“Mesmo entre fintechs há cautela quanto ao consignado do Auxílio Brasil”

Carlos Eduardo Navarro, CEO da Crefaz

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A reação negativa diante do empréstimo consignado descontado diretamente do benefício do Auxílio Brasil –  cuja lei foi sancionada no início de agosto -, não tem se limitado aos grandes bancos. No início desta semana, um movimento coorganizado pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) lançou a Nota em defesa da Integridade Econômica da População Vulnerável, na qual apontam o risco de superendividamento dos beneficiários do Auxílio e pedem o adiamento do início da comercialização desse crédito, até que se apresentem estudos técnicos que avaliem seu impacto.

Em coletiva realizada no Palácio do Planalto nesta quarta-feira (17/8), o ministro da Cidadania Ronaldo Bento afirmou que esse consignado passará a ser ofertado a partir de setembro, e que já existem 17 instituições financeiras homologadas aptas a operá-lo. “Mesmo entre fintechs há cautela quanto a essa possibilidade”, afirma Carlos Eduardo Navarro, CEO da Crefaz. “É um público vulnerável, que justifica essa preocupação”, afirma Navarro, indicando que a fintech não tem planos, por ora, de trabalhar com esse produto. A Crefaz atua desde 2014 no mercado de crédito e tem entre seu público tomadores das classes C (renda mensal domiciliar entre R$ 2,9 mil e R$ 7,1 mil) e D/E (renda mensal domiciliar até R$ 2,9 mil). O executivo afirma que há uma pequena parcela de beneficiários do Auxílio Brasil que são seus clientes – “em torno de 2%” -, pois atendem a um perfil de risco específico. “Nossas análises não estão atreladas ao fato de o tomador ser beneficiário do programa de transferência ou não, mas à identificação da capacidade da família em gerar alguma renda”, descreve. Uma das linhas operadas pela Crefaz é o desconto das parcelas do empréstimo diretamente na conta de luz mensal. “Com as informações relacionadas à conta de luz, conseguimos identificar o perfil de consumo de um domicílio, estimar quais eletrodomésticos têm em casa, bem como a renda familiar”, afirma. A Crefaz começou a operar essa linha em 2014 no Ceará e Rio de Janeiro, oferecendo empréstimos de R$ 200. Hoje estão em 9 estados, com 500 mil clientes, e os valores concedidos vão até R$ 1 mil. “É a forma que encontramos para levar crédito à população desbancarizada”, diz, apontando às restrições ainda existentes para acesso a crédito da população de mais baixa renda, apesar dos avanços tecnológicos e regulatórios visando melhorar a análise de crédito – como o Cadastro Positivo – e a ampliação da oferta.

O principal desafio em conceder crédito para a camada mais pobre da população, afirma o executivo, é exatamente identificar a capacidade de uma família em sair dessa condição. “A premissa básica para se conceder crédito para esse grupo é ter contato com o cliente, fazer uma entrevista em que se possa identificar o que a pessoa pretende fazer com o dinheiro. Às vezes a intenção é quitar uma dívida mais cara, ou gerar renda familiar”, afirma, ressaltando a importância de se diferenciar quem busca um empréstimo para sair de um problema maior daquele que corre o risco entrar em um do qual dificilmente conseguirá sair ileso. “Sabemos que a tendência de mercado é desenvolver tecnologias para reduzir o contato comercial, mas quando se trata das classes D/E é fundamental o contato pessoal”, diz, lembrando que a base da operação da Crefaz foi inspirado na experiência prévia que Navarro e seu sócio tiveram como correspondentes bancários de outras instituições financeiras. Bem como produtos desenvolvidos pela empresa. “Hoje temos crédito com garantia, para negativado, consignado privado para quem tem emprego CLT. Cada um com seu devido risco calculado, e taxas que partem de 1,49% ao mês”, descreve, indicando que os próximos passos da empresa são o lançamento de contas digitais, previsto para o segundo semestre de 2023 – “o que facilitará nossa comunicação com clientes que ainda são desbancarizados” – e o desenvolvimento de novos produtos voltados para a classe média, público que deverá ganhar o foco da empresa em uma conjuntura de juros básicos altos por mais tempo.

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