Setores têxtil e de calçados apontam maior digitalização em seus mercados e expectativa de recuperação
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
A maior digitalização da economia estimulada pelas limitações de convívio impostas pela Covid-19 é um dos fatores de maior peso quando se trata de pensar no mercado de trabalho pós-pandemia. No caso do setor industrial, essa tendência não se refletiu tanto na linha de produção, mas mudou significativamente os canais de vendas, como apontam líderes dos setores calçadista e de têxteis e vestuário.
“Embora o processo produtivo do calçado seja intensivo em mão de obra, existe um incremento da utilização de tecnologias na atividade de acordo com os preceitos da Indústria 4.0. Mas esse processo não tem relação direta com a pandemia, e sim com ampliar a competitividade do setor”, diz Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados. Já do portão da fábrica para fora, a digitalização ganhou força para mitigar as restrições com a crise sanitária. Além das ferias comerciais e rodadas de negócios realizadas pela internet, o setor desenvolveu plataformas digitais para facilitar a conexão entre marcas e lojistas, como a Calçados Brasil, e aderiu a plataformas digitais internacionais para exportação, como a Joor e a Blanc Fashion.
Em 2020, o setor calçadista registrou uma queda de 18,4% na produção, devido ao forte impacto no varejo físico doméstico, que responde por 85% das vendas de calçados brasileiros. “Este ano, esperamos crescer 12%, o que significa que só deveremos recuperar as perdas em 2022 – isso diante de um cenário ideal, com população vacinada, controle das novas cepas e o retorno da normalidade”, afirma.
No setor têxtil e de confecção, a tendência se repete. Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), afirma que majoritariamente a produção têxtil brasileira já é mais intensiva em tecnologia e capital do que trabalho, mas que o setor de confecção ainda avança nesse processo. “Há obstáculos para uma automação mais acelerada, mas já estamos vendo avanços na indústria 4.0 na área de acabamento e corte, peças de malha sendo fabricadas sem costura. Certamente isso tende a evoluir”, diz. A adoção tecnológica motivada pelas limitações com a pandemia, entretanto, se deu na área de comercialização, tanto entre empresas (B2B) quanto empresas-consumidor (B2C). “De uma hora para outra, mais de 140 mil pontos de venda
voltados à comercialização de vestuário ficaram fechados, por vezes por mais de 90 dias fechados, voltando lentamente. Foi fundamental o avanço de marketplaces, a busca por chegar ao consumidor por outros métodos”, diz. Pimentel considera que a experiência nas lojas físicas ainda será importante para as vendas do setor, especialmente no caso das grandes marcas, mas que o aumento da digitalização na relação com fornecedores e consumidores tenderá a permanecer. “Isso continuará, pois viabiliza menores custos, mais assertividade no desenvolvimento de coleções, e uma série de outras vantagens competitivas”, diz.
Pimentel considera que a indústria têxtil fechará o ano com ganhos em relação ao final de 2019. No caso dos segmentos de confecção de artigos de vestuário e o varejo, a estimativa é que empatem, ou ao menos se aproximem do nível pré-pandemia – ressaltando o impacto que a segunda onda provocou para essas atividades no início do segundo trimestre. Na perspectiva de longo prazo, ressalta a necessidade de o setor buscar ganhos de produtividade de forma recorrente. “Consideramos que teremos que conviver com a
pandemia ainda por mais tempo, o que significa a manutenção de protocolos de segurança, modelos híbridos de trabalho, e um forte avanço da tecnologia em novos modelos de compra e venda. Isso somado à agenda ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês): a atual crise hídrica reforça a necessidade de eficiência no uso de insumos, e o desemprego e o aumento da desigualdade colocam a importância de que tenhamos capacidade de retomar o crescimento para gerar postos de trabalho. Pois não há melhor programa social que emprego”, afirma. Pimentel afirma que o setor está entre os cinco maiores produtores mundial de têxteis e confecções, com 2,2 milhões de pessoas ocupadas entre empregados formais, conta própria, artesãos e informais. No ano passado, de acordo à Abit, o setor perdeu 39 mil postos de trabalho – dos quais espera recuperar 30 mil este ano. “Não faltarão desafios: pressões de custo com energia, matérias-primas, ruído político, e inflação, que drena a capacidade de consumo das famílias. Mas olhando hoje, e não havendo recidiva do contágio com a cepa Delta, o cenário é favorável para 2021”, conclui.
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