Inteligência Artificial: o risco também está em não reter talentos, alertam especialistas da FGV Emap
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Diante do desafio – que não é só brasileiro – de gerenciar a magnitude da transformação que a Inteligência Artificial (IA) pode significar para as pessoas, empresas e Estados consumidores dessa tecnologia, pouco se tem falado de uma questão: como o Brasil tem se posicionado do outro lado do balcão – ou seja, como produtor e fornecedor de métodos para ensinar as máquinas a identificar padrões a partir de grandes volumes de dados, e responder a questões emulando o comportamento humano?
Esse foi tema de matéria da Conjuntura Econômica de julho, fruto de uma conversa com os professores da Escola de Matemática Aplicada – FGV Emap Alberto Paccanaro, Dario Oliveira, Diego Mesquita e Jorge Poco, acompanhados por César Camacho, diretor da Emap desde 2018.
A resposta não é animadora. “Quando se trata da linha de frente da Inteligência Artificial, o país está muito atrasado”, sentencia Camacho, apontando ainda a falta de um centro estratégico que esteja “matutando” qual a rota do país dentro do universo da IA.
O diretor da Emap diz que o pecado original que afeta o desenvolvimento do Brasil nessa área é a lenta reação para corrigir uma tendência – presente no início dos cursos de Ciências da Computação nas universidades dos EUA e Canadá na década de 1960, nos quais o Brasil se inspirou – de concentrar o ensino de computação em programar máquinas, sem levar em consideração a matemática. “Isso se consertou rapidamente por lá, conforme a evolução dos problemas que se queria solucionar”, diz. Aqui, um dos entraves para se corrigir essa rota, conta Camacho, é a estrutura de contratação de professores e pesquisadores. “Na FGV, conseguimos avançar em autonomia e orçamento, o que nos dá a oportunidade de investir para que a Emap se torne um centro de primeira linha em ciência de dados. Mas nas universidades públicas as contratações em geral são via concurso – nas federais, por exemplo, dependentes de uma decisão tomada em Brasília, o processo se dá muitas vezes de forma lenta, sem avaliar prioridades”, diz, ressaltando que as iniciativas que hoje despontam nascem da visão de algumas instituições em buscar alternativas como parcerias.
O italiano Alberto Paccanaro, matemático com pós-doutorado em biologia computacional na Queen Mary University of London e Yale University, professor titular da Emap desde 2020, lembra que em países europeus a dinâmica de contratação em instituições públicas em geral é similar à brasileira. Para superar as travas presentes nessa estrutura, entretanto, passou-se a investir na criação de institutos de pesquisa, conta Paccanaro.
Outro desafio, não menor, é conseguir reter pesquisadores de qualidade no Brasil. Se a fuga de cérebros é uma realidade em diversas áreas de conhecimento, na ciência de dados essa tendência é ainda mais forte. “Nossa juventude é atraída para fazer doutorado em centros no exterior, e após se formarem ficam por lá, em empresas como Google, Amazon ou institutos de pesquisa”, diz o diretor da Emap, destacando a necessidade de se ter profissionais qualificados inclusive para fornecer apoio técnico na aplicação da regulação a ser aprovada.
Diego Mesquita, professor da Emap desde 2022, conta que sentiu na pele esse desafio, quando concluiu seu doutorado na Aalto University, na Finlândia. “Tive ofertas de indústrias na Europa e nos Estados Unidos”, diz, indicando, entretanto, o interesse em se manter na academia, e o desejo de “voltar ao Brasil para ajudar a melhorar a condição científica do país em IA”. A princípio, Mesquita iniciou o processo de seleção da FGV como motivação para preparar o material para aplicar a vagas de professor na Europa, “aproveitando que o formato da FGV é internacionalizado”, sem saber que seria selecionado. “Mesmo achando que o esforço individual tem um poder de transformação maior no Brasil, fazer o que eu faço não ia ser possível sem o apoio institucional para custeio de recursos computacionais, pós-docs e viagens de trabalho para os pesquisadores”, diz.
Para ele, uma das formas de impulsionar o desenvolvimento de inteligência brasileira no setor é corrigir o incentivo para os cientistas, melhorando o investimento em pesquisa de base – único caminho, diz, que elevará o Brasil de desenvolvedor de soluções com métodos importados para criador dos próprios métodos para serem usados em aplicações. “É preciso conter a sedução pelo imediatismo. Às vezes vemos defesas de que investir em aplicação vai resolver o problema de soberania de tecnologia, mas isso não resolve o problema da falta de pesquisa fundamental em nível autossuficiente para gerar pesquisa aplicada suficiente”, diz. Isso implica, afirma Mesquita, melhora nos valores das bolsas de estudo, e projetos que busquem objetivos mais ambiciosos. “Políticas públicas de apoio a start ups também podem ser um caminho. Por exemplo, apoiando doutores no desenvolvimento de produtos.”
Jorge Poco, professor da Emap que antes de chegar à FGV teve passagem por diversas instituições, como o UW Interactive Data Lab (IDL) da Universidade de Washington, destaca que, além de capital humano de qualidade, o trabalho com IA depende de recursos computacionais que permitam alta capacidade de processamento de dados – “cuja aquisição ou mesmo aluguel são mais caros no Brasil”, lembra, destacando que o custo de importação de equipamentos é algo que também deveria ser observado para garantir condições competitivas para a produção local. “Hoje, esse recurso computacional é encontrado em poucos lugares no país”, afirma.
Os matemáticos reconhecem que não é um caminho fácil. “Se antes grandes empresas precisavam de muito capital fixo para crescer – por exemplo, uma fabricante de automóveis como a Fiat – hoje essa demanda é muito menor. Por outro lado, diferentemente da época de consolidação dessas empresas, que começaram suprindo uma demanda local garantida, hoje estamos falando de uma concorrência que nasceu global, diz Paccanaro, destacando as dificuldades em áreas de pesquisa de grandes companhias de tecnologia para o Brasil, o que alimenta um círculo vicioso, incentivando a fuga de cérebros.
Para Dario Oliveira, que tem entre suas áreas de pesquisa temas climáticos e ambientais, e antes de chegar à Emap foi professor convidado na Universidade Técnica de Munique em 2021-22, depois de ser bolsista de pós-doutorado na Universidade de Wisconsin-Madison nos EUA (2020-21), a forma de furar a bolha e se posicionar nesse mercado é aproveitar os setores em que o Brasil tem vantagens comparativas. “Em áreas como a saúde, devido à dimensão do SUS, agricultura, mudanças climáticas, com destaque para a Amazônia, as demandas surgem naturalmente”, afirma.
Leia a íntegra da matéria na Conjuntura Econômica de julho.
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