Limites da reforma tributária em colaborar com a regra fiscal

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O adiamento da apresentação do texto do relator do arcabouço fiscal retirou da pauta o assunto que seria destaque econômico da semana: o início da votação da nova regra. A expectativa do governo, entretanto, permanece a de conseguir uma boa base de apoio parlamentar para iniciar a ambiciosa agenda legislativa para este ano - que ainda inclui as duas fases da reforma tributária - com o pé direito. Ao se aprovar o desenho do arcabouço conforme apresentado pelo governo, amplia-se a importância de que a discussão da segunda fase da reforma tributária aconteça ainda este ano, para apoiar o aumento de arrecadação necessário para manter a regra fiscal em pé, atendendo aos objetivos de política econômica do governo.

Em webinar promovido este mês pela Fundação FHC, Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, destacou que o objetivo de aumentar a arrecadação reduzindo distorções do sistema tributário,  em contraposição ao simples aumento de alíquota, é a forma indicada na literatura econômica para produzir menor impacto na atividade.  “O debate que o arcabouço traz, e que está sendo promovido pelo ministério da Fazenda, é positivo por criar fontes de arrecadação que complementam a reforma tributária ao invés de tirar o efeito positivo que imaginamos ter com ela”, disse. “Se conseguirmos fazer isso, no final de três anos sairemos melhor do que estamos entrando hoje: Investindo mais, tributando de forma mais eficiente sem criar mais distorção, e caminhando para a sustentabilidade fiscal, que é importante para a redução de juros”, afirmou.

Vanessa Canado, ex-diretora do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e ex-assessora especial do Ministério da Economia (2019-2021), coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, ponderou no evento que, apesar de virtuosa, essa é uma agenda difícil que poderá resultar em pouco aumento arrecadatório de fato, especialmente no curto prazo. Vanessa avaliou que a proposta de reduzir o imposto de renda pessoa jurídica e compensá-lo com a tributação de dividendos pode se apresentar pouco atrativa para o Legislativo. Isso porque, para cada ponto percentual de redução da tributação das empresas, é preciso cobrar de 3 a 5 pontos percentuais no dividendo. “Por exemplo, se reduzo o imposto de renda corporativo de 34% para 31%, que ainda é muito alto, terei que colocar 15% no dividendo. Quando se envia para o Congresso uma alíquota alta de dividendo e uma alíquota não tão baixa de IRPJ, o debate se embola de um jeito que é difícil discutir, porque o tamanho da alíquota assusta já na largada”, disse, destacando que isso aconteceu com o governo anterior. 

Vanessa defendeu que o maior potencial de arrecadação se encontra entre empresas do Simples e do lucro presumido, mas reconheceu que o debate sobre mudanças nesse campo ainda não está maduro para ser defendido no Congresso - “ainda que seja preciso fazer ele andar”, pontuou. “A gente vê, pelas alíquotas efetivas, que de fato acionistas de pequenas empresas praticamente não pagam IR. Esse é um debate difícil, devido à percepção formada de que pequenas empresas pagam imposto demais e grandes pagam pouco. O tratamento dado a estas, inclusive, incentiva a que pequenas empresas não cresçam, o que prejudica a produtividade e o crescimento da economia como um todo”, afirmou, destacando o trabalho do Observatório da Produtividade Regis Bonelli. “Duvido que o Congresso esteja preparado para uma proposta de se tributar igualmente sócios de empresas pequenas, médias e grandes. O risco é de sair uma agenda de justiça fiscal pior, isentando dividendo dessas empresas e sobrecarregando ainda mais empresas maiores”, disse.

A coordenadora do Insper destacou ainda a dificuldade de se obter ganhos no curto prazo com a tributação de dividendos. “Quando se publica uma lei sobre tributação de dividendo, o que a empresa faz naturalmente é pagar todo o dividendo antes da lei entrar em vigor.  Então, os primeiros anos da lei tendem a ser ruins para o governo em termos de arrecadação”, afirmou. Por outro lado, Vanessa avaliou como positiva a iniciativa de se antecipar temas como a tributação de ganhos de capital e rendimentos de brasileiros no exterior, previsto na Medida Provisória 1.171, de 30 de abril. “É bom que se segregue esse tema do debate da reforma tributária. Como todos são assuntos complexos, e o debate é incipiente no Brasil, quanto mais concentrado for o debate, melhor é a qualidade. Além do fato de que essa medida tem potencial arrecadatório de fato, assim como o caso dos fundos exclusivos, porque isso independe da reforma do IR.” Ela ponderou, entretanto, que o marco ainda demandará de uma segunda etapa de discussão. “Acho que esse marco ainda peca por ineficiência alocativa, porque ainda haverá muita diferença entre quem tem investimento em pessoa física e quem tem em offshore. Considerando que essa primeira parte tinha de fato um viés mais arrecadatório, um segundo passo será uniformizar um pouco mais o que é a tributação da renda do capital no caso das pessoas físicas”, disse.

Pires convergiu no diagnóstico de que, no momento, o debate mais amadurecido é o da tributação sobre o consumo. “Para a tributação direta, não existe modelo ideal, pode-se discutir várias formas de tributar dividendos”, disse. Esse tema, inclusive, é um dos analisados no livro Progressividade Tributária e Crescimento Econômico, organizado por Pires, com acesso gratuito (link para o livro) “Tributar dividendo é uma medida bastante progressiva, mas não é uma relação um a um como muitos pensam, e pequenas desonerações implicam alto aumento de carga nos dividendos”, reforçou. Pires defendeu que, o importante, é se partir de um bom diagnóstico do sistema tributário. “Não dá para mexer em tudo ao mesmo tempo, e um debate puxa o outro. Acho que precisaremos avançar em blocos de discussão, para que se tenha claro o destino final.”

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir