Por trás de um PIB melhor, uma recuperação ainda desigual

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Além de ter sido ajudada por fatores temporários – como a disparada dos preços de commodities, uma forte recuperação do setor de serviços, estímulos fiscais e redução de impostos – a melhora do PIB brasileiro em 2022 também é marcada por uma importante heterogeneidade. Levantamento realizado por Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, e pelas pesquisadoras do IBRE Marina Garrido e Mayara Santiago mostra que essa recuperação desigual acontece tanto do ponto de vista setorial quanto regional. “Ainda será preciso identificar o que há de estrutural nesse desempenho”, diz Silvia.  

Na análise – com projeções que ainda não consideram a recente revisão do PIB de 2020 pelo IBGE, de -3,9% para -3,3% – elas destacam que, mesmo surpreendendo nos primeiros seis meses do ano, a atividade brasileira no segundo trimestre ainda estava 0,9% abaixo da tendência pré-pandemia. Para o terceiro trimestre, a projeção do Boletim Macro IBRE é de crescimento de 0,6% e, no quarto, contração de 0,4%, fechando o ano com uma expansão do PIB de 2,7% – ante 2,5% da projeção anterior. 

No caso da indústria de transformação, Silvia destaca, por exemplo, que a contração de 0,7% registrada na Pesquisa Industrial Mensal do IBGE no agregado até setembro, em relação ao mesmo período de 2021, poderia ser pior se não contasse com uma contribuição positiva de 0,99 ponto porcentual da atividade de fabricação de coque, petróleo e biocombustíveis. “É um segmento que tem sido beneficiado pelo setor externo”, lembra Silvia, ainda que, como apontou o Icomex de outubro, o ganho externo na indústria de petróleo tenha ocorrido muito mais graças aos preços do que em volume. No acumulado de janeiro a setembro deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior, as exportações de petróleo e derivados registraram alta de 54,1% em preço, e retração de 5,4% em volume.  

Indústria de transformação: contribuição do setor de coque e petróleo é destaque 
crescimento acumulado no ano, em %, segmentos selecionados


Fonte: IBGE.

As pesquisadoras do FGV IBRE apontam que em setembro a produção de bens de capital registra alta de 15,7% em relação a fevereiro de 2020, beneficiando-se especialmente da demanda dos setores agrícola, de construção e transportes. Já o segmento de bens duráveis ainda está quase 20% abaixo do nível pré-pandemia, “registrando estoque excessivo mais por uma normalização da demanda, depois da alta registrada no início da pandemia, e não por aumento da produção”, diz Silvia. 

“No segmento de serviços, as disparidades se repetem. Ao se responder sobre a recuperação do setor, primeiro é preciso identificar de que segmento se trata”, diz a coordenadora do Boletim Macro. Observando os resultados da Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE, Silvia destaca o crescimento de duas atividades: serviços técnico-profissionais e transporte terrestre, de respectivamente 21,6% e 21% em relação a fevereiro de 2020. Serviços de tecnologia da informação, por sua vez, registram um crescimento de 56,7% na mesma comparação. “A PMS aponta, entretanto, que serviços prestados às famílias ainda estão 4,8% abaixo do nível pré-pandemia”, diz Silvia, lembrando que a tendência daqui adiante é de se observar o fim desse processo de normalização da economia.  “Após o excelente desempenho até aqui, a tendência observada nas Sondagens FGV IBRE agora é de contração”, lembra Silvia, questionando como ficará o comportamento dos segmentos que ainda operam abaixo do nível pré-pandemia, bem como a sustentabilidade do nível alcançado pelas atividades que dispararam na frente. Ela também ressalta a situação financeira das famílias, lembrando que o nível de comprometimento de renda das famílias medido pelo Banco Central subiu 5,7 pontos percentuais em relação a fevereiro de 2020, para 29,4%. Esse número é ligeiramente menor, 27,17%, quando excluído crédito habitacional, mas ainda assim representa uma alta de 5,4 pontos percentuais em relação ao início de 2020.

Serviços: disparidades 
crescimento (%) em relação a fevereiro de 2020


Fonte: IBGE.

As pesquisadoras do FGV IBRE também analisaram as disparidades na recuperação econômica sob o ponto de vista regional. Nesse ponto, ressaltam que as regiões Sudeste e Nordeste ainda não tinham se recuperado dos efeitos da recessão de 2014-16 quando chegou a pandemia, e ambas foram as que registraram menos crescimento também entre 2020 e este ano. Por sua vez, o Centro-Oeste, puxado pela atividade agropecuária, foi a região que mais cresceu nos dois períodos analisados, com respectivamente 1,2% e 7,2% de expansão no índice de atividade. 

Quando observado quais estados mais capturaram o impulso do setor de serviços para a economia brasileira este ano, é possível identificar quais conseguiram surfar a onda de crescimento dos setores mais dinâmicos. Ceará e São Paulo, por exemplo, estão entre os estados que mais aproveitaram do aumento da demanda por serviços de informação e comunicação, registrando crescimento, respectivamente, de 13,9% e São Paulo no acumulado de 12 meses. A Bahia, por sua vez, perdeu terreno nessa atividade, registrando queda de -3,8% na mesma comparação. Em contrapartida, o estado “bombou” nos serviços prestados às famílias, com 53% de alta. Nesse segmento, Minas Gerais também registrou boa expansão, de 35,5%, mas foi o estado que mais perdeu na rubrica “outros serviços”, com contração de 26,9%. Rio de Janeiro apresentou contração e informação e comunicação (-2,8%) e outros serviços (-4%), e registrou a maior alta em serviços prestados às famílias, com 14% no período analisado. Pernambuco não registrou queda em nenhum dos cinco segmentos de serviços analisados, e destacou-se especialmente na demanda por serviços profissionais, administrativos e complementares 17,8%) e transporte e correios (14,4%). São Paulo, por sua vez, marcou desempenho negativo em outros serviços (-4,6%), mas nos demais segmentos teve bom desempenho, somando uma alta de 10,5% o total dos serviços.

Heterogeneidade regional 
Índice de atividade: SE e NE ainda não tinham se recuperado da recessão quando chegou a pandemia 


Fonte: Banco Central.

 

Desempenho por segmento reflete dinâmicas estaduais 
(% acumulado 12 meses até agosto – segmentos e estados selecionados)

Total dos serviços


Fonte: Bacen.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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