Governo quer regime de recuperação fiscal de estados mais focado em resultados

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Nesta quarta-feira (26/7) o Ministério da Fazenda lançou um pacote de 13 medidas novas voltadas a facilitar o acesso ao crédito e melhorar a situação fiscal dos Estados. Desse grupo de ações, há a sinalização de entrega em agosto de dois projetos de lei que devem alterar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para estados muito endividados, que perdem direito a tomar crédito com aval da União.

No caso da LRF, a ideia é fazer com que a partir de 2027 estados e municípios passem a cumprir “as mesmas medidas restritivas para novas despesas e renúncias de receita que as aplicadas à União em caso de descumprimento da meta de resultado primário no novo arcabouço fiscal”. O Ministério identifica que, apesar de a LRF ter colaborado para redução de nível de endividamento, não tem sido efetiva no controle de curto prazo das finanças desses entes. Com isso, de acordo ao Ministério, criam-se instrumentos para evitar um agravamento de crises financeiras que comprometam a prestação de serviços públicos básicos à população.  O prazo de 2027, ainda segundo o Ministério, permite que haja tempo para adaptação e não compromete os mandatos de “prefeitos e governadores em exercício que não contavam com essa regra quando foram eleitos”.

Já para o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), a Fazenda espera colaborar para o cumprimento das metas pactuadas com incentivos e redução a burocracia no controle e fiscalização, abrindo espaço para que os entes que estão no regime possam acessar recursos da União para impulsionar parcerias público-privadas. Entre as medidas pretendidas pela Fazenda foram citadas a extensão do prazo de vigência do regime, de 9 para 12 anos, uma aplicação mais gradual de penalidades; incentivos para saída antecipada do regime; abertura para crescimento real da despesa em caso de cumprimento das metas do exercício anterior; e o aumento de limites para operação de crédito se for para uso em reestruturação de passivos, e autorização para operações garantidas pela União para financiamento de contraprestações e aportes em PPPs, de forma a reduzir custos já contratados.

O regime de recuperação fiscal vigente foi criado em 2017 e revisado em 2021, devido à pandemia. Atualmente, Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Sul estão no regime; Minas Gerais também tem sua adesão em trâmite, mas há controvérsias no Legislativo do estado quanto ao plano de recuperação proposto, sob o argumento de restringir investimentos em áreas essenciais e congelar salários de servidores. Mudanças no RRF têm sido solicitadas pelos governadores desses estados.

Manoel Pires, pesquisador do FGV IBRE, destaca alguns pontos em que o RRF original era muito rígido. A começar pelo prazo de convergência fiscal – que o governo pretende revisar –, considerado curto para se prever uma recuperação de fato daqueles estados com dificuldade financeira. Também, ao apresentar a forma como o ajuste fiscal deveria ser feito. “O texto dizia exatamente qual era a meta dos estados, e como os estados deveriam cumprir aquela meta. Isso gerava um problema, porque em alguns casos os estados até a cumpriam, mas não da forma indicada, e corriam o risco de serem excluídos do regime”, afirma. “A segunda versão do RRF já flexibilizou um pouco essa questão, ainda que tenha conferido alguns instrumentos para o ajuste. Ainda assim, essa versão manteve algumas contradições”, afirma Pires. “Uma delas era a limitação de gasto com pessoal, que era uma variável importante de ajuste, mas que conflita com a regra de se manter o cumprimento de mínimos constitucionais – lembrando que saúde e educação são serviços intensivos em mão de obra”, cita. Pires considera que a tendência de ampliar o foco mais na entrega de resultados do que na forma do ajuste é positiva. “Mas ainda é preciso ver como as mudanças serão implementadas de fato.”

Outro elemento importante nesse cenário, ressalta Pires, é a mudança na realidade das finanças estaduais, especialmente com a desoneração estipulada na Lei Complementar nº 194, de 2022, que reduziu as alíquotas de ICMS incidentes sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações. Tais segmentos são importantes fontes de arrecadação dos estados, e tal mudança pode dificultar o cumprimento dos planos de recuperação dos estados.

O mais recente Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal sinaliza que a diferença entre receitas e despesas dos estados no acumulado até abril totalizou R$ 39,5 bilhões, uma queda real de 47,1% contra o mesmo período de 2022. O relatório indica que essa queda é fruto principalmente pelos reajustes salariais e pela perda de arrecadação com o ICMS em 2023.  No caso dos estados atualmente envolvidos no RRF, essa variação real foi de -40,4% no Rio de Janeiro, -43,3% em Goiás, -73,5% no Rio Grande do Sul e de -82% em Minas Gerais. No relatório, a IFI aponta que “o principal desafio para as finanças dos estados e do Distrito Federal será equilibrar as contas em um contexto de aumento permanente de despesas (oriundo dos reajustes) e de perda permanente de receita do ICMS”.

Além de mudanças na LRF e no RRF, o anúncio do Ministério da Fazenda incluiu outros quatro eixos. O primeiro focando em rating e operações de crédito – que inclui mudanças em critérios para cálculo denota de crédito dos estados (Capag). O segundo, em apoio a municípios de pequeno e médio porte, onde entra a proposta de redução do número mínimo de habitantes (de 1 milhão para 200 mil) exigido para município com baixa nota de crédito aderir ao programa de reequilíbrio fiscal (PEF). O terceiro é apoio a projetos de concessões e PPPS, que inclui mudanças em regras para que bancos públicos ofereçam de garantias para contraprestação integral em PPPs e possibilidade de emissão de debêntures com isenção de Imposto de Renda para investimentos em projetos e, setores como educação, saúde e segurança pública. E o quarto é a valorização de boas práticas contábeis, com iniciativas como o ranking da Qualidade da Informação Fiscal e Contábil.

Resultado primário dos governos estaduais abaixo da linha (% do PIB)


Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: IFI.

 


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