Saneamento redobra esforços por mudanças na reta final da regulamentação da reforma tributária
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Na reta final da regulamentação da reforma tributária, o setor de saneamento redobra esforços por uma mudança de enquadramento no novo sistema tributário dos impostos sobre o consumo. Caso o governo não retire a urgência constitucional do projeto de lei complementar (PLP), tal como defendido pelo presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a casa tem até 23 de setembro, véspera do primeiro turno das eleições municipais, para concluir sua análise do projeto, que já passou pela Câmara.
No Seminário Nacional Caminhos e Obstáculos para a Universalização do Saneamento, promovido dia 22 de agosto em Fortaleza pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), a Companhia de Águas e Esgoto do Ceará (Cagece) e apoio da revista Conjuntura Econômica, atores públicos e privados alertaram para os impactos da manutenção do setor no grupo de contribuintes que recolherão alíquota cheia do imposto.
Neuri Freitas, presidente da Aesbe e da Cagece, apontou no evento que, preservada a condição aprovada na PEC 132, a carga tributária do saneamento terá um acréscimo estimado em 18,25%. O cálculo considera uma alíquota de referência de 27,5%, contra o atual recolhimento de 9,25%, referentes a PIS/Cofins. O ministério da Fazenda considera um teto de 26,5% para o novo IVA, formado por CBS e IBS, mas o relator do PLP no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), já sinalizou dificuldades em fechar a conta com a alíquota nesse patamar.
Freitas recordou que a defesa do setor durante a tramitação da reforma foi de que o saneamento se enquadrasse sob o mesmo tratamento tributário que o setor de saúde, com desconto de 60% na alíquota de referência, o que manteria a carga similar à atual. “Ainda que no verbo todos considerem que saneamento é saúde, não aceitaram isso na lei”, disse, lembrando que nas negociações para aprovação da reforma essa equiparação foi deixada de fora. Ele ressaltou que um aumento de carga tributária nesse patamar impacta o resultado das companhias de saneamento, reduzindo sua capacidade de endividamento/financiamento para investir. “Para manter o equilíbrio, será preciso aumentar tarifa, indo na contramão do que também perseguimos, que é a modicidade tarifária”, alertou.
Munir Abud, presidente da companhia de saneamento do Espírito Santo (Cesan), afirmou no evento que a defesa buscada pelo setor nesta fase de regulamentação é de enquadrar o saneamento entre os serviços de saúde com alíquota reduzida. “É de matriz constitucional no artigo 196 que, para efetivação do direito à saúde é necessário que o estado promova políticas públicas de combate a doenças, e investir em saneamento é também combater doenças de veiculação hídrica, melhorar as condições de desenvolvimento humano”, disse, reforçando que a identificação do saneamento como vetor do direito à saúde é amplamente identificada tanto na doutrina acadêmica quanto em manifestações do STF.
Christianne Dias Ferreira, diretora executiva da Associação Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), destacou levantamento da Abcon/Sindcon com dados do SUS que indica que nos últimos três anos as doenças relacionadas à falta de saneamento foram responsáveis por cerca de 330 mil internações ao ano, das quais quase 70 mil resultaram em óbito. O estudo indica que o custo anual dessas internações cujo para o sistema público de saúde foi de R$ 740 milhões. “Estudo da GO Associados mostra que a universalização do saneamento pode gerar uma economia de R$ 25 bilhões com a melhoria da saúde da população até 2040”, afirmou.
Ferreira ainda citou outro estudo da GO Associados que estima que o impacto da inclusão do saneamento no grupo de atividades com desconto de 60% na alíquota de referência do CBS/IBS seria de 0,2 ponto percentual.
Ainda que o prazo para universalização do saneamento que consta do novo marco do setor, de 2033, coincida com a fase de gradual implementação do novo imposto, a executiva da Abcon lembra que a lentidão dos processos de reequilíbrio de contratos de concessões e PPPs em operação por si só já promoveriam um impacto no ritmo de investimentos para a universalização. “São processos morosos. Sem reequilíbrio, corre-se o risco de uma redução dos investimentos de no mínimo 26%, podendo-se chegar até a uma paralisação.”
João Gabriel Rocha, presidente do Conselho da Agência Reguladora do Ceará (Arce), destacou que o atual contexto demanda atenção às discussões no âmbito da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) que deverão servir de referência para a elaboração da estrutura tarifária nas companhias do setor. “Já foi aprovada a norma de referência da matriz de risco, que deixa claro que a alocação de qualquer alteração que impacte tributos é do titular do serviço. Mas agora também é preciso se preparar para acomodar alterações tributárias na estrutura da tarifa, para que não haja redução de investimentos que comprometa as metas de universalização”, afirmou, reforçando que o cenário ideal é de inclusão do saneamento entre as atividades com redução de alíquota de forma a manter a atual carga. “Precisamos contribuir para que a reforma tributária funcione”, afirmou, defendendo, entretanto, a adequação do tratamento ao setor.
Neuri Freitas ainda ressaltou no evento que a reforma tributária não é o único ponto da agenda do setor com impactos consideráveis para o equilíbrio das operações das companhias. Entre eles, citou a sanção da lei que cria a Tarifa Social de Água e Esgoto, em junho deste ano, que prevê um desconto de 50% no valor da menor faixa de consumo, aplicável aos primeiros 15 metros cúbicos utilizados, pra famílias com renda per capita de até meio salário mínimo inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Também podem ser beneficiadas famílias que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) que possuam entre seus membros pessoas com deficiência ou idosos com mais de 65 anos sem meios de prover seu sustento. “No primeiro levantamento que fizemos, observamos um impacto médio de 17% na tarifa. No Rio de Janeiro, chega a 20% para atender à Tarifa Social nos termos da lei”, afirmou, lembrando que o equilíbrio financeiro acabará chegando ao consumidor e também poderá atrasar investimentos. Em outro painel do seminário, que contou com a participação de Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, e Sandra Patrícia, pesquisadora IBRE, a diretora-presidente da ANA, Veronica Sanchez, destacou a preocupação em encontrar formas de equacionar esse impacto (a cobertura completa do evento estará na Conjuntura Econômica de setembro). “rata-se de um tema importante, mas novamente é preciso saber como equacionar seu financiamento”, apontou Freitas.
Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), recordou no painel - moderado por Flavio Ataliba, coordenador do Centro de Estudos para Desenvolvimento do Nordeste do FGV IBRE - que o objetivo da reforma tributária dos impostos indiretos é mitigar complexidades e ineficiências do sistema que encarecem as atividades e comprometem o ambiente de negócios no país. “Se olharmos em termos de nível de carga tributária, a brasileira se aproxima da dos países da OCDE, em sua maioria economias avançadas, mas com uma composição muito diferente, já que aqui tributamos muito o consumo, pouco a renda, e muito a folha de salário”, descreveu. “Vemos também que países com alta carga tributária apresentam maior Índice de Desenvolvimento Humano e menor desigualdade. O Brasil, entretanto, é um outlier.” Ela lembrou que, após avançar no agregado para combater as ineficiências e complexidades que o sistema vigente a empresas e à sociedade, será preciso corrigir as ineficiências. “Dessa forma, buscaremos que a EC 132/23 seja o melhor sistema que consigamos desenhar, e depois precisamos tratar discutir tributação da folha, da renda, que também está na EC 132.”
Reveja o Seminário Nacional Caminhos e Obstáculos para a Universalização do Saneamento.
A cobertura completa do evento você encontrará na revista Conjuntura Econômica de setembro.
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