“Adversários poderia tê-los, mas inimigos nunca”

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

A frase, das muitas que marcaram a vida de Marco Maciel, sintetiza a sua longa trajetória política marcada pelo perfil conciliador e constante diálogo. O livro O estilo Marco Maciel, do jornalista Magno Martins, lançado no último dia 24 de agosto na Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, resgata, em minúcias, a trajetória desse pernambucano, nascido em 1940, quinto filho de nove filhos que seus pais tiveram.

Em mais de 50 anos de atividade política, uma de suas marcas era a incrível capacidade para o trabalho. Acordava os auxiliares de madrugada para despachar. Alto e muito magro, quase não comia, ganhou o apelido de “mapa do Chile”. Seu gosto pela política veio do berço. Seu pai foi prefeito de Recife e deputado federal, além de secretário estadual da Fazenda.

Foi na escola que sua trajetória política começou. Aos 17 anos, guindou à presidência do Diretório Acadêmico do Colégio Nóbrega. Entrou no curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, onde foi presidente do Diretório Central Estudantil, chegando à presidência da União dos Estudantes de Pernambuco, em 1963, um ano antes da deposição do presidente João Goulart pelos militares.

Com perfil conservador, extremamente religioso, Maciel acabou rompendo com a União dos Estudantes, onde predominavam posições mais à esquerda. Começava aí a sua importante trajetória política: filiou-se à Arena, partido que dava sustentação ao governo militar, passando a alçar voos maiores: mudou-se para Brasília quando foi eleito deputado federal, em 1970, reconduzido em 1974, assumindo a presidência da Câmara, por dois anos, isso em março de 1977.

O primeiro teste de fogo veio quando Ernesto Geisel decreta recesso no Congresso: Câmara e Senado ficam fechados por 14 dias. Quando as atividades são reabertas, Marco Maciel faz um discurso que Magno Martins reproduz um pequeno trecho:

O fato de voltarmos a nos reunir após a interrupção que acabamos de sofrer no Poder Legislativo vem demonstrar que é essencial a prática do regime democrático, a existência e a atuação das casas de representação política.”

Na época do que ficou conhecido como governadores biônicos, que não eram eleitos pelo voto, mas indicados pelo regime militar, Geisel indicou Maciel para governar Pernambuco, em 1978.

Mas foi em Brasília que sua trajetória política ganhou projeção. Durante 20 anos foi senador da República. O primeiro mandato inicia-se em 1982, pelo Partido Democrático Nacional (PDS), sigla surgida com o fim da Arena, extinta com o início do restabelecimento do regime democrático e do pluripartidarismo.

Na complexa transição democrática, Maciel teve seu nome cotado para suceder João Figueiredo, na volta dos civis ao poder. Foi contra a indicação de Paulo Maluf, uma escolha dos militares para concorrer à Presidência, fazendo parte do grupo dissidente, conhecido como Frente Parlamentar, que iria apoiar a candidatura das forças oposicionistas ao regime militar. Apoiou a candidatura de Tancredo Neves, na última eleição indireta para presidente. Tancredo Neves venceu Maluf por ampla margem no Colégio Eleitoral (480 a 180 votos), mas não chegou a assumir. No dia 14 de março, véspera de sua posse, foi internado. José Sarney, seu vice, assumiu interinamente. Após uma série de complicações, Tancredo morre em São Paulo no dia 21 de abril. Sarney se mantém no cargo até 15 de março de 1990.

Marco Maciel foi um dos fundadores do Partido da Frente Liberal (PFL), uma dissidência do PDS, partido de grande força política no cenário nacional da época. Maciel foi indicado para assumir o Ministério da Educação, passando, em 1986, a chefiar a Casa Civil, onde permaneceu até 1987, quando regressou ao Senado.

Em 1994, num acordo com o PSDB, foi vice na chapa encabeçada por Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro das Relações Exteriores e da Fazenda no governo de Itamar Franco. Cacifado por ter conduzido com sua equipe a elaboração do Plano Real, que ceifou a inflação galopante no País, FHC, como é conhecido, venceu as eleições no primeiro turno, com 54,28% dos votos, derrotando Luiz Inácio Lula da Silva. Em 1998, se reelegeram, também no primeiro turno, com 53,06% dos votos válidos, derrotando, uma vez mais, Lula.

Descrito como “vice dos sonhos” por FHC, Marco Maciel só teve uma derrota política em sua longa trajetória, em 2010, quando concorreu ao Senado por Pernambuco. Com a derrota, saiu da vida política.

Além de político, se destacou como escritor, sendo eleito para a cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras, substituindo Roberto Marinho. Escreveu os livros Ideias Liberais e Realidade Brasileira, de 1984; Educação e Liberalismo, e Liberalismo e Justiça Social, ambos de 1987.

Aos 73 anos, Marco Maciel foi diagnosticado com Alzheimer, quadro que foi se agravando. Em março de 2021 contraiu Covid-19, sendo hospitalizado. Voltou ao hospital em junho, com infecção generalizada, morrendo em 12 de junho, em Brasília, onde morava.

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Bacharel em jornalismo com pós-graduação em Ciências Políticas, Magno Martins milita no jornalismo há mais de 40 anos. Foi presidente do Comitê de Imprensa da Câmara dos Deputados e passou pelas redações do Globo, Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Diário de Pernambuco, Agência O Globo e Folha de Pernambuco. Autor de vários livros, entre eles, O Nordeste que deu Certo, Reféns da Seca e Histórias de Repórter. É âncora da Rede Nordeste de Rádio, formada por 42 emissoras em quatro Estados do Nordeste.

 


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