Em Seminário de Análise Conjuntural, pesquisadores do FGV IBRE defendem urgência em medidas no campo fiscal
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
O último Seminário de Análise Conjuntural de 2024, evento promovido pelo FGV IBRE em parceria com o jornal O Estado de S. Paulo, foi marcado por recomendações de urgência em mudanças na política fiscal, para contenção da trajetória dos gastos públicos e da expansão da atividade acima da atual capacidade da economia brasileira. Sem isso, alertaram os pesquisadores do FGV IBRE, a deterioração das condições econômicas tende a aumentar, a inflação, subir, e a potência da política monetária se reduz, mesmo mantendo a taxa básica de juros em nível mais alto por mais tempo. “Austeridade na condução da política monetária não substitui austeridade no campo fiscal”, afirmou José Julio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE.
Para Senna, é possível evitar a dominância fiscal, desde que o tema seja tratado com urgência. Ele lembrou que a política monetária tem rodado no campo contracionista há três anos, e que diante do quadro atual de política monetária – o atual ciclo de aumento mais que compensa a revisão para cima da taxa neutra de juros pelo BC, de 4,75% para 5%, reforçando as condições restritivas – era para a inflação ceder mais. “Mas o ritmo de crescimento dos preços não está melhorando, ao contrário. No ano passado a inflação foi de 4,6% ao ano, este ano provavelmente fechará em 5%, e a perspectiva adiante não é animadora. Isso acontece porque o fiscal tem agido com muita força”, afirmou, lembrando que o ritmo de crescimento do gasto público federal primário, sem considerar despesas financeiras, foi de 5,7% em 2023 e deverá fechar perto dos 6% também neste ano. Um dos componentes dessa despesa, as transferências, representam um ritmo de expansão de 7,5% ao ano, estimulando o consumo, contribuindo para puxar o ritmo de crescimento de preços na direção contrária do que faz a política monetária.”
Para Senna, a reação recente do Copom deve ser vista como “uma tentativa do Banco Central de se antecipar, tomar a frente dos acontecimentos e tentar evitar que a gente de fato caminhe para um quadro de dominância fiscal – lembrando que a definição clássica de dominância monetária, de autoria de Sargent e Wallace, e entendida como a vigente em condições normais da economia, é a em que o Banco Central tem plena liberdade para agir e os resultados de suas ações ficam rigorosamente dentro do esperado. “Cabe perfeitamente afirmarmos que hoje o Brasil vive uma dominância monetária incompleta”, diz, lembrando que o forte aumento da Selic operado pelo Banco Central em dezembro, com sinalização de novas altas na mesma intensidade, não surtiu efeito no câmbio e nos juros longos. Senna também ressaltou que os cálculos de especialistas em torno de uma Selic de convergência – que encaminharia a inflação para a meta – já chegam a 18% ao ano, e implicariam um custo muito alto, reforçando a defesa da necessidade de um ajuste pelo lado fiscal. “É possível evitar a dominância fiscal. Mas a preocupação é gigante, e o momento é de tratar esse assunto com urgência.”
Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, destacou no webinar – moderado por Luiz Gerbelli, repórter do Estadão – que os sinais de desaceleração da atividade no quarto trimestre são insuficientes para o nível de desaquecimento que a economia brasileira precisa registrar para conter a inflação, indicando uma projeção de crescimento de 0,5% em relação ao terceiro trimestre e de 4,2% na comparação interanual. “Teremos dois anos (2023 e 2024) com crescimento do PIB acima de 3%”, afirmou, destacando que a composição dessa expansão em 2024 é mais preocupante, com o consumo das famílias crescendo acima do agregado da atividade. “Em 2023 também tivemos uma aceleração do consumo das famílias, porém mais alinhada com o ritmo da economia”, afirmou, indicando diferença de 0,1 ponto percentual favorável para o consumo das famílias na média trimestral de 2023, contra 0,7 ponto percentual em 2024. “Em 2023, o PIB cresceu 3,2%, e a demanda interna em torno de 2%. Para este ano, projetamos o PIB em 3,5%, mas a demanda interna crescendo em torno de 5%. É um descasamento muito grande”, afirmou. Matos ainda destacou que, enquanto parte do crescimento de demanda em 2023 foi proporcionado pelas exportações, este ano as vendas externas brasileiras foram mais fracas, com as importações crescendo mais, também jogando sinais de insustentabilidade do ritmo de crescimento da economia brasileira. O Indicador de Comércio Exterior (Icomex) do FGV IBRE indica que, no acumulado de janeiro a novembro, bens duráveis lideraram a alta de volume importado no Brasil, com aumento de 53,4% em relação ao mesmo período do ano passado; na mesma comparação, bens de capital registraram alta de R$ 23,8% (leia mais aqui).
Outra medida citada pela coordenadora do Boletim Macro como sinalizadora de problemas no atual ritmo de crescimento é a desaceleração do aumento da produtividade, em direção contrária à do PIB. Em webinar promovido na semana passada (leia aqui), pesquisadores do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do FGV IBRE, divulgaram que no acumulado até o terceiro trimestre a produtividade do trabalho cresceu 0,3% este ano em relação ao mesmo período de 2023. No ano passado, a produtividade do trabalho brasileira fechou com crescimento de 2,3%. “Quando olhamos a PTF – medida que avalia a eficiência da economia, observando a combinação do desempenho do trabalho e do uso do capital – poderemos fechar o ano com uma contração de 1,1% quando no ano passado houve crescimento de 1%. Economia que cresce sem produtividade é um péssimo sinal”, afirmou.
Matos também destacou que a literatura sobre multiplicadores fiscais indica que o estímulo à atividade via gasto público pode ter resultados negativos quando o potencial de crescimento de uma economia já foi alcançado e o contexto macroeconômico é negativo. “Temos déficit primário, o que significa que o impulso fiscal é financiado com mais dívida. Então, os efeitos sobre prêmio de risco e sobre a taxa de juros são tão fortes que acabam gerando um efeito negativo para a economia que supera os efeitos positivos de curto prazo”, disse, lembrando do crescimento do PIB muito maior que o estimado no início de 2024. Além (e apesar) de juros mais altos, a economista ressalta que as projeções para a Selic em 2025 já superam o teto do intervalo da meta. “Vemos um 2025 muito pior, por conta do excesso de gastos públicos e da crise de confiança que estamos vivendo.”
Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, compartilhou a percepção negativa para 2025. “Poucas vezes no histórico deste seminário chegamos ao final do ano com a convicção de que as coisas precisam mudar no ano seguinte”, afirmou, destacando o termo insustentabilidade como definidor do atual quadro brasileiro. Em sua exposição Castelar destacou os desafios que também se acumulam na frente internacional, cujo horizonte de implicações ainda é pouco claro. “Há o fator Trump nos Estados Unidos, dificuldades na formação de governo na França e Alemanha, a China anunciando pacote atrás de pacote, e a Argentina que parece dar uma virada não trivial no que acontece na sua economia. É muita coisa nova”, enumerou.
Castelar reforçou que, nos Estados Unidos, a grande pergunta é em que medida Donald Trump conseguirá adotar as políticas comerciais prometidas, que envolvem um expressivo aumento das tarifas de importação, em especial para produtos chineses, além das promessas relacionadas à política de imigração. “É um conjunto de políticas que, somada à promessa de corte de impostos, são reconhecidamente inflacionárias. Se forem adotadas, a convergência da inflação para a meta, que já não acontece, ficará ainda mais difícil”, afirmou. Ainda que o FED sinalize um corte adicional na taxa básica de juros americana para dezembro, as apostas são de que em 2025 não haverá mais cortes, “o que é um cenário preocupante para o Brasil”. Ele ainda ressaltou o alto nível de déficit fiscal nos EUA, “que em algum momento pode bater nos juros mais longos, o que tampouco seria bom para emergentes”. Na Europa, Castelar pontuou que a tendência é de sequência no ciclo de corte de juros para estimular o crescimento das economias da região – “o que reforça a tendência de um dólar forte”.
No caso da China, principal parceiro comercial do Brasil, Castelar lembra que o país tem dependido do crescimento de exportações para manter um patamar razoável de crescimento – estratégia que pode ser comprometida com a política comercial de Trump. “Lá também a moeda tem desvalorizado, reforçando mais uma vez o fortalecimento do dólar, e há muita especulação quando a se o governo chinês não está guardando cartas na manga para reagir às políticas de Trump”, disse Castelar. “Será preciso conferir quanto o governo aceitará desvalorizar a moeda lá para compensar um aumento de tarifas, e o que ele pretende fazer de fato para recuperar o setor imobiliário, que aparentemente estabilizou na sua queda.”
Com um panorama externo pior, Castelar defendeu a necessidade de mudança no panorama fiscal doméstico. “Não é possível manter a atual política por tempo indefinido – em certo sentido, é o que os preços de ativos, o câmbio a bolsa, já estão sinalizando. O problema é que o governo também sinaliza que continuará desse jeito, e não me parece claro que a gente tem muito tempo” afirmou, lembrando que em edições anteriores do Seminário uma pergunta recorrente era a de por que o aumento das preocupações com o quadro fiscal não apareciam no preço dos ativos. “Isso me faz lembrar uma citação de que, em economia, às vezes as coisas demoram mais para acontecer do que a gente esperaria, mas de repente acontecem mais rápido do que a gente imaginava que seria possível. Talvez tenhamos um desenlace dessa história bem rápido em 2025.”
Reveja o IV Seminário de Análise Conjuntural 2024.
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