Boas e más notícias que os estudos sobre a produtividade brasileira revelam

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Nos últimos dias, estudos do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do FGV IBRE, foram destaque na mídia com dados frescos sobre a produtividade no Brasil. Divididos em dois grupos principais, ambos trazem tanto notícias positivas quanto dados preocupantes.

A primeira notícia, destacada pelo Valor Econômico em reportagem e na coluna Opinião (acesso restrito a assinantes do jornal), é de que a produtividade brasileira subiu 1,3% no primeiro trimestre de 2023 em relação ao primeiro tri de 2022, na métrica que considera horas efetivamente trabalhadas. Foi a primeira alta desde o segundo trimestre de 2021, quando se interrompeu o ciclo de aumento de produtividade provocado pelo afastamento de trabalhadores informais e menos produtivos do mercado de trabalho, devido às medidas de isolamento social para controle da pandemia. Com esse resultado, a produtividade efetiva, que estava abaixo da observada pré-Covid, passou a ficar 1,4% acima.

Taxa de crescimento da produtividade por hora efetivamente trabalhada 
% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior

 

Taxa de crescimetno da produtividade efetiva por setor 
% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli . Elaboração FGV IBRE com dados das Contas Nacionais e da Pnad Contínua (IBGE).

O problema identificado pelos pesquisadores do Observatório é que esse salto não reflete um ganho estrutural disseminado. Eles indicam que, tal como aconteceu com o PIB do período, esse resultado deveu-se ao setor agropecuário. Mesmo sendo uma atividade que emprega poucas horas de trabalho quando comparada a outras – ocupa 8,5% das horas trabalhadas contra 70% dos serviços, por exemplo – a produtividade efetiva do agro registrou um crescimento tão expressivo, de 23,5% no primeiro trimestre comparado ao mesmo trimestre de 2022 – nesse período, a produtividade da indústria cresceu 0,6% e, a de serviços, recuou 1,1% –, que foi capaz de fazer muita diferença no resultado agregado. Sem o agro, afirma Fernando Veloso, coordenador do Observatório junto a Silvia Matos, a produtividade efetiva teria registrado queda de 0,8%.

O crescimento do valor adicionado da agropecuária no primeiro trimestre foi de 18,8% em comparação ao primeiro tri de 2022. Nesse período, a população ocupada no agro recuou 5,2% e as horas efetivas caíram 3,8%. Como destacou Veloso ao Valor, foi “menos gente trabalhando, menos horas e o produto explodindo. Isso é produtividade na veia”. Os pesquisadores do Observatório que situação semelhante aconteceu no primeiro trimestre de 2017, quando a produtividade brasileira por hora efetiva registrou alta de 2,6%, ajudada pelo aumento de 28,5% da produtividade do agro. Tal como naquele episódio, Veloso considera que a tendência é de que esse ganho seja revertido ao longo do tempo.

Índice de Capital Humano (ICH) – Brasil – Anos selecionados
(Número índice: 1995 = 100)


Fonte: Elaboração pesquisadores do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, com base nos microdados da PNAD e da PNAD Contínua.

Novo índice

Outra frente de notícias sobre a produtividade brasileira chegou com o lançamento de um novo indicador, o Índice de Capital Humano (ICH) trimestral, que o Observatório anunciou em primeira mão no Valor. O ICH é construído com base na diferença entre o crescimento das horas trabalhadas de grupos de trabalhadores com diferentes combinações de escolaridade, experiência e gênero (ponderado conforme a participação de cada grupo na massa salarial total estimada) e o crescimento do total de horas trabalhadas. Ele foi criado pelos pesquisadores Fernando Veloso, Janaína Feijó, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Ana Paula Ruhe através da adaptação da metodologia adotada por organizações internacionais como o Conference Board, o Bureau of Labor Statistics (BLS) dos Estados Unidos e o Office for National Statistics (ONS), do Reino Unido,  para a mensuração do capital humano do fator trabalho.

O ICH cobre anualmente o período de 1995 a 2022, permitindo capturar movimentos estruturais da qualidade da mão de obra brasileira. Nesse período de 27 anos, o ICH registrou crescimento médio de 2,2% ao ano, graças ao aumento de escolaridade e experiência dos trabalhadores dentro da população ocupada, além de mudanças de composição em favor de grupos mais qualificados, como aconteceu durante a pandemia. Veloso destaca que, mesmo com todos os problemas que o ensino no Brasil sofre, há um ganho incontestável nas últimas décadas – tema da Conjuntura Econômica de maio (leia aqui).

Ao aplicar essa evolução do capital humano dos trabalhadores identificada pelo ICH nas medidas de eficiência da economia (PTF) calculadas pelo Observatório – das quais participam também os pesquisadores Silvia Matos e Paulo Peruchetti –, observa-se um aumento significativo do papel do fator trabalho nessa medida. Os pesquisadores mostram que, enquanto o fator trabalho sem ajuste teve crescimento anual médio de 1,31% entre 1995 e 2022, o crescimento médio ao ano do fator trabalho ajustado pelo capital humano no mesmo período foi de 3,51%.

Mas essa boa notícia também traz um dado preocupante. Ao se calcular a evolução da PTF ajustada pelo ICH, ou seja, considerando a incorporação desse aumento do capital humano (ganhos de conhecimento e experiência) no fator trabalho, a evolução da PTF passa a ser negativa, com uma queda média de 0,88% no período de 1995 a 2022. Sem o ajuste, essa evolução da PTF era baixa, mas ainda estava no terreno positivo, com crescimento anual médio de 0,4% no período.

Veloso diz que esse resultado ressalta a importância do estudo do ICH para a medição da produtividade brasileira. E que mostrou, por vez, lados mais cheios e mais vazios desse copo da eficiência econômica brasileira. Se por um lado o ICH traz a boa notícia de uma força de trabalho mais escolarizada, beneficiando a produtividade, também dá indícios de que outras variáveis que compõem a PTF, como adoção tecnológica, devem estar piores do que se estima.

Fator Trabalho Ajustado pelo Capital Humano. Número-índice (1995 = 100)
Série Histórica Anual – Anos Selscionados - 1995 a 2022


FONTE: Observatório da Produtividade Regis Bonelli, Elaboração com base nos microdados da PNAD e da PNADC.

 

Evolução da PTF – Anos selecionados. Brasil. (Número índice: 1995 = 100)


Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli, Elaboração dos autores com base nos microdados da PNAD e da PNAD Contínua, das Contas Nacionais e da Sondagem Industrial do FGV IBRE.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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