Gazeta Mercantil: a história de sucesso e melancólico fim

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

O Brasil teve grandes jornais ao longo dos anos. Citando alguns: os Diários Associados, da época de Assis Chateaubriand. O Jornal do Brasil, carinhosamente chamado de JB, que revolucionou a forma estética e a linguagem dos textos. O Jornal da Tarde, do grupo Estadão. E a Gazeta Mercantil que foi considerado o maior jornal de economia do país. Todos definharam.

E é a trajetória da Gazeta que Célia de Gouvêa Franco, que por 20 anos trabalhou no jornal, descreve no recente livro “Gazeta Mercantil – A trajetória do maior jornal de economia do país”, editado pela Editora Contexto, que será lançado no próximo dia 24 de outubro, na sede do Insper, em São Paulo. O livro já pode ser encontrado nas livrarias.

Fiz parte do grupo que iniciou e consolidou o jornal, a partir de 1974, como o mais influente do país, em um período em que a economia brasileira avançava aceleradamente, que ficou conhecido como o milagre econômico. Só para se ter uma ideia, em 1973, quando já se preparava a nova Gazeta Mercantil, o PIB cresceu 14% e a inflação desceu de 25% ao ano para 15%. Vivíamos uma ditadura militar. Emílio Garrastazu Médici era o presidente, cargo que que ocupou de 1969 a março de 1974. Já tínhamos o Ato Institucional número 5 (o AI-5), que suspendeu direitos políticos, prendeu muita gente – alguns foram mortos ou desapareceram-, muitos foram exilados. A Aliança Renovadora Nacional (Arena) dava sustentação ao governo, enquanto o outro partido que sobrou, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), lutava na oposição. Eram tempos de trevas.

E foi dentro desse contexto que o deputado federal Herbert Levy, da Arena, e sua família decidiram lançar um jornal de economia, já que havia um nicho de mercado com a expansão da economia e falta de informações de qualidade para tomada de decisões por parte dos empresários.

Na verdade, desde a década de 1920, quando foi fundada, até 1973, quando começou a mudança, a Gazeta Mercantil era um boletim mimeografado que circulava entre poucos leitores. Trazia informações sobre o ainda incipiente mercado financeiro e sobre preços de matérias primas. Também trazia informações sobre falências e títulos protestados e dados sobre importações. Também informava o que acontecia nas Bolsas de Valores do Rio, fundada em 1820, e na de São Paulo, de 1890. Mas quase não haviam negócios. Naquela época, em 1920, o boletim se chamava Gazeta Mercantil Comercial e Industrial. Foi comprada por Herbert Levy, que já publicava o Boletim Comercial Levy, desde 1929, e a Revista Financeira Levy, desde 1933. A compra foi a semente para, dali há alguns anos, surgir o maior jornal de economia do país, comando pelo filho do Dr. Herbert, como era chamado na redação, Luiz Fernando Levy, já falecido.

O Prefácio do livro, escrito por Célia, que chamo carinhosamente de Celinha, conta que nos 90 anos de existência da Gazeta Mercantil – iniciada com o boletim mimeografado de 1920 -, o período em que realmente fez diferença no país foram os 35 anos iniciados em 1974 e terminados em 29 de maio de 2009, quando o jornal deixou de circular, “nos quais seu papel se misturou profundamente com os negócios, o sistema financeiro, o mundo da política, de tal forma que sua história pode ser entendida como espelho do período em que o Brasil passou por profundas transformações, a começar pela mudança de ditadura militar para a democracia”.

Carlos Eduardo Lins da Silva, na apresentação do livro, escreve que a Gazeta Mercantil foi a grande escola da especialização profissional de jornalistas na área econômica e política, onde “trabalharam diversos chefes de redação, editores, repórteres que, depois dela, foram para outros veículos e, neles, ajudaram a formar novas gerações de jornalistas que agora desempenham suas funções.

Ela estabeleceu padrões de qualidade até então inexistentes no jornalismo que lidava com economia no país. Durante pelo menos 35 anos (de 1974 quando seus proprietários ambiciosamente a transformaram de um mero boletim de informações em um jornal comparável aos melhores de seu gênero no mundo, a 2009, quando deixou de circular), ela foi referência para todos que que se interessavam por assuntos de economia”.

A Gazeta, em seus áureos tempos, chegou a ter mais de 600 jornalistas espalhados pelo Brasil e no exterior, e uma tiragem da ordem de 150 mil exemplares na década de 1980. Um dos pontos marcantes do jornal foi a criação do Balanço Anual, que trazia análises sobre os principais setores da economia, além de ranking elaborado através de análise de mais de oito mil balanços de empresas, feito por uma equipe de analistas do Centro de Informações (CI), que dava apoio aos jornalistas com um imenso arquivo de matérias e estatísticas.

Foi criado o Fórum de Líderes Empresarias, em que a cada ano se elegia os principais líderes setoriais e o empresário do ano. Desse Fórum, ainda no período da ditadura militar, foi divulgado o Documento dos Oito, onde dos dez líderes eleitos, oito assinaram um documento pedindo a volta da democracia.

A Gazeta também foi o primeiro jornal a ter um sistema de transmissão inédito do jornal que era feito em São Paulo para outras capitais, como Rio e Brasília, onde era impresso. Isso fazia com que o jornal chegasse rapidamente às bancas.

Mas o que levou um jornal tão influente, que chegou a ganhar o premio Maria Moors Cabot, da Universidade de Columbia, um dos mais respeitados do mundo em jornalismo, a definhar até o último suspiro? São várias as razões.

Má gestão, acordos e parcerias mal estruturadas, ampliação excessiva de frentes – ao longos dos 35 anos em que a Gazeta Mercantil circulou -, criou-se programas de TV, compra de jornais - um deles foi em Mendoza, na Argentina - de revista, a Isto É, lançamento da Gazeta Mercantil Latino-americana, tabloide semanal, bilingue (português e espanhol), no qual também trabalhei. Todas essas frentes deram prejuízo: foram vendidas ou deixaram de circular.

Também teve papel decisivo os frequentes desvios de dinheiro para negócios da família, como fazendas e empresa de reflorestamento. Também contribuíram para a derrocada a compra de prédio para a nova sede e a abertura de várias diretorias pelo Brasil afora, inflando a folha salarial.  Já em crise, a Gazeta passou a ter a concorrência do Valor Econômico, criado em uma associação da Folha de S. Paulo com  O Globo. Isso acelerou a derrocada, já que em crise financeira, muitos jornalistas da Gazeta, com salários atrasados, migraram para o novo jornal.

No livro, Célia de Gouvêa Franco, que foi casada com Celso Pinto, um dos mais brilhantes jornalistas do país, já falecido, e que por anos foi editor de Finanças da Gazeta e que criou o Valor Econômico, conta a trajetória do jornal, desde suas criação até o seu melancólico fim. Leitura obrigatória para quem quer conhecer a história do país vista pelas páginas do jornal que foi o maior do Brasil na área econômica.

 


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