“Função de reação do BC pode ter mudado, abrindo espaço para uma Selic a 9,5% em meados de 2024”

Livio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE

por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O início do ciclo de corte da taxa básica de juros da economia esperado para hoje pode levar a Selic a fechar o ano em 11,75% e chegar a meados de 2024 em 9,5% ao ano, afirma Livio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE. Para Ribeiro, esse nível seria reflexo de uma mudança na função de reação do Banco Central, o que significa menos ímpeto em alcançar o centro da meta de inflação até o fim de 2024, estando mais focado em deixar o IPCA dentro do intervalo de tolerância - o que já lhe isenta da responsabilidade de explicar ao ministro da Fazenda os motivos de não-cumprimento e detalhar ações corretivas. “O modelo do BC não aponta para esse relaxamento; mas o que vemos é que o Banco prevê um IPCA acima dos 3% para o ano que vem e discute cortar juros”, pondera. 

Com isso, diz Ribeiro, muda-se o cálculo de orçamento máximo de corte de juros. Considerando um nível que comporte a inflação em torno dos 4% no final de 2024, o pesquisador considera que a Selic poderá chegar ao menos a 11,75% no final deste ano e a 9,5% em meados de 2024 (após a decisão do Copom, Ribeiro revisou esta projeção para 9%). 

Ribeiro afirma que a mudança do cenário de expectativas observada com a atual evolução dos preços alimenta um entendimento no mercado de que ter o IPCA dentro da meta está ok - ele ressalta que a expectativa de corte da Selic se dá em um contexto em que também o mercado prevê inflação fora da meta em 2024, com a projeção do último relatório Focus, de 31/7, de IPCA em 3,89% no fim de 2024. O pesquisador não identifica riscos inflacionários significativos que possam alterar esse caminho. “Entretanto, não podemos esquecer que hoje a inflação de curto prazo como aconteceu no segundo semestre de 2022 e a de agora refletem mudanças de regra de jogo, especialmente na gasolina e o subsídio dos automóveis”, cita. “Hoje a gasolina opera 25% abaixo da paridade. É uma escolha. Somada à medida para baratear carro zero-quilômetro, já chegamos a um impacto de 100 pontos-base (bps) de inflação.” Ribeiro avalia que 2024 não será marcado por atividade aquecida - “não teremos tanta ajuda do agro, e o corte de juros não tem a potência que todos esperam para acelerar a atividade no curto prazo” -, a não ser se forem acionadas medidas expansionistas, como de impulso ao crédito, que podem comprometer o contexto macroeconômico para o equilíbrio de preços. “Hoje, já estamos observando mudanças de fundo significativas - como a política de preços da Petrobras e mudanças múltiplas de estrutura tributária já no curto prazo - que também são significativas, e deveriam competir em atenção com a política monetária”, diz. 

Voltando ao horizonte do BC, o pesquisador afirma que ainda é preciso esperar para saber como será a atuação objetiva do BC nesse novo regime de meta contínua, de 3%, definido em junho. Ele afirma que a concepção de que o BC continue detendo a prerrogativa de definir o horizonte de convergência pode mudar conforme o que o decreto presidencial determinar. “Essa discussão está na mesa. Pode ser que não seja levada a cabo qualquer alteração, mas é bom desconfiar de mudanças que são feitas para deixar tudo igual. Se o decreto vier com prazos, será uma forma de ajustar o conceito de autonomia do BC que hoje temos”, lembra. 

Depois da comunicação controversa entre o comunicado e a ata da última reunião do Copom, Ribeiro indica que desta vez o BC também terá desafios em informar a decisão desta atual reunião, destacando que dificilmente o Comitê chegará a uma decisão unânime. “Provavelmente, chegarão à eleição de corte de 0,5 ponto porcentual (pp) - decisão inconsistente com o grupo minoritário que defende cautela -, com dissenso para 0,25 pp, que está abaixo da precificação atual do mercado. Isso trará desafios de comunicação”, afirma. Outro elemento que Ribeiro aponta como não trivial na atividade do BC daqui adiante é a chegada de Gabriel Galípolo, indicado pelo governo Lula, como diretor de Política Monetária. “O fato de ser um diretor que tem a Presidência do BC como horizonte é algo delicado, pois pode também pode influenciar a dinâmica da instituição”, lembra. 

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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