Estudo aponta aumento de gasto tributário no Brasil nas últimas duas décadas e necessidade de melhor governança

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Estudo divulgado na semana passada em seminário no FGV IBRE, no Rio de Janeiro, indica que os gastos tributários - renúncias de receitas tributárias que representam um gasto indireto do governo, visando a atender algum objetivo econômico ou social - aumentaram de 2,9% do PIB em 2002 para 6,9% em 2024 quando somados os âmbitos federal e estadual.

O documento, de autoria de Paolo de Renzio, professor da FGV Ebape, Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público (CPFO), Natalia Rodrigues, doutoranda da FGV Ebape, e Giosvaldo Teixeira Júnior, assistente de pesquisa do FGV IBRE, forma parte do Tax Expenditures Lab, trabalho capitaneado pelo Council on Economic Polices (CEP), que visa a compreender o uso desse instrumento nos países para ampliar sua eficiência enquanto política pública. 

Nesse estudo que tratou do caso brasileiro (leia a íntegra do documento aqui), os pesquisadores não só realizaram um balanço quantitativo, mas identificaram os principais problemas que tornam os gastos tributários pouco transparentes e de difícil avaliação. “Para começar, existe uma confusão conceitual sobre o que significa gasto tributário, e que impacta a forma como gasto é medido, trazendo implicações sobre as tentativas de monitoramento e governança”, disse Pires. Ele afirma que a Receita Federal é o órgão que trabalha com maior estabilidade conceitual sobre o tema, garantindo maior estabilidade de regras. Ainda assim, destaca Pires, a metodologia utilizada deixa vários gastos de fora - tais como o Repetro, os juros sobre capital próprio e o regime de lucro presumido. “Quando conversamos com técnicos da Receita, entendemos as decisões. Independentemente da decisão técnica, entretanto, algumas renúncias ficam menos transparentes”, afirmou.

No evento, a economista Nathalie Beghin, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), reforçou a necessidade de maior transparência quanto ao volume de gastos tributários não classificados como tal. Levantamento divulgado recentemente pelo Inesc ilustra que, somente em 2023, as renúncias das 267 empresas habilitadas ao Repetro (Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação de Bens Destinados à Atividade de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de Petróleo e Gás Natural) somaram R$ 18,59 bilhões. A subvenções totais aos combustíveis fósseis somaram R$ 81,74 bilhões em 2023, sendo que para as renováveis esse valor foi de R$ 18,06 bi, similar ao gasto tributário com o Repetro. “Tal como o Repetro, há outros regimes não classificados como gastos tributários sobre o qual precisamos ter informações, pois não é pouco dinheiro”, afirmou.

Pires afirmou que “uma das conclusões que emerge do relatório é pensar num aprimoramento do Demonstrativo de Gastos Tributários (DGT), publicado anualmente como anexo ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), para incorporar essas renúncias que são grandes, muitas das quais o próprio governo busca combater. Ou criar um instrumento adicional para aumentar a transparência desses benefícios fiscais.”

Evolução dos gastos tributários no Brasil (em % do PIB)
federais e estaduais


Fonte: FGV, CEP, IDOS.

Um dos diferenciais desse estudo é o levantamento dos gastos tributários no nível estadual, para o qual os pesquisadores tiveram de ir além da sistematização de informações já disponíveis. Nesse âmbito, o estudo destaca o desafio em lidar com metodologias e tratamentos diferentes sobre gastos tributários. “Às vezes um mesmo estado muda a forma de mensurar esses gastos ao longo do tempo. Um argumento comum, por exemplo, é de que a renúncia não vai gerar perda de receita, porque induz a mais crescimento econômico, por isso não é declarada, mas anos depois volta a ser identificada, por entendimento diferente”, ilustrou. Pires ressaltou que, a partir de 2022, observa-se um salto nos gastos tributários dos estados, para o qual podem ter contribuído tanto o trabalho que o Comsefaz, comitê que reúne secretários estaduais da Fazenda, tem realizado para aprimorar essa metodologia como a perda de arrecadação de ICMS com a mudança de legislação para bens essenciais como combustíveis e energia elétrica, que podem ter sido classificada como renúncia. Ele lembrou que a maior parte dos gastos tributários estaduais ocorre sobre o ICMS, e que a reforma tributária esse gasto tende a se reduzir, junto com a guerra fiscal.

Débora Freire, subsecretária de Política Fiscal na Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, ressaltou o diferencial do estudo em diagnosticar o processo de governança em relação aos gastos tributários. “Isso é algo que fazemos internamente, mas não é comum encontrar hoje no Brasil trabalhos que se debrucem sobre esse problema.” Freire também defendeu a necessidade de um processo rigoroso de monitoramento e avaliação desses gastos tributários, tal como acontece com os gastos diretos, previstos no Orçamento. “Nosso desafio maior talvez seja não ter o crivo adequado no momento de proposição desses gastos - que muitas vezes vêm do Legislativo - para definir se é uma política meritória ou não”, disse. A subsecretária citou como exemplo a política de desoneração da folha de pagamento, sobre a qual há vários estudos que apontam sua ineficiência, mas que ainda assim não foi descontinuada. “O governo conseguiu uma grande vitória com a determinação do phase out para essa desoneração, e estamos trabalhando para que tenhamos cravos maiores na avaliação de gastos tributários”, disse. “No momento em que estamos discutindo a necessidade de se ampliar o espaço fiscal visando à sustentabilidade, é fundamental que se olhe não só para os gastos diretos, mas também para os gastos tributários.” Para Freire, isso passa por determinar metas e objetivos claros, bem como órgão gestor responsável por cada grupo de gastos tributários - “a Receita Federal é responsável apenas pela execução” -, e prazo máximo de vigência. “Este poderia ser de cinco anos, que é o prazo dado na reforma tributária para a avaliação de regimes diferenciados estabelecidos na reforma.

Débora Freire apontou três desafios que ficam explícitos no estudo. O primeiro é a transparência nos dados, avançando na qualificação destes sob o contexto econômico. O segundo, aprimorar o processo de governança, com uma análise ex-ante efetiva - que atenda a critérios específicos, economicidade eficiência equidade, sustentabilidade - sem a qual o processo de monitoramento e avaliação fica comprometido. E o terceiro é a importância de um órgão gestor. Ela reconhece os avanços alcançados com os trabalhos de avaliação de políticas públicas do CMAP (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, atrelado ao Ministério de Planejamento e Orçamento), que incluem gastos tributários, mas destaca que o órgão ainda não conseguiu fazer com que os resultados dessas informações influenciem a reavaliação de políticas públicas, ou mesmo a descontinuidade daquelas mal avaliadas. “A Emenda Constitucional 109 impõe como meta que os gastos tributários sejam reduzidos a 2% do PIB até 2029. Muito está sendo feito nesse sentido, mas precisamos garantir esse enforcement”, afirmou.

Paolo de Renzio, da Ebape, reforçou que ampliar o poder influenciador das avaliações na reformulação de políticas públicas é uma das recomendações saídas do estudo, assim como “melhorar e uniformizar a definição de gastos tributários, incluindo todas as renúncias tributárias, e as metodologias relacionadas, bem como a padronização apresentação e cálculo das renúncias no nível estadual”. Renzi, que também participou da elaboração de outro estudo do CEP, com recomendações em nível global, lembra que esse desafio não é só brasileiro. “Vemos que essa é uma discussão que está presente na maioria dos países, e que melhorar a forma de classificar e acompanhar os gastos tributários colabora não apenas para o debate no nível doméstico como ajuda a traçar comparações internacionais e ampliar o debate”, afirmou.

Agustín Redonda, do CEP, apresentou as principais conclusões de um estudo em nível global (leia a íntegra aqui), destacando quatro principais recomendações: garantir um padrão mínimo na definição de gastos tributários; perseguir uma melhoria na qualidade desses dados; incorporá-los no debate do ciclo orçamentário; e ampliar a comunicação sobre esses gastos com a sociedade em geral. O CEP possui duas iniciativas visando a ampliar o conhecimento sobre gastos tributários em nível global: o  Global Tax Expenditure Database e o Global Tax Expenditures Transparency Index, ambos visando a tornar o gasto tributário mais transparente e comparável em nível mundial.

Estudo e seminário contaram com o apoio da Samambaia.org

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir
Ensino