Panorama global amplia importância de um melhor ambiente de negócios para a atração de investimentos diretos

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

No World Economic Outlook divulgado pelo FMI na semana passada, o Fundo destacou um capítulo para tratar do impacto do aumento das tensões geopolíticas nos fluxos de investimento estrangeiro direto (IED). Reunindo dados de cerca de 300 mil investimentos realizados de 2003 a 2022, o FMI buscou identificar evidências de recente realocação de investimento estrangeiro direto (IED), e em que medida fatores geopolíticos influenciaram a direção desses fluxos. A partir desse exercício, o Fundo desenvolveu um indicador para medir o grau de vulnerabilidade dos países diante da realocação de IED, combinado fatores como distância geopolítica entre a fonte dos recursos o país destinatário, se o setor em questão é considerado mais ou menos estratégico, e a força do mercado doméstico do país receptor do IED. Para concluir, traça algumas hipóteses de cenários sobre implicações econômicas dessa fragmentação de IED no longo prazo.

O texto ressalta que uma desaceleração da globalização econômica, ou “slowbalization”, tem sido observada desde a crise financeira global. Em parte, relacionada a bons motivos, como o aumento da automação e outros avanços tecnológicos.  No início dos anos 2000, o fluxo de IED representava 3,3% do PIB global; entre 2018 e 2022, caiu para 1,3%. Do segundo trimestre de 2020 ao final de 2022, período marcado pela recuperação ao primeiro choque da pandemia, o IED caiu 20% em relação ao momento pós-crise financeira global. O Fundo destaca, no período recente, a emergência de blocos geopolíticos regionais com empresas e governos visando estratégias de concentração de processos produtivos em países “confiáveis”, alinhados politicamente, tornando as economias e corporações investidoras menos vulneráveis a tensões geopolíticas. Especialmente quando se trata de IED considerado estratégico, como a fabricação de semicondutores. No quarto trimestre de 2022, por exemplo, os fluxos de novo IED estratégico indo à Europa foi o dobro do recebido em países asiáticos.  Esta últma, destaca-se, perdeu relevância tanto como receptora quanto como investidora, sendo que o IED de e para a China foi ainda maior do que na média da região asiática – ainda que, no caso do país, também tenha que se levar em conta o impacto da extensão da política de Covid-zero, alerta o texto.

Aumentam as tensões geopolíticas e a fragmentação do Investimento Estrangeiro Direto 
(índice; frequência de menções de reshoring)


Fonte: IMF World Economic Outlook - abril 2023.

Esse esforço por tornar as cadeias de fornecimento mais resilientes – conhecido como friend-shoring –, entretanto, tende a trazer repercussões negativas para a economia global, afirma o FMI. Especialmente para países emergentes e em desenvolvimento não-alinhados a uma das duas potências, que em geral tendem a perder não só em investimento como em transferência tecnológica que esse capital muitas vezes traz a reboque, como indica o índice multidimensional de vulnerabilidade elaborado pelo Fundo. A estimativa do FMI é de que, no longo prazo, um aumento de barreiras ao fluxo de investimento gere uma redução de 2% na produção global, com impactos significativos para os países em desenvolvimento, tanto em redução da formação bruta de capital quanto em ganhos de produtividade.   

Essa constatação não significa, entretanto, uma recomendação a que esses países adotem um alinhamento sem um balanço das motivações para o friend-shoring. Ao contrário, a indicação é de que a melhor forma de reduzir a extensão desse impacto é persistir em esforços multilaterais em prol de um mundo mais integrado. Mensagem similar foi dada por Lia Valls, pesquisadora associada do FGV IBRE, em artigo na Conjuntura Econômica de abril, destaque da última coluna Em Foco (Leia aqui). Em seu texto, Lia destaca os esforços da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) por buscar o campo da neutralidade no cenário global e, com isso, obter ganhos no comércio e nos fluxos de investimentos pelas duas grandes potências. Ainda que considere essa estratégia mais difícil de ser operada na América do Sul, Lia considera que essa estratégia pode ser “perseguida individualmente por cada país em função dos seus interesses e poder de barganha”, ainda que no campo geopolítico “o poder de barganha estratégico da região seria, em princípio, menor do que a Asean”.

Fragmentação do investimento estrangeiro direto (IED)
(número de investimentos, média móvel quadrimestral, 2015: 1T=100)
1- em setores estratégicos

2- na indústria de semicondutores


Fonte: cálculos do FMI.

Outro elemento do qual o Brasil e outros países sul-americanos podem lançar mão, que ainda não despontou na análise do FMI, é o diferencial que a transição energética pode trazer para as economias ricas em geração de energia renovável. Como aponta Jorge Arbache, vice-presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF)

na entrevista do mês da Conjuntura (leia aqui a íntegra), além das questões geopolíticas, a energia verde tem ganhado importância nessa redefinição geográfica do investimento produtivo. Na entrevista, Arbache detalha o conceito do powershoring, cunhado pelo banco para se referir à atração de investimento direto estrangeiro motivada pela disponibilidade de energia limpa, segura, barata e abundante. Arbache diz que o CAF divide essa estratégia em três partes: 1- ampliar os investimentos em energia verde como biomassa, eólica e solar; 2- investir na produção de hidrogênio verde – “de tal forma que se possa obter ganhos de escala e tornar esse hidrogênio suficientemente atrativo para se contrapor aos subsídios que o IRA (Inflation Reduction Act, pacote do governo americano de combate à inflação que inclui investimentos públicos em projetos de energia renovável) e os pacotes europeus estão oferecendo para impulsionar a produção de hidrogênio”, destaca –; 3- e direcionar essa produção de hidrogênio prioritariamente a zonas industriais em que se localizariam esses investimentos diretos estrangeiros, atraídos exatamente por conta dessa energia que, destaca, é cada vez mais um fator crítico.

Na entrevista, Arbache considera que propostas de reshoring e friend-shoring em geral significam uma reconcentração da produção nos EUA e Europa e, por isso, repetem o erro que buscam combater. “O que vemos hoje é a necessidade de se considerar um contexto ainda mais complexo, combinando resiliência com eficiência. Resiliência porque é uma estratégia que protege não só a capacidade produtiva, mas a participação dessas empresas no mercado global. E eficiência porque a energia verde e segura se tornou elemento-chave nessa definição da geografia. Já não estamos mais falando de busca de eficiência a partir do baixo custo da mão de obra aqui ou acolá”, diz.

Tal como o FMI, que identifica na melhora regulatória e do ambiente de negócios uma forma de fortalecer as economias emergentes para sobreviver aos efeitos negativos que as atuais mudanças na alocação de IED podem gerar, Arbache defende que para que o Brasil e outras economias sul-americanas explorarem as potencialidades do powershoring é preciso remover obstáculos normativos e/ou fortalecer regulações que permitam “que essa energia verde de fato chegue a um preço mais acessível e atraente para os negócios”.

Perda estimada de PIB no longo prazo  em economias não-alinhadas 
(% de desvio em relação a um cenário sem fragmentação de investimento direto estrangeiro - IED)


Fonte: FMI.

Outra recomendação do executivo do CAF é de que o governo se empenhe em recuperar a capacidade de planejamento estratégico do país. “É preciso entender esse potencial que temos à frente. Incorporar aquilo que é seu. Transformá-lo em política pública operativa e implementá-lo em combinação com o setor privado. Esse é o grande obstáculo porque o Brasil, assim como outros países da região, perdeu a capacidade de fazer estratégia”, afirma, defendendo um plano que faça do compliance ambiental a grande força motriz do desenvolvimento econômico. “Quanto mais compliance ambiental tiver no mundo, melhor para o Brasil. Quanto mais se valoriza cadeias de produção verdes, melhor para a América Latina. Quanto mais o preço da energia for fator de atração, também melhor para enfrentar os subsídios que estão sendo operados pelos países desenvolvidos”, afirma. “Tudo isso passa muito mais pela capacidade de articular bem e ter as estratégias do que ter de construir algo que não está ao seu alcance. A América Latina não tem que tem que sair por aí pedindo, mas oferecendo solução, e é disso que estamos tratando. Nada é exagerado; estamos falando de microeconomia na veia”, conclui.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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