Demanda chinesa faz exportações brasileiras darem salto em novembro. Bom presságio para 2023? Dois pontos a considerar

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O Indicador de Comércio Exterior do FGV IBRE  divulgado na semana passada apontou uma melhora significativa na balança comercial brasileira, com um saldo de US$ 6,7 bilhões em novembro, maior resultado para o mês e no acumulado do ano até novembro registrado na série histórica, iniciada em 1998. No acumulado do ano até novembro, o saldo comercial somou US$ 57,7 bilhões - acima do estimado pelo Ministério da Economia em outubro. Para alcançar o resultado de 2021, entretanto, de US$ 61 bilhões, ainda será preciso emplacar um saldo em torno dos US$ 4 bi em dezembro. A projeção do FGV IBRE, registrada no Boletim Macro de dezembro, é de que a balança brasileira feche 2022 com superávit de R$ 59 bilhões.

O motivo desse impulso foi a China. Da mesma forma que durante o ano os chineses levaram o Brasil a revisar suas perspectivas de venda externa para baixo, em função da queda de volume contratado - efeito parcialmente compensado pelo aumento de preços -  também foram eles os responsáveis por essa disparada no mês. O superávit da balança bilateral Brasil-China passou de US$ 500 milhões para US$ 2,1 bilhões.

No acumulado do ano, entretanto, a contribuição da China para as exportações continua negativa em termos de volume. Na comparação entre o acumulado do ano até novembro de 2021 e 2022, aponta o Icomex, a queda no volume exportado foi de 5,7%, enquanto para todos os outros mercados a variação foi positiva. As maiores variações positivas nesse período são com a União Europeia, com 16,7%, e Argentina, com 12,7%.

Seria esse impulso de final de ano um bom presságio para as relações comerciais entre China e Brasil em 2023? Pesquisadores do FGV IBRE sugerem duas ponderações importantes antes de se embarcar numa onda de otimismo. Lia Valls, coordenadora do Icomex, ressalta que o resultado de novembro, contraposto ao mesmo mês de 2021, é fortemente influenciado pelo mau desempenho do ano passado, devido à proibição feita pelo governo chinês de importações de carne bovina do Brasil - quarto principal produto vendido pelo país em novembro deste ano, no agregado -, que durou de setembro a meados de dezembro. Em termos de valor, as vendas externas de carne bovina registraram um aumento de acima de 23.000 % em relação ao mesmo período de 2021. “Não se pode garantir uma variação dessa mesma ordem adiante”, ressalta Lia. Outro destaque registrado este ano foi a variação do valor do petróleo bruto, 127% acima do registrado em novembro do ano passado. Apesar desse forte resultado, observando evolução dos preços de exportação desde 2021, fica claro que no agregado dos produtos exportados para a China a tendência já não é mais de ganhos expressivos como os registrados no ano passado.

Variação (%) nos índices de volume e preços das exportações brasileiras para a China


Elaboração: FGV IBRE. Base ICOMEX. Fonte: Secretaria de Comércio Exterior/Ministério da Economia.

Outro ponto que deve ser levado em consideração ao se analisar a economia chinesa é que, apesar do cavalo de pau que o governo chinês deu em sua política de Covid zero no início de dezembro  ter animado o mercado, o curto prazo ainda promete ser desafiador para o país. Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE, sócio da BRCG, ressalta que a falta de planejamento da decisão  - provocada em grande medida pelo aumento de manifestações contrárias à política de lockdowns rigorosos - está provocando um agravamento do quadro sanitário no país, o que também reflete erros de política do governo, ao não acelerar a busca por novas tecnologias de imunizantes e fortalecer a estrutura de saúde do país, depois de três anos de pandemia. Com a estimativa de pesquisadores de que a China poderá contabilizar 1 milhão de mortos por Covid-19 em 2023, fica claro que a estratégia chinesa ficou excessivamente concentrada no isolamento populacional a todo custo. “Já se observa a tendência de auto isolamento entre os chineses, e a desorganização dessa conjuntura tampouco colabora para a recuperação da demanda no país”, diz.     

Para Ribeiro, a tendência inicial do mercado de tratar de forma otimista o final da política de Covid zero subestimam esse impacto social que já se observa no país asático. “É preciso ressaltar que, antes da melhora, haverá piora adicional, com desorganização produtiva e pressão sanitária, logística, econômica, tornando o curto prazo mais negativo”, afirma Ribeiro. O pesquisador também ressalta uma possível superestimação, pelo mercado, dos efeitos que o fim dessa política de isolamento pode fazer para impulsionar uma economia que, afirma, pode ter problemas mais sérios e persistentes. “A notícia sobre a decisão do governo de flexibilizar de vez sua política de isolamento levou o mercado a menosprezar os fracos resultados da economia chinesa em novembro, que podem reforçar a sinalização de problemas mais persistentes”, diz, apontando, entre outros, a fraca dinâmica da demanda e os sinais negativos no campo imobiliário e de crédito.

China: estimativas para PIB (%) continuam em queda


Fonte: BRCG.

Ribeiro ressalta que a desaceleração da produção em termos interanuais - com contração em setores como produção de cimento e geração de energia. O varejo real (deflacionado pelo IPC chinês) recuou -7,4% em termos interanuais em novembro, com queda interanual nominal de -5,9%. Esse resultado, aponta, foi preocupantemente disseminado tanto em bens como em alimentação. “Desde a eclosão da Covid em 2020, algo se quebrou no ímpeto de consumo chinês - e isso pode ter implicações que ultrapassam o desempenho dos dados no curto prazo”, reforça.

 


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