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Postado por Conjuntura Econômica
O incerto futuro da Colômbia
Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro
Nunca havia estado na Colômbia. Como não tínhamos muito tempo, fizemos uma viagem curta, de 10 dias, passando por Cartagena, Ilhas Baru e Bogotá. A curta viagem mostrou, uma vez mais, como há uma interação muito forte entre os países da região de língua espanhola. O Brasil, colonizado por portugueses, com uma língua diferente, parece um peixe fora d´água nessa forte interação entre as pessoas que falam a mesma língua. A sensação é que todos são parentes muito próximos.
Hoje, a Colômbia vive um momento de expectativa. Com a eleição de Gustavo Petro, economista e ex-integrante da extinta guerrilha M-19, há uma grande divisão no país. Isso fica claro ao se conversar com as pessoas: motoristas de táxi, garçons, pessoal nos hotéis, vendedores de ruas – o que há muitos, em Cartagena, oferecendo frutas, as nossas conhecidas raspadinhas, doces, roupas, sombreiros (chapéus), e uma infinidade de coisas. Também há acalorados debates nas redes de televisão sobre o novo governo.
Com a eleição de Petro, os investimentos no país deram uma relativa estancada, dado o receio de medidas de estatização e mudanças nas regras do jogo. Não há dados recentes sobre isso. Mas, como até agora nada aconteceu, já começa a haver um certo relaxamento em relação a medidas mais duras que poderiam afugentar os investidores do país. Maior produtor mundial de esmeraldas, com as maiores reservas de carvão da América Latina e com uma pauta de exportações que incluiu café, ouro e petróleo entre os principais produtos, a economia colombiana teve alta taxa de crescimento no ano passado, da ordem de 9,4%, segundo o Departamento Administrativo Nacional de Estatística (Dane). Como no resto do mundo, a inflação permanece elevada, na casa dos 13%, enquanto a taxa de desemprego arranha a casa dos 9%.
Um motorista de táxi que pegamos, ao ser perguntado sobre o que estava achando do novo governo, não teve papas na língua. Exaltado, disse que a Colômbia vai para o abismo. Que a nova geração que, em sua grande maioria, foi responsável pela eleição do novo presidente, não sabe da história colombiana e o que os grupos terroristas fizeram ao país.
“O presidente quer soltar todos os presos. Isso é um absurdo, já que a insegurança aqui em Bogotá aumentou muito, especialmente com a pandemia, que fechou empresas e deixou milhões de desempregados.” Uma das coisas que nos impressionou na capital colombiana foi a quantidade de seguranças privados em quase todas as lojas e restaurantes. Também, na entrada de shoppings, sempre há um policial com um cachorro. Todos que querem entrar carregando mochilas, malas ou sacolas têm que colocar o que carregam no focinho do cachorro para que cheire e verifique se não há drogas, armas. Só então a entrada é liberada.
No centro, onde fica o prédio da Presidência, o Senado e outras instituições de governo, muitos soldados com armas pesadas faziam um policiamento ostensivo. Não é necessário lembrar que a Colômbia foi sede de importantes cartéis de narcotraficantes, como os de Medellin, de Pablo Escobar, criado em 1972, que se tornou o maior traficante de drogas do mundo. Escobar chegou a ser eleito deputado suplente, com planos de chegar ao Senado e à presidência. Teve seu mandato cassado. Em 1977, outro cartel importante surge em Cali, no sul do país, dos irmãos Gilberto e Miguel Orejuela, responsáveis, junto com o governo colombiano e do grupo Los Pepes (grupo paramilitar formado da família agropecuarista Castãno), pela caça e morte de Escobar, em 1982. Com o desmantelamento do cartel de Medellin, o de Cali chegou a controlar 80% do mercado mundial de drogas.
Hoje, a Colômbia ainda é grande produtora e exportadora de cocaína, especialmente para os Estados Unidos. Uma legião de pequenos agricultores vive da plantação de coca, única forma de sobrevivência.
Jairo, outro motorista que nos levou a alguns lugares em Bogotá, tinha uma expectativa mais otimista do novo governo. Para ele, o discurso de que Petro, oriundo de uma organização guerrilheira, irá tornar a vida dos colombianos um inferno, não faz sentido. “O grupo foi extinto há muito tempo. Ele é uma pessoa preparada. Tem tomado medidas que podem ajudar a melhorar a economia colombiana. Também está empenhado em reduzir a corrupção no país, muito entranhada em vários pontos da administração pública. Só para o senhor ter uma ideia”, nos disse, “há 60 anos se tenta fazer um metrô em Bogotá. Não avançamos nenhum centímetro, já que há muita corrupção”. O metrô, sem dúvida, é fundamental, pois o trânsito em Bogotá é caótico, a qualquer hora do dia, com ruas estreitas e uma logística desastrosa. O sistema de táxi comum é horrível, com a maioria dos carros em péssimas condições de conservação. Muitos veículos nem cinto de segurança oferecem, e a maioria dos motoristas é carrancuda e grosseira, embora haja exceções. Há muitos táxis piratas, e o sistema de Uber não é legalizado.
Nos noticiários das TVs colombianas, o assunto do dia é a decisão do governo de mudar radicalmente a política energética do país, substituindo os combustíveis fósseis pela energia solar e eólica. Hoje, o carvão, petróleo e gás representam cerca de 77% das fontes energéticas utilizadas na Colômbia, 18° maior exportador de petróleo do mundo. Em 2020, o petróleo bruto era responsável por 20,5% do total das exportações colombianas, seguido do carvão, com 8,9%. Os principais mercados são os Estados Unidos, que representam 29,5% das exportações totais da Colômbia, seguido pela China, com 10,5%, e Equador, com 4,6%.
O governo proibiu a exploração de reservas não convencionais de petróleo, bem como a prática de fracking ou faturamento hidráulico, que utiliza jatos de água e produtos químicos em alta pressão para perfurar o solo, o que é considerado altamente poluente. Segundo planos do novo governo, a Ecopetrol, estatal de petróleo – 51% da produção está nas mãos do governo, e os outros 49% de investidores privados –, em 15 anos deve se transformar em uma empresa de energia limpa.
A decisão, como menciona Lia Vals, pesquisadora associada do FGV IBRE, não é consensual dentro do próprio governo. Embora o presidente tenha afirmado que o país poderá compensar possíveis perdas com a receita de petróleo através de investimentos em turismo e energia renovável, o ministro da Finanças, José Antonio Ocampo, reiterou publicamente que os contratos de exploração de petróleo não foram suspensos, segundo noticiado pela imprensa local.
Reportagem publicada no jornal The Guardian no último dia 20 de janeiro também critica a decisão do novo governo, ao apontar que especialistas ambientais afirmaram que “a medida não aborda as principais questões ambientais do país, como a pecuária e a agricultura insustentável, que estão impulsionando o desmatamento na floresta amazônica, e não terá nenhum efeito significativo no clima global”.
Para Lia, outros países produtores de petróleo poderão compensar a perda potencial da oferta colombiana, que pode perder mercado, sem muitas chances de repor essas perdas com outras atividades como pretende o governo. Outro ponto levantado por Lia é que deve haver uma retração nos investimentos e na exploração dos campos petrolíferos e de gás já existentes. Riscos, portanto, de que a Colômbia passe a ter que importar gás e petróleo num futuro não muito distante.
Segundo a Sondagem da América Latina, levantamento trimestral sobre a situação da região feito pelo FGV IBRE, em outubro – último dado divulgado – o Índice de Clima Econômico (ICE) despencou para 68,5 pontos, o mesmo ocorrendo com o índice da Situação Atual (ISA) que caiu para 115,4 pontos. Também é muito ruim o índice que mede a expectativa futura da economia no país, em 28,6 pontos.
Colômbia
Fonte: FGV IBRE.
Como há muito interesse em jogo, já que todo o parque petroquímico da Colômbia é privado, será uma queda de braço entre o novo governo e os empresários.
Jairo, o motorista, acredita que o turismo pode ajudar a compor parte do que será perdido se houver uma gradativa redução das exportações de petróleo. Mas, para isso, especialmente em Bogotá, cidade que, algumas vezes, nos lembrou São Paulo, muita coisa tem que mudar. Começando pela melhoria do trânsito, serviços de táxi – caóticos e de péssima qualidade, a não ser taxis especiais –, e sensação de segurança para quem transita pela cidade, especialmente no centro.
No ar, parece haver um certo temor de que as manifestações que ocorrem no Peru, que já acarretaram mais de 60 mortes, possam contaminar o país, depois que um presidente de esquerda foi eleito.
Só o tempo nos dirá o futuro da Colômbia.
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A Colômbia tem uma rica gastronomia, com alguns restaurantes entre os melhores de mundo. Em Cartagena das Índias, para quem se aventurar por lá, há, pelo menos três excelentes: Carmen, Celele e Alma. Mila, uma pastelaria (loja de bolos e doces), é parada obrigatória, bem como o Café San Alberto. De sua fazenda sai um dos melhores cafés produzidos na Colômbia. E não dá para não dar uma passada no Bar Havana, um pedacinho de Cuba na Colômbia. O Mistura, que junta uma gastronomia colombiana com as demais regiões do Caribe, é outro local que merece uma visita.
Em Bogotá, os restaurantes Leo e El Chato são imperdíveis. Há outros, mas o escasso tempo impediu um tour gastronômico mais demorado. Além de uma infecção, que nada teve a ver com a alimentação, que quase me derrubou, tornou a viagem bem mais limitada do que o planejado.
E a música move os colombianos, mesclando ritmos latinos, africanos, de povos nativos, como a Cumbia, Bambuco, Champeta, Vallenato, ritmo adorado por Gabriel Garcia Marques, principal escritor colombiano e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, Zumba, Salsa, entre outros. O filme Encanto, desenho da Disney, que ganhou o Oscar na categoria Melhor Animação em 2022, adorado por minha enteada Raquel, colocou em evidência as canções colombianas mais raiz, cantadas por Mirabel e os outros personagens da família Madrigal que vive escondida em uma casa mágica nas montanhas da Colômbia.
A principal referência musical colombina no mundo, hoje, é a cantora Shakira, nascida em Barranquila. Ouvimos, algumas vezes, seu nome ao andar pelas ruas da Colômbia.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.