dos combustíveis, será inevitável maior pressão inflacionária, que tende a se disseminar pela economia como um todo. O relatório Focus desta segunda (14/3) aponta um aumento da projeção para o IPCA de 2022 para 6,45%, o que coloca a inflação 1,45 ponto percentual acima do teto da meta estipulada pelo Banco Central para este ano, de 5%. No evento, Silvia também destacou a inflação dos alimentos, que deve fechar o ano em terreno mais alto do que o inicialmente esperado – lembrando de estimativas que já apontam a 8% –, impactando especialmente a camada de mais baixa renda, para a qual o peso desses produtos é maior dentro da cesta de consumo. Apesar dessa influência negativa, Silvia ressalta, entretanto, que é preciso ponderar como a evolução da guerra influenciará as demais variáveis de risco. “Em geral, a tendência é de maior volatilidade, especialmente para economias emergentes. No caso do Brasil, entretanto, também temos que levar em conta que se trata de uma economia com baixa exposição direta aos países em conflito, o que pode favorecer a atração de fluxos de capital internacionais”, diz. Além disso, a economista do IBRE lembrou que a alta do preço de commodities comercializadas pelo Brasil também tem seu lado favorável – entre eles, a receita com royalties do petróleo e o câmbio. Ela lembra que a valorização do real observada nas últimas semanas indica uma volta ao comportamento padrão do qual a moeda havia fugido desde o início da pandemia, quando mesmo diante da alta de preços das commodities, depreciou-se frente ao dólar. “Também temos um bom nível de reservas internacionais, e o balanço das empresas também indica uma situação favorável”, completa – indicando que, por ora, a projeção do FGV IBRE para o PIB de 2022 se mantém em 0,6%, como divulgado no Boletim Macro de janeiro. 

O webinar ocorreu na manhã em que a Petrobras anunciou o mais recente reajuste de preço para os  combustíveis – 18,8% na gasolina, 24,9% no diesel e 16,1% no gás de cozinha. Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, lembrou que esse aumento, apesar de não representar uma recomposição total de preço em relação à variação internacional, chega na contramão da expectativa inicial para este ano, de que os combustíveis seriam grandes colaboradores para a queda do IPCA. Mas que, diante da disparada do preço do barril, seria natural uma reversão dessa estimativa. “Dois anos atrás, na eclosão da pandemia, o barril de petróleo chegou à casa dos US$ 20 (o menor preço médio do Brent foi em abril de 2020, de US$ 23,24). Frente aos US$ 130 em que chegou, são 6 vezes mais, um choque muito forte. Sem contar o câmbio, que em 2020 estava na casa de R$ 4,20.”  O aumento anunciado pela Petrobras acelerou a tramitação no Congresso para aprovação do PLP 11, que foi aprovado na madrugada de quinta para sexta.  Entre outros pontos, o PLP prevê que o ICMS passe a ser cobrado em valor único por litro de combustível – atualmente, é calculado sobre um percentual do preço na bomba – de forma única: sobre o preço na refinaria ou de importação. Isso causou uma grita dos estados por perda de arrecadação que consideram pouco eficaz para redução de preços ao consumidor, como defendeu ao Blog da Conjuntura Econômica André Horta, diretor do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda de Estados e Distrito Federal (Comsefaz), no início de fevereiro. O PLP 11 também concede isenção de PIS e Cofins sobre cdiesel, biodiesel, querosene de aviação e GLP em 2022. O governo também prevê atuar com base em subsídios; entre as possibilidades está a aprovação do PL 1472/21, que prevê a criação de uma Conta de Estabilização para o Preço dos Combustíveis, alimentado por recursos de dividendos da Petobras, royalties e bônus de exploração e produção de petróleo, que ajudaria a manter o preço dos combustíveis dentro de um limite de variação, e que também poderia financiar auxílios de gasolina e para o gás à população de baixa renda, previstos no PLP 11, ainda pendentes de abertura de espaço no Orçamento. 

No evento, tanto Castelar quando José Júlio Senna, chefe do centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, ressaltaram que políticas como precisaram contar com um cálculo apurado que diferenciasse o caráter transitório do permanente dentro dessa atual alta de preços. Ao não fazê-lo, aponta Castelar, corre-se o risco de gerar um problema adiante que seria evitável caso essas escolhas de política fossem menos motivadas pelo calor dos acontecimentos. Ele lembra que voltar atrás em medidas temporárias de isenção de impostos é difícil e que, no caso de políticas de subsídio, o melhor seria concentrá-las na cesta de consumo de baixa renda, através do Auxílio Brasil – caso contrário, a tendência é gerar distorção de demanda. “O problema é que, tal qual acontece hoje nos Estados Unidos, parte dessa motivação no Brasil não tem a ver com eficiência econômica, mas com as eleições”, diz, referindo, no caso dos EUA, às eleições de meio de mandato que acontecem em novembro que podem reconfigurar o perfil do Congresso de forma desfavorável ao presidente Joe Biden. 

Para Senna, parte do movimento de preços do setor energético em geral tende a ter caráter permanente, fruto do empenho observado em vários países por uma transformação na matriz para conter o impacto dos efeitos climáticos, que tem resultados, nos últimos anos, em redução dos investimentos na expansão da produção de energia fóssil. “Do meu ponto de vista, uma transição sem mudança expressiva de preços relativos de fontes de energia é impossível, pois é necessário estímulo de preço para que os inovadores corram atrás de novas tecnologias voltadas a uma geração mais limpa. E investimentos mais contidos na prospecção e exploração de petróleo tendem a influenciar o preço dos combustíveis”, diz Senna, indicando que,  passado o choque da guerra, esses preços não voltem completamente ao nível anterior. 

No evento, Senna ressaltou que, apesar dessa nova frente de pressão de preços, não identifica risco de descontrole inflacionário. “Nosso regime de metas de inflação tem se mostrado bem poderoso. Em alguns episódios passados, quando o BC afrouxou demais, a inflação não saiu do controle, pois o mercado entende que cedo ou tarde a autoridade monetária a trará para a meta”, diz. “Mas precisamos lembrar que a tarefa de manter a inflação sob controle em qualquer país do mundo, principalmente os emergentes, não é só da autoridade monetária, mas do governo como um todo”, ressalta. “Especialmente no Brasil, com um histórico de inflação elevada e tendência a expansão fiscal. E, a despeito de uma melhora das contas públicas no curto prazo, a postura do Executivo e Legislativo não tem sido de austeridade fiscal.” 

Castelar também considera que a inflação não é tema para alarme excessivo, mas que é preciso acomodar as expectativas para encarar que a convergência desta à meta vai demorar um pouco mais. “Teremos inflação alta por mais tempo, e uma Selic que provavelmente passará dos 13% em 2022”, diz. Pelo lado meio cheio do copo, Castelar lembra que os fundamentos da economia brasileira estão funcionando, com superávit primário chegando a 1,25% em 12 meses fechados em janeiro, e queda da dívida em proporção do PIB. “Ainda que leve mais tempo, não existem dúvidas de que a inflação cairá em algum momento; as contas externas estão confortáveis, ainda mais com as commodities em alta. E existe espaço para  o dólar cair abaixo de R$ 5”, diz. Para Castelar, isso indica que o principal desafio do país continua sendo o do crescimento. “Em termos de elasticidade do emprego, este ano poderemos ver um resultado melhor, pois os serviços tenderão a se recuperar. Mas a questão que se coloca é se, passados os choques da pandemia e da guerra, conseguiremos crescer em um patamar mais forte”, diz. Para Castelar, o espaço para expansão da atividade em 2023 é positivo, e que cada vez mais o debate deveria se concentrar em como explorar esse potencial da melhor forma possível. 


Reveja o I Seminário de Análise Conjuntural FGV IBRE / Estadão de 2022

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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