Cúpula de presidentes da América do Sul acontecerá em meio a falta de confiança na política econômica dos países, aponta Sondagem

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A Sondagem Ecnômica da América Latina do FGV IBRE divulgada nesta quarta-feira (24/5) traz um sinal de alerta para os líderes que se reunirão no próximo dia 30, em Brasília, na primeira cúpula de presidentes da América do Sul organizada por Lula. Ela mostra uma piora da avaliação da situação atual em 10 países latino-americanos analisados e, entre os principais PIBs sul-americanos, o principal problema apontado foi a falta de confiança na política econômica.

No agregado, o Indicador de Clima Econômico da América Latina (ICE) do segundo trimestre de 2023 registrou queda de 7,6 pontos, para 65,8 pontos. Esse resultado é fruto de uma piora concentrada no indicador que mede a situação atual, que caiu de 76,8 pontos no primeiro tri para 52,1 pontos no atual trimestre, enquanto o indicador que mede expectativas em relação aos próximos meses subiu 10,2 pontos, para 80,3. Para esta Sondagem, foram consultados 127 especialistas econômicos da região.

O Brasil é o país que mais perdeu na avaliação da situação atual entre os trimestres: 42 pontos. Para Lia Valls, pesquisadora associada do FGV IBRE responsável pela análise da Sondagem, esse resultado pode estar relacionado ao estremecimento das relações entre governo e Banco Central e as expectativas em torno da tramitação do novo arcabouço fiscal no Congresso, lembrando que a apuração da pesquisa se deu entre abril e início de maio. “Não houve qualquer choque externo ou piora nos indicadores econômicos que justificasse tal queda”. Na outra ponta, quem menos perdeu nesse quesito foi o Chile. Entre os fatores que podem justificar a maior resiliência chilena estão uma perspectiva melhor para a atividade - o que poderia tirar o país da perspectiva de crescimento negativo em 2023 - e o perfil mais conservador dos representantes eleitos para a nova assembleia constituinte, depois de uma tentativa frustrada com parlamentares de perfil predominantemente de esquerda e com agendas identitárias.

Índicador de situação atual x indicador de expectativas 
resultado - segundo trimestre de 2023

 

Variação (nº de pontos) entre 1º e 2º tri de 2023


Fonte: FGV IBRE.

O Chile também lidera entre os países que melhoraram sua pontuação no indicador de expectativas, com alta de 60 pontos. Nesse campo, é a Argentina que figura entre os países no extremo oposto, com queda de 41,3 pontos, perdendo apenas para o Equador, com -41,6 pontos. No caso da Argentina, pesa uma crise econômica em ano de eleição, com uma escalada inflacionária que em abril alcançou 108% na taxa interanual, com expectativas de mercado de fechar o ano com uma inflação de 126%. Já o Equador vive uma crise política que culminou, em meados de maio, na dissolução do Parlamento pelo presidente Guillermo Lasso - contra o qual avançava um processo de impeachment - e convocação de novas eleições. Até que estas ocorram - o que se estima que acontecerá em um prazo de três meses - o presidente deverá governar por meio de decretos-lei de urgência econômica, com aprovação prévia da Corte Constitucional.

Os especialistas consultados para a Sondagem revisaram para baixo a expectativa para o PIB de 2023 da maior parte dos países, com exceção da Argentina, para o qual a inversão de sinais foi notória: de crescimento de 1,2% para contração de 1%. Em alguns casos, a variação foi pequena, apontando mais a uma estabilidade. É o caso, por exemplo, da Colômbia e do Brasil que, respectivamente, perdeu e ganhou 0,1 ponto percentual em relação à projeção do primeiro trimestre. No caso do Brasil, a previsão dos especialistas é de crescimento de 1%, pouco acima da projetada pelo IBRE no Boletim Macro de maio.  

Previsão de crescimento (%) do PIB para 2023 - países selecionados 


Fonte: FGV IBRE.

Entre as particularidades da conjuntura de cada país, a Sondagem apontou uma mesma preocupação quanto às principais economias sul-americanas: a falta de confiança na política econômica. Este foi o problema mais citado em 5 de 9 países analisados - especialmente na Bolívia e Argentina, onde foi citado, respectivamente, por 92,3% e 86,7% dos especialistas consultados. No Brasil, esse item também foi o primeiro mais citado, por 64,3% dos analistas, seguido de infraestrutura inadequada e aumento das desigualdades de renda, empatados com 35,7% cada.

Um complemento interessante provido pela Sondagem é identificar o peso dos problemas citados para o crescimento de cada país, para os quais os respondentes tiveram que dar uma nota de 0 a 100. Medidos por intensidade, o ranking muda um pouco de figura. No caso do Brasil, por exemplo, a infraestrutura inadequada ficou em primeiro lugar, com 92,9 pontos, seguida de aumento de desigualdade de renda e falta de competitividade internacional, ambas com 85,7 pontos, e demanda insuficiente, com 78,6 pontos.

No Chile, o maior peso ficou com falta de confiança na política econômica e instabilidade política, ambos com 72,7 pontos. (A íntegra da pontuação do Brasil e demais países pode ser consultada no press release da Sondagem Econômica da América Latina).

Principais problemas do país 
(% de citações entre o total de entrevistados


Fonte: FGV IBRE.

Para Lia, é difícil imaginar que a cúpula promovida por Lula mude significativamente a percepção dos analistas econômicos. “Em geral, alimentam-se muitas dúvidas em relação a iniciativas de integração regional. A avaliação preponderante é de que em tais instâncias predomina o viés ideológico”, afirma. Mas há outros atores que não olham esse potencial com o mesmo ceticismo, destaca Lia, defendendo que isso precisa entrar para o radar dos governos e do mercado. “Por exemplo, a União Europeia está preparando um pacote de investimentos para a região, buscando se firmar como liderança multipolar, buscando reduzir a influência chinesa”, destaca. Para ela, um caminho virtuoso que poderia sair desse encontro seria planejar instrumentos que sinalizem a colaboração entre os países para avançar na agenda da transição energética, bem como a recuperação da agenda de integração física, que ainda não avançou como se gostaria. “Além, claro, da confirmação do compromisso com a democracia, que também é um valor importante para os investidores que buscam oportunidades na região”, conclui.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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