Para Brasil tirar projetos de hidrogênio verde do papel, é necessário mais do que potencial, alertam especialistas
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
As vantagens comparativas do Brasil na corrida pela atração de investimentos para produção de hidrogênio verde são reconhecidas pelas principais autoridades internacionais de energia. Mas para que a euforia provocada por esse potencial se concretize em projetos, há uma série de variáveis em jogo, envolvendo todos os elos da cadeia, que vão da garantia de energia limpa para alimentar eletrolisadores a uma demanda firme, com contratos de longo prazo, que banque o preço inicial desse hidrogênio de baixo carbono.
Tal desafio se torna ainda mais claro quando observado na ponta do financiamento. Conseguir desenhar mecanismos para garantir investimentos na casa do bilhão de reais, no caso de grandes projetos, significa conseguir ter clareza de como toda essa cadeia funcionará. “Ainda há uma série de lacunas a serem cobertas”, diz Felipe Toro, da NIRAS International Consulting. “Os elementos de incerteza estão não só no Brasil, mas no mundo, posto que o hidrogênio verde faz parte dessa nova fase da agenda de descarbonização”, acrescenta Joisa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (FGV Ceri).
Na última sexta-feira (11-8), NIRAS e FGV Ceri debateram em seminário as principais conclusões de um estudo – ainda não publicado – sobre financiamento a cadeia do hidrogênio verde que desenvolveram para o Projeto H2Brasil, que integra a Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável e é implementado pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH e pelo Ministério de Minas e Energia (MME), com financiamento do Ministério Federal da Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha.
Uma das características do trabalho é a apresentação de um roadmap para financiamento, que parte do desenho inicial, que inclui a escolha da rota tecnológica, à localização, indicação de demanda e parceiros na cadeia de valor, para então se buscar a estrutura de financiamento e instrumentos de avaliação de risco. No evento, Joísa destacou a importância de se entender a evolução dos ativos relacionados a essa infraestrutura para se identificar o melhor momento de entrada – e saída – de cada instrumento de financiamento, do venture capital ao mercado de capitais. “Também avaliam-se instrumentos adicionais como benefícios fiscais, redução de impostos a importações e zonas de processamento de exportações (ZPEs)”, exemplifica.
Diogo Lisbona, pesquisador do Ceri que também participou do estudo, lembra que uma das ações de qualquer investidor é olhar a evolução do financiamento de outras indústrias similares, como o mercado global de GNL e das eólicas onshore e offshore. “A eólica, por exemplo, começou com fortes subsídios iniciais; o GNL, por sua vez, se apoiou mais em contratos bilaterais. O hidrogênio provavelmente precisará do suporte de subsídios”, afirma. Lisbona reforça que o financiamento de projetos de hidrogênio de baixo carbono depende da mitigação de vários riscos. “A começar pelo risco de demanda, quem garantirá o pagamento desse prêmio verde, levando em conta que as primeiras safras de projetos terão custos mais altos, tendendo a ser declinante conforme a tecnologia amadurece.” Luiz Maurer, também do Ceri, ilustra esse momento como o de encarar perguntas que não são aceitas no momento inicial, de empolgação com o potencial a se explorar. “Vemos relatórios internacionais que refletem esse período hype, que mostram volumes de investimento descomunais e um gap gigantesco de necessidades financeiras. Assim, sem uma demanda disposta a pagar esse prêmio inicial, não concretizarmos esses planos.”
Ricardo Lee, vice-presidente do Santander, conta que a experiência internacional do banco aponta à exploração de nichos em que esse prêmio pode ser aplicado. “Um exemplo é um projeto na Escócia, em que assessoramos um projeto de produção de hidrogênio verde para substituir gás natural na destilaria de uma marca premium de uísque. Em um mercado como esse, é possível ampliar a participação da energia no custo do produto, por exemplo, de 20% para 28%”, cita. Outros temas citados por Lee como importantes são uma regulação clara, bem como a busca de uma certificação “que esteja em sintonia com o que se aplica em grandes mercados como o europeu, para que seja abrangente”, diz. Lisbona também alerta para a importância do equacionamento adequado da matriz de risco, com uma alocação equilibrada. Giovanni Machado, diretor da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), aponta o exemplo de editais para exportação de amônia em que o ofertante é o responsável pelo seguro até o ponto de entrega e tancagem no porto estrangeiro. “Se por algum motivo o produto perde a especificação, se não houver mecanismo de flexibilidade – por exemplo, fazer um blend com outros volumes para enquadrar o produto – isso contraria o objetivo de reduzir emissão de carbono”, afirma, lembrando que o diálogo das partes focando a consolidação desse mercado será importante para superar situações similares.
No evento, Lisbona também ressaltou a importância do papel dos bancos de desenvolvimento, e o desafio de coordenação com a sobredemanda de outros segmentos. Carla Primavera, superintendente do BNDES, afirma que, além das linhas tradicionais do Banco, há um movimento de ampliação de portfólio para abarcar a demanda de descarbonização. “Hoje já temos as debêntures de infraestrutura desenvolvidas, temos o blended finance como instrumentos para canalizar recursos de outros bancos multilaterais e do mercado de capitais doméstico, além de políticas como o Fundo Clima, que também compõe esse blend.”
Horizonte promissor
No evento, Carla também destacou a importância de que projetos de hidrogênio verde sejam desenhados considerando a complementaridade da demanda externa e doméstica. “Segmentos como de siderurgia e fertilizantes seriam primeiros a serem atendidos, intuitivamente. As primeiras iniciativas serão desafiadoras”, diz, daí a importância desse pensamento integrado.” Hugo Figueiredo, presidente do Complexo do Pecém, no Ceará, destaca que o desenvolvimento do projeto de hub de hidrogênio verde no Pecém segue essa filosofia. Além da demanda estratégica da Europa – para a qual o Pecém já conta com a vantagem de ter o Porto de Roterdã como sócio – o complexo se prepara para oferecer uma infraestrutura compartilhada, de menor custo de operação. “Imagine, por exemplo, uma carga de grãos chegando ao Pecém pela Transnordestina – que está contemplada no PAC – e voltando ao Matopiba com fertilizantes produzidos aqui.”
Luis Viga, da Fortescue Future Industries – primeira mineradora em escala mundial a planejar sua descarbonização, que tem um projeto de hidrogênio verde no Brasil de 2 GW em fase de estudo –, também é otimista. “Hoje a tecnologia ainda não é a mais barata. E não podemos achar que conseguiremos competir no mesmo nível com os subsídios americanos do Inflation Reduct Act, por exemplo. Precisamos de criatividade, e sinais claros e rápidos aos investidores. Se formos inteligentes, teremos a energia mais barata. Mas precisamos passar a mensagem para o mundo de que estamos atentos a isso – e ainda não o fizemos”.
Markus Francke, diretor da H2Brasil, da GIZ, lembra que hidrogênio verde não será a única solução para tornar a economia mundial neutra em carbono, mas defende que é preciso avançar na pesquisa de seus usos, citando iniciativas no Brasil. No mesmo dia 11 de agosto, houve a inauguração de uma planta piloto de produção de hidrogênio verde no Rio de Janeiro com energia fotovoltaica, desenvolvida pela Coppe com recursos da Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, para ser aplicada em bicicletas movidas a H2 e em pilhas a combustível de óxido sólido. “Também temos agendada para este mês a inauguração de outro eletrolisador em Santa Catarina, para produção de fertilizante com aplicação direta na plantação de café. Sabemos muito, mas ainda precisamos de muita pesquisa sobre como produzir e usar esse hidrogênio da forma mais eficaz”, afirma. Daniel Lopes, diretor comercial da empresa de soluções em hidrogênio Hytron, empresa que criou em 2003 com outros quatro estudantes de mestrado da Unicamp, adquirida pelo grupo alemão NEA em 2020, defendeu a importância do financiamento também à pesquisa e desenvolvimento. “Graças a recursos de pesquisa da Aneel e da ANP, pudemos existir. Entre outros projetos, a Hytron é o fornecedor responsável pelo projeto de construção e comissionamento do eletrolisador de 1,25MW que faz parte do projeto piloto de hidrogênio verde do Pecém, com base em energia solar. “É preciso incentivar que outras empresas como a nossa se desenvolvam”, afirma.
Reveja o seminário Desafios e Perspectivas para o Financiamento de Projetos de Hidrogênio Verde no Brasil.
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