A PEC e seus impactos

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Ontem, 20, foi selado acordo entre parlamentares e a equipe do presidente Lula para a aprovação da PEC do Estouro, ou da Gastança, como tem sido mencionada. O valor de R$ 168 bilhões foi mantido, mas o prazo foi reduzido para um ano e foi acertada a redistribuição das emendas do relator – julgadas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – que serão fatiadas em duas partes: os R$ 19,5 bilhões serão divididos em duas outras emendas, as individuais e as com controle do governo federal. Falta votar.

A questão fiscal é, sem dúvida, o maior nó que o governo eleito tenta desatar. Vários casos de interrupção dos serviços públicos que ocorreram depois das eleições mostraram a necessidade de uma readequação orçamentária para o ano que vem, como mostra Manoel Pires, pesquisador-associado do FGV IBRE na seção sobre Política Fiscal do Boletim Macro FGV IBRE.

O Boletim, que já está em circulação, questiona essa expansão fiscal, sem respaldo em um aumento de receitas, ao salientar que seus defensores justificam esse aumento utilizando conceitos da Teoria Monetária Moderna (MMT), segundo a qual “a expansão de gastos públicos, sem compensação pela elevação de receita, não é ruim, pois os efeitos multiplicadores dessas despesas potencializam seu impacto na economia, que cresce mais. E não há riscos para a solvência fiscal, pois a dívida mais elevada não vai gerar uma crise de desconfiança, pois foi emitida na moeda própria do país”.

Mas qual a capacidade da política fiscal de estimular a economia? Ou seja: qual o valor do Multiplicador Fiscal, instrumento que agiria como uma alavanca para que a economia cresça, gerando empregos e ampliando a receita através da arrecadação de impostos?

O Boletim explica, detalhadamente, como funciona esse Multiplicador e o seu valor projetado para o Brasil no momento, mostrando que a literatura indica que, “durante períodos recessivos, o multiplicador fiscal tende a ser mais elevado, mas que, por outro lado, em situações de fragilidade das contas públicas, o multiplicador é muito baixo e eventualmente até negativo”.

Com base nessas premissas, o Boletim pontua:

• Para o momento cíclico em que a economia brasileira se encontra, próximo ao pleno emprego, e diante do elevado endividamento público, uma expansão fiscal excessiva tem efeitos deletérios sobre a economia. O Brasil não está em recessão.

• Do ponto de vista cíclico, a prioridade é deixar que a política monetária cumpra o seu papel no controle da inflação, como vem tentando fazer, desaquecendo a economia, para que, em um segundo momento, possa se iniciar o processo de redução da taxa de juros e, assim, permitir que a economia possa retomar a sua trajetória de crescimento, sem pressionar a inflação.

• Não há argumentos de natureza econômica que justifiquem a PEC proposta pelo governo eleito. Pelo contrário. A política fiscal muito expansionista, que pressionará ainda mais a dívida pública nos próximos anos, contribuirá para um período de baixo crescimento, e inflação e taxa de juros muito elevadas.

• Também é um erro julgar que a PEC se justifica do ponto de vista da política social. A necessidade de compatibilizar gastos sociais com equilíbrio fiscal é crucial para preservar a sustentabilidade dos ganhos sociais. Baixo crescimento, com inflação elevada, prejudica muito mais os mais pobres.

Depois de analisar os efeitos da PEC que está em discussão, o Boletim se debruça sobre outros temas:

Atividade Econômica

Os resultados dos indicadores de alta frequência vieram em linha com o cenário de desaceleração da economia, e, assim, a projeção para o quarto trimestre é de estabilidade na margem. Para o ano fechado, o Boletim Macro revisa o crescimento do PIB para 3%, ante 2,7% anteriormente, em grande medida devido à revisão da série histórica. Para 2023, a previsão é de um PIB de 0,2%.

Expectativa de empresários e consumidores

Os Índices de Confiança registram queda mais intensa em novembro, dando indícios de uma desaceleração da economia no último trimestre do ano. Dados prévios de dezembro mostram que a confiança empresarial ainda deve ser ruim, enquanto a do consumidor dá sinais de compensação das últimas quedas.

Inflação

A partir da inflação acumulada até novembro, e dos números antecipados pelo Monitor da Inflação para o mês de dezembro, o IPCA deverá fechar este ano com alta de 5,6%, acima do intervalo de tolerância da meta de inflação. Quatro classes de despesa respondem por 90% do resultado acumulado: alimentação e bebidas (43,6%), saúde e cuidados pessoais (21,6%), vestuário (13,5%) e despesas pessoais (12,9%). Apesar de a inflação encerrar o ano acima do teto da banda de tolerância, os verdadeiros destaques foram as quedas dos preços da energia e dos combustíveis, via redução de ICMS: sem elas, a inflação estaria em torno de 9%.

Política Monetária

A tentativa do novo governo de conseguir autorização para um volume elevado de dispêndio público fora do teto de gastos, em caráter permanente, deixou uma impressão de forte tendência gastadora. Na medida em que essa impressão não seja efetivamente desfeita, seja lá por que meio for, podemos prever a permanência, por um bom tempo, do quadro de juros reais elevados.

Política

Para o cientista político Octavio Amorim Neto, “a defesa nacional foi a única área que não teve uma equipe de transição indicada por Lula para dialogar com o atual governo. Lula já nomeou José Múcio, político de direita que tem diálogo com Bolsonaro, para ser o novo ministro da Defesa a partir de 1º de janeiro. As opções de Lula surpreenderam muita gente, mas fazem sentido. Afinal, as Forças Armadas estão entre as organizações nacionais mais imbricadas com o bolsonarismo”.

Leia a integra do Boletim Macro FGV IBRE.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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