Os desafios que fornecedores do setor de saneamento terão adiante para atender ao aumento da demanda

Edson Gonçalves, pesquisador do FGV Ceri

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro 

Enquanto parte das indústrias do mundo ainda vive o processo de recuperação de sua atividade, afetada pelo colapso das cadeias de suprimento devido à pandemia, no Brasil um segmento específico da infraestrutura, o saneamento, começa a monitorar possíveis gargalos de fornecimento em um futuro próximo, diante do aumento expressivo do investimento esperado nos próximos anos. Desde o novo marco legal sancionado em 2020, as operadoras do setor têm metas de universalização a cumprir até 2033 que, de acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), devem movimentar em média R$ 32 bilhões anuais no período. 

Com o sucesso das concessões até agora realizadas, e a busca por um equacionamento da situação das companhias estaduais que ainda não comprovaram capacidade financeira para cumprir os investimentos implícitos na legislação, as atenções agora têm se voltado a outra parte não trivial dessa equação: como garantir o fornecimento dos insumos necessários para as obras. Estudo divulgado no final do ano passado pelo BNDES, no qual o banco estima dois cenários - base e transformador (a descrição de ambos se encontra no pé da tabela abaixo) - mostra que alguns insumos como tubos de PVC e tubos de ferro fundido podem registrar problemas para atender à demanda a partir de 2024 (no cenário transformador) ou 2027 (no cenário base). Essa estimativa leva em conta que o saneamento representa 20% da demanda total desses produtos, e trabalha com a capacidade instalada atual, desconsiderando possíveis ampliações de capacidade que venham a acontecer no período. Isso sem contar diversos equipamentos e produtos químicos com suprimento pulverizado em empresas de diversos portes e organização difusa. Em conversa para a Conjuntura Econômica de março, André Pires, CFO da empresa de saneamento Aegea, sinalizou a preocupação da operadora - que está em 154 cidades brasileiras - de construir relacionamento de longo prazo com seus principais fornecedores. “A cadeia de fornecimento para o setor de saneamento não é tão desenvolvida; então, passamos a costurar esse relacionamento, com um programa de aquisição de longo prazo, garantindo para o fornecedor que ele terá uma linha de produção fechada conosco”, afirmou. Na ocasião, Pires também destacou a importância de alguns insumos que hoje sofrem pressão de preços, especialmente a energia elétrica, que representa mais de 30% do custo do tratamento de água, e é a segunda na linha de despesas operacionais da empresa, perdendo apenas para a mão de obra. “Em nosso caso, 80% do consumo já estão contratados no mercado livre, o que permite certa definição quanto à margem que podemos atingir”, afirmou. 

Previsão de demanda por tubos, produtos químicos e equipamentos do setor de saneamento até 2033
(em R$ bilhões)

 

Premissas de cada cenário


Fonte: BNDES.

Edson Gonçalves, pesquisador do FGV Ceri e coordenador do MBA em Saneamento da FGV, afirma que para mitigar problemas de oferta nos próximos anos será preciso contar eventualmente com importações mas, especialmente, com crédito. “Até agora, o foco esteve em garantir as condições na ponta, às companhias que irão operar concessões, mas há um universo de empresas menores que precisarão desse apoio adiante para ampliar sua capacidade”. Em webinar da FGV Executiva sobre a cadeia de fornecedores do saneamento que Gonçalves mediou em meados do mês, Igino Zucchi de Mattos, diretor de Infraestrutura da Integral Investimentos, também ressaltou essa demanda. “A realidade do concessionário é diferente, pois nessa esfera já se desenvolveram várias opções de financiamento, que inclui o mercado de capitais. No nível dos fornecedores, entretanto, a dificuldade é maior, pois se trata de empresas pulverizadas pelo Brasil inteiro, que muitas vezes ainda apresentam pouca governança mas terão que fazer investimento, comprar máquinas, contratar pessoas. É uma estrutura de financiamento que ainda precisa ser desenvolvida”, diz. Mas que, se devidamente amparadas, têm adiante uma importante oportunidade de crescimento. “Vemos hoje pequenas empresas dispostas a tomar mais risco, pois identificam essa possibilidade de expansão à frente.E o apetite de alguns segmentos, como fundos ESG, interessados em financiar, especialmente o segmento de esgoto”, ressaltou Marco Oliveira, diretor de Utilities em água e esgoto da Accenture, no mesmo evento.  

Gonçalves inclui nesse plano de fomento a um ecossistema de fornecedores as empresas de tecnologia, ressaltando a importância de se incentivar a inovação aplicada ao setor. Ele cita como exemplo o caso dos hidrômetros - que, de acordo com o levantamento do BNDES, representa 75% da demanda por equipamentos do setor até 2033. “Diferentemente do setor elétrico, onde para se implementar um medidor inteligente é preciso aprovação da Aneel, para que seja contemplado na tarifa, no saneamento as metas de eficiência já estão estipuladas nos próprios contratos (o próprio marco legal estipula uma meta de redução da perda na distribuição de água de 40% para 25% até 2033), o que serve de incentivo às próprias concessionárias para investir em inovação”, ressalta Gonçalves. Ele lembra que, no Brasil, há um terreno grande a percorrer nesse sentido, já que a maioria dos condomínios sequer trabalha com medidores individuais, o que estimula o consumo pouco eficiente. “E, tal como nesse campo, há vários outros nos quais avançar, como no tratamento da água de reúso, e mesmo para a geração de energia limpa - por exemplo, explorando o gás gerado pelo lodo do esgoto. É uma seara de oportunidades que envolvem inovação e podem ser exploradas, por exemplo, por start ups, desenvolvendo as tecnologias embarcadas em equipamentos”, completa. E, para completar, o pesquisador do FGV Ceri cita a importância de se formar profissionais para atuar no setor, citando o próprio esforço da FGV em ampliar parcerias para formação de gestores. “É uma demanda transversal, que tem suscitado soluções inovadoras por parte das concessionárias”, diz, citando o exemplo da própria Aegea, que nas operações em Manaus e no Rio tem recrutado capital humano nas comunidades pobres que fazem parte de sua área de concessão. “Além de colaborar para o desenvolvimento profissional dessas pessoas, é mais um caminho pelo qual a empresa busca apresentar àquela comunidade a importância de se garantir água e esgoto tratados”, afirma. 

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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