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A precária interação da iniciativa privada com as universidades

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Nos países desenvolvidos, há uma grande interação entre a iniciativa privada e as universidades. O conhecimento desenvolvido pelos acadêmicos de diversas áreas é aproveitado pelas indústrias no desenvolvimento ou aprimoramento de projetos e produtos. São tecnologias de ponta que emergem de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), turbinados pelas empresas em busca de eficiência, qualidade e competividade de seus produtos, sempre com o apoio de parcerias com as principais universidades.

Com o avanço da tecnologia, nesse mundo cada vez mais digital, novos cursos têm sido formados voltados para um futuro que bate às nossas portas, dominado pela tecnologia de ponta. Quem não acompanhar essa avalanche estará fora do jogo num curto espaço de tempo.

Aqui no Brasil, ainda engatinhamos nessa seara, embora ao longo dos últimos 60 anos o país tenha avançado consideravelmente – de 1% do PIB aplicado em P&D no final da década de 1990, pulamos para uma média de 1,3% no final de 2019 –, números superiores a países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como Irlanda, Itália, Espanha e Polônia, e bem próximo de países como o Canadá e o Reino Unido.

Mas qual a razão desses investimentos não serem revertidos em melhoria de nosso perfil industrial, com produtos de maior valor agregado e que ajudem a melhorar a nossa combalida taxa de produtividade, como tem mostrado o Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE?

É sobre esse tema que Paulo Negreiros Figueiredo, professor titular da FGV EBAPE, se debruça em artigo que estará circulando na próxima edição da revista Conjuntura Econômica, onde pontua que o Brasil tem se colocado, ao longo da última década, “entre as 10 economias que mais investem em P&D. São valores superiores aos de Dinamarca, Suécia, Suíça, Holanda e Israel”.

Um dos problemas que Figueiredo aponta como trava de uma maior interação entre a iniciativa privada e o mundo acadêmico é que “mais de 50% desse investimento do Brasil em P&D estão concentrados no setor público. Nos países da OCDE, o setor privado responde, em média, por mais 60% do dispêndio nacional em P&D, enquanto na China e Coreia do Sul essa proporção atinge 70%”.

Esse retrato tem resultados nefastos sobre a economia, mesmo com o aumento dos dispêndios do Brasil em P&D nos últimos anos, com o país caindo 29 posições no índice Global de Inovação (IGI). E mais: entre os países de renda média, temos o pior resultado em termos de taxa de eficácia do Índice Global de Inovação (IGI), que mede o quanto de resultado vindo das inovações o país obtém em relação aos seus insumos.

Em seu artigo, Figueiredo pontua outras distorções que o baixo nível de investimentos traz para o país:

• Na Pesquisa de Inovação do IBGE (Pintec), das empresas que inovam no Brasil, a maioria implementa inovações básicas e suas interações com universidades e institutos de pesquisa são fracas ou inexistentes. Isso mantém a produtividade de nossa economia em níveis pífios.

Veja: Boas a más notícias que os estudos sobre a produtividade brasileira revelam.

• O Brasil possui aproximadamente 600 organizações relacionadas à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Nas últimas três décadas, tem havido no Brasil um número crescente de políticas públicas de CT&I, em níveis federal, estadual e municipal. Em nível federal, esse número aumentou de 10 para 36, de 2000 a 2020. A maioria delas se baseia em incentivos fiscais.

• Formamos em média mais de 20 mil doutores por ano, superando os números de França e Japão. Porém, grande parte desses doutores formados no Brasil é absorvida pelo próprio sistema acadêmico que os forma ou por países desenvolvidos ou, simplesmente, subutilizada. O emprego desses pesquisadores pela indústria no Brasil é insignificante, contrariamente ao que ocorre nas economias avançadas

• A despeito do número de doutores e publicações científicas, a taxa média de crescimento do número de registros de patentes por brasileiros no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) nos últimos 20 anos tem sido menos que 1%. O número de pedidos de registros de patentes do Brasil nos Estados Unidos evoluiu de 10, em 1996, para 391, em 2017, enquanto o da China avançou de 508 para 17.041, de 2000 a 2017.

• Durante os últimos anos, emergiu no Brasil uma profusão de debates, estudos, propostas e documentos governamentais sobre a necessidade de o Brasil inovar para crescer. Porém, na maioria dos discursos e iniciativas, o tema da acumulação de capacidade tecnológica em nível de empresas e indústrias tem sido surpreendentemente negligenciado, ainda que se trate de fonte primária para inovação e crescimento econômico. Por exemplo, nos debates sobre “reindustrialização” e “reforma tributária”, tidas como chave para o desenvolvimento socioeconômico nacional, a acumulação de capacidade tecnológica para inovação em empresas e seus ecossistemas não têm recebido atenção adequada.

• É imperativo o Brasil aumentar sua taxa de inovação para agregar mais valor e tecnologia de ponta à sua produção. Porém, as limitações fiscais e obstáculos estruturais, tais como os altos custos de transação e a oligopolização impõem limitações a novos investimentos em P&D, tanto em nível estatal como empresarial. Políticas de inovação eficazes contribuem para mitigar alguns desses problemas.

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Falta de verba, ameaça de suspensão do trabalho, resistência de muita gente em receber os recenseadores, atraso devido à pandemia. Esses foram os desafios que o Censo 2022, que o IBGE começou a divulgar esta semana, enfrentou. E os primeiros dados trouxeram a surpresa de sermos bem menos do que estava estimado: a população brasileira é de pouco mais de 203,1 milhões de pessoas, cerca de 5 milhões a menos do que os 207,7 milhões previstos.

Os números também mostraram que ainda estamos em uma transição demográfica, ou seja, tem mais pessoas trabalhando do que crianças e aposentados, o que vai mudar nos próximos anos: a população vai envelhecer e iremos ficar presos na armadilha da renda média, não conseguindo galgar o caminho da renda alta. A razão para isso é que nosso mercado de trabalhado ainda é bastante fragilizado, com alta informalidade, baixa remuneração, educação ainda de má qualidade.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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