“No caso da reforma orçamentária, é preciso ser ambicioso”, afirma Manoel Pires, do FGV CPFO, em evento

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na semana passada (13/9), FGV Direito, FGV Economia e o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) promoveram em São Paulo uma roda de conversa para lançamento do projeto “Nosso Orçamento Público”, visando à formulação de uma proposta de reforma orçamentária, tal como aconteceu na reforma tributária. Manoel Pires, diretor do Centro de Política Fiscal e Orçamento (FGV CPFO), e Nelson Marconi, professor da FGV Eaesp, colunista da Conjuntura Econômica, participaram do evento, entre nomes como Fatima Cartaxo e Cristina MacDowell, respectivamente consultora e especialista em gestão fiscal do BID, Andrea Calabi, economista da FEA/USO e Felipe Salto, sócio da consultoria Warren, um dos moderadores da roda.

Em sua exposição, Pires defendeu que o primeiro passo para uma reforma bem-sucedida é saber comunicar sua importância. “Em política pública, sempre há dois tipos de assunto: os importantes e os urgentes. Sem saber comunicar sua importância, a reforma orçamentária sempre ficará para um segundo momento, fora das prioridades de governo, das lideranças no Congresso e da opinião pública”, afirmou, lembrando do papel da CCiF no debate sobre a reforma tributária, ao sensibilizar a opinião pública sobre os custos das disfuncionalidades do sistema de impostos sobre o consumo no Brasil. “Orçamento público é o principal instrumentos de política econômica, e um grande indutor econômico”, afirmou, dando o exemplo de uma obra de infraestrutura: se o orçamento é crível, induz atividade econômica ao redor, mobilizando o setor privado a explorar as oportunidades trazidas com aquela mudança.

Outra questão de base, disse, é desenvolver de fato uma cultura de orçamento e planejamento, mais além das regras operacionais. Nesse caso, e dado o alcance do processo de esgarçamento das instituições orçamentarias brasileiras, Pires considera que o ideal é não trabalhar com a perspectiva de mudanças graduais, tal como acontece com a maioria dos temas econômicos e políticos. “No caso da reforma orçamentária, é preciso ser ambicioso. Teremos que repensar o todo para avançar.”

Para ilustrar esse alto nível de esgarçamento, Pires citou três exemplos, a começar pelo mais ruidoso: as emendas parlamentares, que este ano foram tema de Carta do IBRE (reveja aqui). “No fundo, essa é uma discussão de como o Congresso deve participar do processo orçamentário, é que não é a que vemos hoje.  Ao longo do tempo, o Congresso foi alienado das atribuições e responsabilidades que tem, então é preciso construir seu papel dentro do processo orçamentário, transformando-o em um ator importante, de forma madura, para que o orçamento não perca legitimidade política”, defendeu. Outro exemplo citado por Pires é o do Auxílio Gás, com a decisão de financiar essa política por fora do orçamento. Essa escolha, afirmou, esvazia o orçamento enquanto processo de condução da política econômica. “Muitas vezes usamos politicas boas para justificar a exclusão do orçamento, quando na prática isso abre espaço no orçamento para política ruim. Com isso, acabamos subvertendo os incentivos pra ter um processo orçamentário mais eficiente.” O coordenador do CPFO ainda citou como exemplo a PEC da autonomia financeira do BC. “No final das contas, essa PEC vai reduzir o controle dos atores políticos sobre a atuação do BC, quando na verdade o BC tem que atuar dentro do processo orçamentário, justificando e defendendo suas políticas, conquistando o espaço necessário para executá-las”, afirmou.

Entre os temas que Pires considera prioritários numa reforma orçamentária está o debate entre a escolha por um impositivo ou autorizativo, tal como é hoje. Para ele, “o papel indutor do orçamento público funciona melhor quando é impositivo e se consegue conferir credibilidade ao que está dizendo que vai fazer”. Pires reconhece que o tema é controverso, mas lembra que uma escolha pela impositividade requer outras reformas que reforcem o processo orçamentário na sua origem. “O conflito político ao se definir o que efetivamente deve constar do orçamento passa a ser resolvido na discussão, e não na execução orçamentária.”

Outro tópico destacado por Pires é a necessidade de se consolidar a legislação orçamentária em poucos instrumentos, e de se criar meios para que o orçamento cumpra seu papel do início ao fim – o que passa pela discussão do orçamento plurianual, mas também pela forma de se contabilizar custos. “O orçamento do Brasil é contabilizado em caixa, isso distorce a decisão política sobre qual o efetivo custo de determinados programas e a decisão que se deve adotar”, afirmou, citando que essa prática induz a preferências por políticas que são mais baratas em seu início, e não as mais eficientes ou as mais baratas na perspectiva de médio e longo prazo. “São muitos os exemplos, do investimento público que tem natureza plurianual, como também o do crédito público”, disse, citando experiências internacionais como a reforma do crédito público nos EUA, nos anos 1990, que prevê medidas distintas de orçamentação de políticas plurianuais, com base em competência.

O coordenador do CPFO reforçou a defesa, feita por outros participantes do evento, sobre a orçamentação de médio prazo e a revisão de gastos. “Vale ressaltar a importância de uma nova legislação orçamentária que inclua esses elementos, em especial a de aprimorar nosso sistema de monitoramento fiscal, como forma de corrigir práticas ao longo da execução.”

Garantir uma legislação orçamentária capaz de lidar com temas transversais como as mudanças climáticas; aprimorar os instrumentos contábeis de mensuração de renúncias e gastos tributários para seu devido controle; e priorizar um melhor controle das despesas discricionárias também foram tópicos defendidos por Pires. “No caso das despesas obrigatórias, suas implicações em rigidez orçamentária e dificuldade em adequar os gastos diante de mudanças no ambiente econômico se tornaram um problema tão grande que já sabemos como resolver; há transparência e diagnóstico. Mas a capacidade de avaliar as despesas discricionárias não está no mesmo pé de importância”, afirmou. “Às vezes aparece a discussão sobre o investimento, mas seria importante elevaria esse debate para as discricionárias como um todo. Temos que criar meios para controlar o crescimento das despesas obrigatórias, mas ao mesmo tempo conseguir avaliar despesas discricionárias”, reforçou.

Na abertura do evento, Lilian Furquim, diretora da FGV EESP, destacou a importância de uma reforma orçamentária, para a promoção da melhoria das políticas públicas em termos de previsibilidade e controle fiscal, visando ao crescimento sustentável. “Desde a Constituição de 1988 patinamos em transformar o orçamento em um guia da execução orçamentária”, lembrou. Oscar Vilhena, diretor da Escola de Direito da FGV em São Paulo, ressaltou que 70% das emendas constitucionais – que somam 130 desde a promulgação da Carta, em 1988 – dizem respeito à alocação de recursos orçamentários. “O que temos é que a cada coalizão de governo que se altera, há disputa sobre como as rendas públicas serão realocadas. Se quisermos dar passo fundamental para qualificação das políticas públicas, temos que refletir por que isso acontece e quais mecanismos para evitar essa eterna ciranda orçamentária que impede o Brasil de conquistar um crescimento sustentável no longo prazo”, afirmou.

Confira o vídeo da Roda de Conversa Nossa Reforma Orçamentária.

 


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